Os mais de 2,2 milhões de palestinianos que tem Gaza como casa e destino saíram de imediato para o que sobra das suas ruas ao fim de dois anos de persistentes e avassaladores bombardeamentos israelitas para comemorar com uma explosão de alegria o fim da invasão.

E agora, depois de assentar o pó das bombas que ainda rebentavam em Gaza poucas horas antes de o acordo ser definido e concluído no Egipto, perante os dois contendores e os mediadores principais - EUA, Egipto e Catar -, o mundo espera pelos seus primeiros resultados.

Os resultados imediatos que são materializáveis são o socorro urgente aos milhares de palestinianos que estão à beira da morte pela fome e pelas doenças, o regresso dos reféns israelitas que ainda estão em Gaza nas mãos do Hamas e da Jihad Islâmica, a saída das forças ocupantes do território...

Os grandes obreiros deste acordo histórico são o Presidente dos EUA, Donald Trump, que forçou as partes a aceitar ceder nalguns pontos cruciais, com os olhos postos no "seu" Prémio Nobel da Paz que será conhecido sexta-feira, 10, o Presidente do Egipto, al Sissi, e, no trabalho de formiguinha, o Catar do Emir Tamim Hamad Al Thani.

Uma nota relevante neste contexto que marcará este período do século XXI é o facto de a União Europeia, sempre muito presentes nestes momentos históricos no Médio Oriente, estar, desta vez, fora do mapa dos protagonistas que permitiram alcançar a paz em Gaza.

Nas primeiras reacções ao acordo conhecido nas últimas horas através de uma publicação de Donald Trump na sua rede social Truth Social, referindo ali que se trata de um acordo para "uma primeira fase", emerge desta poeira histórica levantada já não pela metralha israelita mas sim pela dança das crianças em Gaza que já não vão morrer nas explosões dos misseis israelitas...

O documento onde está plasmado este plano agora acordado não deixa de ter algumas linhas de dúvida e receios, porque as exigência para uma e outra parte não são muito diferentes da que estavam plasmadas noutros acordos que falharam redondamente.

Entre os mais críticos pontos estão a saída das Forças de Defesa de Israel (IDF) de Gaza, o regresso sem titubear dos reféns que ainda estão com os combatentes palestinianos em Gaza, a desmilitarização do Hamas e a saída para o exterior dos seus membros, sendo notória a desconfiança mútua, com o grupo islâmico a pedir aos EUA que "assegure" que Israel cumpre a sua parte.

Um dos resultados mais ruidosos deste acordo é a constatação de que o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau, depois de a 08 de Outubro de 2023, horas após o assalto audacioso e histórico e mortal ao sul de Israel ter prometido pela guerra erradicar o Hamas pela guerra mas só o estar a conseguir, dois anos depois pela... paz.

Alias, os três grandes objectivos de Netanyhau anunciados naquela altura eram eliminar totalmente o Hamas, recuperar todos os reféns e fazer de Gaza um local seguro para Israel, colocando nas fronteiras com Gaza uma impressionante força de 350 mil militares, milhares de carros de combate, dezenas de navios no mar e com centenas de aviões F-35 e F-16 norte-americanos para o efeito, com acesso ilimitado aos arsenais militares dos EUA.

Nenhum deles foi alcançado pela via militar, mesmo que pelo caminho, nestes dois anos, tenham morrido sob as bombas israelitas mais de 70 mil civis, confirmados, embora algumas organizações apontem para mais de 200 mil corpos ainda debaixo dos escombros por encontrar, com 20 mil crianças entre as vítimas, que são maioritariamente crianças, mulheres e idosos. (ver links em baixo)

Esta guerra, que muitos analistas insistem em considerar que não o é, porque uma guerra pressupõe contendores de valias aproximadas, enquanto aqui é o mais moderno exército do Médio Oriente, com as armas mais modernas dos EUA, a combater um grupo de algumas dezenas de milhares de combatentes, como a eles se refere o major-general Agostinho Costa, calçados com chinelos empunhando armas ligeiras, ficará, porém, para a história também por outros motivos.

