Um discurso eficaz depende da clareza da mensagem, do conhecimento do público-alvo e da capacidade de gerar impacto. Espera-se, por isso, que o Chefe de Estado vá além da retórica habitual e ofereça uma visão concreta sobre os desafios que Angola enfrenta e as soluções que propõe dentre muitos em torno dos seguintes aspectos:
Economia: Crescimento com Inclusão e não Retórica Estatística
Os dados oficiais do INE referentes a 2023 confirmam uma frágil recuperação económica, com um crescimento de 0,9% no ano. As projecções para 2024 e 2025, do FMI e do Banco Mundial, apontam para uma expansão modesta, na casa dos 2% a 3%. Seja perante os dados realizados ou as previsões, impõe-se uma reflexão crítica: estes números, por si só, garantem uma melhoria na vida das famílias? Estão a criar postos de trabalho sustentáveis e a combater de forma estrutural a pobreza e a desigualdade?
Que papel desempenha a agricultura? Estão a ser criadas condições para que o sector agrícola se torne competitivo? E quanto à indústria transformadora - está a ser dinamizada com políticas públicas consistentes? A economia digital está a ser integrada ou permanece como promessa vaga?
Fome, Pobreza e Desigualdade: O Silêncio não é Opção
A realidade de muitas famílias angolanas continua marcada pela fome e pobreza extrema. Ignorar esta questão seria um erro político e ético. Espera-se que o Presidente reconheça esta crise e apresente medidas concretas, com metas mensuráveis, para garantir segurança alimentar, acesso à água potável e protecção social. A retórica genérica sobre "melhorias" já não convence.
Educação e Saúde: Investimentos Reais, Resultados Questionáveis
O Executivo tem investido em infra-estruturas escolares e hospitalares e reforçado a formação de professores e profissionais de saúde. São avanços que merecem reconhecimento. No entanto, persistem dúvidas sobre o impacto real destes esforços. A taxa de conclusão do ensino primário continua abaixo do desejável, e o acesso ao ensino superior permanece limitado. No sector da saúde, muitos utentes enfrentam dificuldades no acesso a cuidados especializados, medicamentos e atendimento humanizado.
A qualidade dos serviços públicos continua aquém das expectativas, e os níveis de satisfação dos utentes revelam frustração. A política de retenção de talentos, sobretudo no sector público, ainda não garante estabilidade nem dignificação profissional. Sem diálogo com os sindicatos e valorização efectiva dos professores, médicos e enfermeiros, não haverá serviços públicos de qualidade.
Reforma do Estado e Governação: Mais que Palavras
A descentralização do poder e a modernização da administração pública são temas recorrentes nos discursos presidenciais. Contudo, a população espera mais do que promessas: quer ver resultados. A luta contra a corrupção deve ser acompanhada de transparência na gestão dos contratos públicos e nos processos judiciais e de uma reforma profunda das instituições de controlo. O sector da justiça tem sido alvo de denúncias e críticas, o que prejudica a democracia e afecta a confiança dos cidadãos nas instituições.
Desenvolvimento e Sustentabilidade: Um Equilíbrio Necessário
O desenvolvimento sustentável - com foco na electrificação rural, abastecimento de água e protecção ambiental - deve ser tratado como prioridade, especialmente diante da seca no Sul do País e das alterações climáticas, a garantia de que os recursos naturais estão a ser explorados de forma responsável são exigências legítimas da sociedade civil. Tudo isto requer maior disponibilidade para o diálogo inclusivo e envolvimento das partes interessadas e afectadas.
Investimentos e Parcerias: Oportunidades com Responsabilidade
O Presidente e as instituições angolanas têm feito esforços visíveis para atrair investimento estrangeiro e estabelecer parcerias internacionais. São iniciativas que demonstram abertura e ambição estratégica. No entanto, é essencial que os resultados destes esforços sejam apresentados de forma clara: que projectos foram concretizados? Que benefícios estão a ser gerados para os cidadãos?
Conclusão: A Hora da Verdade
O discurso sobre o Estado da Nação pode ser um momento reconexão entre o líder e o povo, de reafirmação de compromissos e de renovação da esperança. Mas para isso, precisa ser claro, baseado em evidências, transparente e verdadeiro. O Presidente tem diante de si uma oportunidade: transformar um discurso em acção, uma mensagem em movimento, uma promessa em realidade. A Nação espera - e merece - nada menos que isso.n
*Coordenador do OPSA