Declarada a 01 de Agosto de 2018, esta é já a 2ª maior epidemia de Ébola registada em todo o mundo desde que o vírus foi detectado pela primeira vez em humanos em 1976, nas margens do Rio Congo, também na RDC, e aquela que apresenta maiores dificuldades para ser combatida, apesar de os organismos internacionais e as equipas nacionais estarem no terreno desde o primeiro minuto.
Com a terrível experiência colhida em 2013/2014 na África Ocidental, onde um surto de Ébola na Serra Leoa, devido à tardia resposta das agências e organismos internacionais, evoluiu para uma epidemia de larga escala que matou mais de 11 mil pessoas em vários países da região, especialmente na Serra Leoa, Libéria e Guiné-Conacri, a OMS, neste caso, assim que foi declarada a existência da doença nas províncias do Kivu Norte e Ituri, no leste da RDC, junto à fronteira com o Uganda e o Ruanda, rapidamente colocou meios técnicos e humanos no terreno, em conjunto com a OMS e a UNICEF, bem como as equipas sanitárias do ministério da Saúde congolês.
O enxame de guerrilhas
Mas nem assim foi possível matar o mal pela raiz rapidamente, por três razões principais: A região é palco de extrema violência protagonizada por várias guerrilhas, algumas com origem nos países vizinhos, desde a década de 1990, com episódios sucessivos de ataques contra as bases das equipas médicas; é um território densamente povoado com milhares de refugiados de diversos conflitos, especialmente do vizinho Ruanda, nalguns casos desde 1994, ano do genocídio dos Tutsis pelas mãos da maioria Hutu, e, por fim, por causa da arreigadas crenças em feiticismo e medo da "magia" dos estrangeiros.
Por causa disso, em cerca de sete meses já morreram mais de 500 pessoas infectadas com Ébola sem que se preveja o momento em que o número e a sucessão de mortos possa vir a interromper o ciclo crescente, iniciando a descida e, por fim, o controlo da situação.
Sendo que, também por essa razão, as equipas do norte-americano centro de controlo de doenças infecciosas CDC, com larga experiência nestes domínios, deixaram o terreno por razões de segurança, tendo esse sido um rude golpe na estrutura que estava montada para combater o vírus.
E também por causa disso, a organização internacional dos Médicos Sem Fronteiras acaba de admitir, num gesto raro de quase desistência, veio dizer que "a guerra contra esta epidemia de Ébola está quase perdida".
"A batalha contra a epidemia na RDC está a ser perdida", afirmam os MSF, justificando a quase-derrota com o facto de os técnicos no tereno não estarem a conseguir controlar a epidemia devido à desconfiança contra eles gerada no seio das populações, demasiado empobrecidas, por feiticeiros e outros criminosos que se aproveitam dessa via para ganhar influência e controlo das comunidades, mas também porque a região é palco de extrema violência e presença militar, seja das guerrilhas ou milícias, seja da resposta das Forças Armadas da RDC, que não são menos violentas.
Ataques às equipas médicas
Exemplo dessa violência bizarra, porque se vira naturalmente contra os seus protagonistas, porque o vírus não escolhe vítimas, surgiu nas últimas horas mais um ataque a uma clínica em Butembo, no Kivu Norte, o segundo ataque numa semana realizado por milícias, levando as Nações Unidas a pedir reforços para a defesa da infra-estrutura de tratamento da doença e laboratórios de despistagem.
Por detrás deste puzzle de terror estão ainda questões resultantes da constatação de que as populações da região só viram meios técnicos e financeiros serem para ali deslocados por causa do Ébola quando a pobreza é persistente há décadas e nem um hospital decente foi erguido em muitos anos; a região foi totalmente negligenciada pelos governos provinciais de Ituri e Kivu Norte ou pelo Estado central a partir de Kinshasa.
Perante este evidente impasse no combate e na procura de controlo da epidemia, nomeadamente por causa da resistência aos programas de vacinação intensivos, considerados o factor mais relevante para o sucesso do combate à epidemia de 2013 na África Ocidental, resta aos organismos internacionais pedir o aumento da presença militar das FARDC e da missão militarizada da ONU no Congo, a MONUSCO, para servir de escudo entre as equipas médicas e populações e as guerrilhas e milícias que aterrorizam a região.
Para evitar, por exemplo, o que sucedeu há cerca de duas semanas, quando grupos de milícias locais incendiaram e destruíram dois centros clínicos no epicentro da epidemia, em Butembo e em Katwa, no Kivu Norte, obrigando à interrupção das operações na área, com efeitos demolidores da estratégia de combate à doença hemorrágica que precisa de um esforço continuado para conter o vírus no mais pequeno território ou comunidade possível.
E se a epidemia alastrar para os países vizinhos?
E isso parece não estar a ser conseguido, até porque existem informações que referem uma situação anormal, usando como referência outras epidemias ou casos semelhantes, que é o facto de "mais de 40% dos casos novos terem sido observados em vítimas que morreram nas suas casas, nas aldeias, e não em centros de tratamento", o que significa que as equipas médicas não estão a conseguir chegar ao cerne do problema e que "as pessoas estão a fugir do contacto com essas mesmas equipas", explicou a presidente dos MSF, Joanne Liu.
Uma das razões, o que tem de ser compreendido como mais um problema insolúvel, é que as tácticas das forças de segurança congolesas são baseadas na coerção e não na diplomacia, usando a força para levar as pessoas aos cuidados médicos, o que está, segundo Joanne Liu, citada pelas agências, a criar uma resistência entre as comunidades
As palavras de Liu não foram bem acolhidas pelo Ministério da Saúde congolês, tendo uma sua porta-voz, Jessica Ilunga, recusado as alegações da presidente dos MSD, sublinhando que as forças de segurança não têm "um papel de actor directo" na luta contra a doença."
Mas observou, em tom crítico, igualmente citada pelas agências, que, "ao contrário das equipas internacionais, os técnicos de saúde nacionais não são sujeitos a evacuações privilegiadas e rápidas quando as condições de segurança se deterioram", o que pressupõe a presença próxima das FARDC.
Com isto, com estes impasses e aparentes desconexões na definição de estratégias, aumenta o risco de agravamento da epidemia na RDC e da extensão da epidemia aos países vizinhos, Ruanda e Uganda, em especial, apesar de um e outro terem já na fronteira dispositivos abrangentes de controlo dos movimentos populacionais e no reforço dos pontos menos vigiados da linha de separação fronteiriça, nomeadamente no montanhoso Parque Natural de Virunga, que bordeja os três países.
No entanto, a RDC dispõe de nove países vizinhos, entre esses Angola, o mais distante do epicentro da epidemia, mas também o Sudão do Sul ou a República Centro-Africana, dois países assolados por crises militares e humanitárias graves, onde, se a epidemia para ali se expandir, será extremamente difícil procederão seu combate com eficácia.