E à cabeça o facto de o povo judeu, que ganhou, na II Guerra Mundial, um lastro de simpatia e reconhecimento global após o Holocausto, estar agora na condição de acusado de genocídio do povo palestiniano nas instâncias judiciais internacionais e com mandatos de captura para o seu primeiro-ministro.

Mas fica ainda saliente ter sido o conflito com mais jornalistas mortos, muitos deles propositadamente atingidos pelas IDF, um dos que mais trabalhadores humanitários, da ONU e de ONG's, viu morrer e aquele em que as populações civis, em décadas, mais serviram de alvo dos oponentes.

Como em todos os acordos de paz, resta agora saber como é que os seus signatários o vão respeitar, porque há muitas dúvidas no ar, desde logo o compromisso israelita com o que acaba de assinar, porque existem dúvidas, como a de Michael Schaeffer Omer-Man, director da Dawn, uma organização israelo-palestiniana de defesa dos Direitos Humanos.

Citado pela Al Jazeera, este activista elogia o cessar-fogo mas nota que este acordo, com a sua formulação conhecida, já podia ter sido conseguido muito antes, restando agora perceber porque é que este é a sério e os anteriores não o foram.

"Sem ser cínico, há que elogiar este acordo, um momento em que acabam as mortes e a fome em Gaza, mas tal já poderia ter sido conseguido no, um reconhecido analista político na região e activista dos Direitos Humanos.

Face aos fracassados acordos anteriores, Michael Schaeffer Omer-Man mostra desconfiança sobre o que acontecerá nos próximos dias ou semanas, especialmente porque não há grandes diferenças entre este e ou anteriores acordos alcançados, o que é igualmente referido por outros analistas.

Como, por exemplo, aquilo que em Israel tem sido noticiado por alguns media, como o Haaretz, que é a suspeita de que esta guerra tem sido artificialmente alongada por Benjamin Netanyhau e os seus ministros mais radicais no gabinete de guerra.

Isso, para se manter longe da barra dos tribunais onde está acusado de crimes graves de corrupção e peculato, sendo que o genocídio dos palestinianos é uma condição exigida para manter o seu Governo em funções dos partidos extremistas dos ministros Bem Gvir, da Segurança Interna, e Bezalel Motrich, das Finanças.

Além disso, alguns analistas notam que assim que a guerra terminar e o pó assentar, Netanyhau terá de explicar e afastar as suspeitas sobre si no 07 de Outubro, onde existem indícios de concluio de algumas forças internas para permitir o ataque do Hamas e justificar a guerra.

E isso tem sido afirmado mesmo por algumas figuras das secretas israelitas, como Ron Bar, do Shin Bet, a secreta interna, que se demitiu inclusive no contexto de um polémica sobre esse tema, havendo por explicar como é que a intelligentsia israelita não percebeu que milhares de combatentes do Hamas estavam a treinar às claras em Gaza para aquele ousado assalto ao sul de Israel.

Numa fronteira das mais vigiadas do mundo com equipamento e tecnologia de ponta, com as secretas mais reconhecidas em todo o mundo, do Shin Bet à Mossad, passando pela AMAN, a secreta militar, como é que o Hamas e a Jihad Islâmica entrou em Israel com tantos combatentes sem que ninguém desse conta? Essa a questão a que Netanyhau terá agora de responder.

Outra questão é saber se Donald Trump mantém o empenho e a pressão sobre Netanyhau se, como o próprio tem insistido e "exigido", vier a ser mesmo o Nobel da Paz 2025. E se, como alguns analistas já o avançaram, terá alguma espécie de acordo com Benjamin Netanyhau para assinar estar acordo apenas até ser o escolhido pelo Comité do Nobel da Paz...

Porque, como sucedeu já antes, pelo menos duas vezes, a última em Janeiro deste ano, foi fácil ao primeiro-ministro israelita encontrar justificações para voltar à guerra... E é por isso que o Hamas está a exigir garantias dos EUA de que desta feita isso não volta a acontecer.