O novo chefe da diplomacia chinesa, até aqui embaixador nos Estados Unidos da América, substitui Wang Yi, que liderou este poderoso departamento do Governo chinês nos últimos 10 anos, desloca-se ao continente africano com passagem pela Etiópia, Angola, Gabão, Benim e Egipto.
Esta visita, que vai decorrer de hoje, 09, a 16 deste mês de Janeiro, não tem, no entanto, qualquer leitura relativa à visão da China sobre os grandes acontecimentos que marcam a actualidade no mundo por estes dias, desde logo a guerra na Ucrânia, porque é uma tradição já com três décadas que os novos ministros dos Negócios Estrangeiros visitem África na sua primeira saída para o estrangeiro, embora se o não fizesse a leitura evidente seria uma redução da importância estratégica do continente para a China.
Quanto à importância desta deslocação, para além de consolidar as relações bilaterais com alguns dos países mais importantes da presença chinesa em África nos últimos 20 anos, desde logo Angola, para o qual foram fundamentais as suas gigantescas linhas de crédito que permitiram em larga medida a reconstrução do país no pós-guerra, elevando a dívida de Luanda a Pequim acima dos 23 mil milhões USD actualmente.
Mas esta visita do novo homem forte da diplomacia de Pequim tem ainda outra exigência, que é responder aos insistentes clamores ocidentais contra as intenções chinesas em África, a quem acusam de ter metido muitos dos seus mais proeminentes países na denominada "armadilha da dívida" que é comummente traduzida por garantir um caudal de empréstimos de tal modo volumoso que torna o seu pagamento impossível, conseguindo, assim, uma influência perpétua sobre os respectivos governos.
Isto, apesar de os diversos governantes chineses que se deslocam a África e vice-versa sublinharem amiúde que a relação em questão é simbiótica, no sentido em que todos ganham e que a China, ao contrário do ocidente, não se imiscui na vida política e social dos parceiros africanos, não impondo condições quaisquer que sejam no momento de abrir os cordões à bolsa para financiar infra-estruturas, por exemplo.
E Qin Gang começou já a clarificar as coisas, considerando, através do porta-voz, que esta sua deslocação a África "mostra que a China continua a olhar para o continente com muita atenção e a dar muita importância à amizade com os seus parceiros africanos, procurando sempre aprofundar mais esse relacionamento".
A chegada de Gang (56 anos) à chefia da diplomacia do gigante asiático não foi justificada pelo Governo do Presidente Xi Jinping, mas os analistas ocidentais admitem que o seu antecessor mantinha uma proximidade desconfortável com Moscovo no contexto da guerra na Ucrânia.
Por outro lado, a conter esta versão, está a tradição de os ministros dos Negócios Estrangeiros não ultrapassarem uma média de cinco anos no cargo e Wang Yi (66 anos) ter ali permanecido mais de 10 anos, além de que a sua idade, 66 anos, está entre as mais altas no momento de deixar este importante e exigente posto no Governo chinês.
Existe ainda a ideia a ganhar tracção entre os media ocidentais de que a proximidade de Qin Gang aos EUA, onde foi embaixador durante vários anos, demonstra que Xi Jinping procura restabelecer as relações com os EUA, fortemente deterioradas na última década devido ao volumoso pacote de sanções económicas de Donald Trump, à melindrosa questão de Taiwan, e à potencialmente iminente invasão da ilha rebelde desde os idos de 1950, e ainda a resiliente recusa de Pequim em condenar abertamente a invasão russa da Ucrânia.
Em pano de fundo está ainda o "regresso" dos EUA a África, depois de décadas fora do continente, com a última tentativa de recuperar tempo perdido protagonizada por Joe Biden em Dezembro de 2022, com a Cimeira EUA-África.
A esta reviravolta no olhar de Washington sobre África não é alheia a crescente influência da China e da Rússia no continente, e um recuo pesado das antigas potências, como a França, que perde terreno dia após dias, sendo disso exemplo a deterioração do seu relacionamento na África Ocicental, especialmente no Mali, Burquina, Chade, Níger...
Na "guerra" em curso para a criação de uma nova ordem mundial, na qual até aqui Moscovo e Pequim estavam juntas - resta saber se a chegada de Gang inclui uma mudança de visão de Xi Jinping neste capítulo -, o continente africano é de extrema importância, desde logo pela forma como pode e faz tombar o peso das decisões na Assembleia-Geral da ONU, mas essencialmente no que toca à disponibilização de recursos naturais essenciais que não se encontram em mais lado nenhum, pelo menos na abundância necessária, e que são, claramente, por vezes com extrema violência, disputados pelas grandes potências, bastando olhar para o que se passa na República Democrática do Congo (ver links em baixo nesta página).