O País aguarda por um pronunciamento que se prevê marcado por um extenso inventário de obras públicas, mas escasso em soluções estruturais para os problemas que continuam a asfixiar Angola.
Como já é tradição, o discurso deverá abrir com uma longa enumeração de realizações físicas: hospitais construídos em várias províncias, centros de saúde reabilitados, escolas erguidas, estradas asfaltadas, pontes lançadas, sistemas de abastecimento de água e energia ampliados. A Refinaria de Cabinda, frequentemente apresentada como símbolo da industrialização nacional, será seguramente destacada como marco estratégico. A lista incluirá projectos em curso, como o Porto do Caio, o Corredor do Lobito e outras infra-estruturas que visam melhorar a logística e atrair investimento externo.
Este catálogo de obras, embora relevante, não será suficiente para esconder o vazio de uma visão transformadora.
O País continua sem uma estratégia clara para enfrentar os seus problemas estruturais: o desemprego juvenil atinge níveis alarmantes, a inflação corrói o poder de compras das famílias, a dívida pública limita a margem de manobra do Estado, e o sufoco económico é sentido tanto pelas empresas como pelos cidadãos.
A escassez de divisas, a dependência das importações e a fragilidade do sector produtivo agravam um quadro que exige mais do que betão e inaugurações.
O discurso, previsivelmente, não oferecerá respostas concretas para estas questões. Faltará uma antevisão do futuro, uma proposta de rumo que vá além da gestão do presente.
A retórica presidencial, por mais bem-intencionada que seja, não conseguirá disfarçar a ausência de coragem política para enfrentar os interesses instalados, reformar o sistema fiscal, descentralizar o poder e abrir espaço para uma verdadeira economia de mercado com justiça social.
Será, em última análise, um discurso de fim de ciclo.
Um fim que não cumpre as expectativas geradas em 2017, quando João Lourenço se apresentou como o reformador que Angola esperava. O combate à corrupção, embora tenha produzido alguns resultados, não foi acompanhado por uma reforma profunda da justiça, nem por uma renovação ética das instituições. A promessa de transparência esbarrou na opacidade dos contratos públicos e na persistência de práticas clientelistas.
O Presidente iniciou a travessia da ponte, mas não chegou ao outro lado. Tal como Deng Xiaoping, que liderou a reforma da China com pragmatismo e visão estratégica, João Lourenço parecia disposto a romper com o passado. Contudo, faltou-lhe a consistência, a audácia e o apoio institucional para consolidar uma nova ordem. O discurso que se avizinha será, portanto, o discurso do meio da ponte: um lugar de transição, de hesitação, de promessas não cumpridas e de incógnitas por resolver.
A metáfora é poderosa. O meio da ponte é o ponto onde se decide o futuro: ou se avança com determinação, enfrentando os riscos e os custos da mudança, ou se recua, cedendo ao conforto do status quo.
João Lourenço parece ter ficado preso nesse limbo, entre a vontade de reformar e a incapacidade de romper. O seu discurso será o reflexo dessa ambiguidade: um balanço de obras que não resolve os dilemas nacionais, uma celebração do esforço que não aponta para a superação.
Angola precisa de mais do que obras. Precisa de um projecto de país, de uma reforma fiscal que alivie os mais pobres, de uma política industrial que substitua importações, de uma descentralização que empodere as comunidades, de uma justiça que proteja os vulneráveis e responsabilize os poderosos. Precisa de coragem política, de visão estratégica e de compromisso ético.
O discurso do Estado da Nação será, assim, um espelho de um mandato que começou com esperança e termina com interrogações. Um discurso que não ficará na história como o início de uma nova era, mas como o testemunho de uma travessia inacabada. O Presidente João Lourenço não será lembrado como o Deng Xiaoping angolano. Será lembrado como aquele que começou a reforma, mas não a concluiu. E Angola continua à espera de quem tenha a coragem de atravessar a ponte.

* Jurista