Tal como sucedeu nos acordos anteriores, que não duraram uma semana, nomeadamente o de Janeiro deste ano, que gerou fortes expectativas, também desta feita, apesar do empenho do Presidente norte-americano, nada parece poder travar o descalabro.

E já foram ouvidas ameaças do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, de que vai reenviar as Forças de Defesa de Israel (IDF) para o terreno com o objectivo de agora alcançar a "derrota total do Hamas".

Por detrás deste destoar de Netanyhau estão as pressões a que está sujeito internamente.

Em primeira linha os processos judiciais onde está acusado de corrupção e peculato e a guerra mantém em stand by, e depois também porque os partidos extremistas religiosos dos seus ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, e da Segurança Nacional, Bem Gvir, já o ameaçaram de fazer cair o Governo se as ocupações terminarem e Gaza não for de novo "governada" por Telavive.

E se há uma coisa que é clara para Benjamin "Bibi" Netanyhau é que no dia em que este conflito em Gaza chegar ao fim, recomeça o seu "calvário" judicial sem a protecção do cargo de primeiro-ministro.

Porque o Governo de coligação do seu Likud estará condenado a cair pelo Partido Religioso-Sionista, de Bezalel Smotrich, e o partido de extrema-direita Otzma Yehudit, de Itamar Bem Gvir, que não abdicam de destruir Gaza, expandir os colonatos e eliminar toda a resistência palestiniana tanto em Gaza como na Cisjordânia.

Mas, ao que tudo indica, nem é preciso Netanyhau incomodar-se muito para fazer ruir este acordo de paz, com o qual, aparentemente, Donald Trump queria ganhar o Prémio Nobel da Paz, porque o Presidente norte-americano também já está alinhado com a retórica de "Bibi".

Trump ameaçou esta quarta-feira, 15, o Hamas de colocar todo o poder militar dos EUA na região ao serviço de Israel para, "de uma vez por todas", desmantelar, desarmar e expulsar o Hamas de Gaza.

Isto, se este não entregar todas as armas em sua posse de imediato, coisa que o grupo de resistência à ocupação israelita, visto como terrorista pelos países ocidentais, não parece estar disponível para fazer enquanto as IDF não saírem, como acordado de Gaza, mesmo que por fases, e também se os corpos dos reféns ainda no território não forem rapidamente devolvidos a Israel.

E as coisas estão, escassos dias depois da assinatura do acordo, em Sharm-el-Sheikh, no Egipto, embora apenas pelos mediadores, sem a presença de Israel e do Hamas, de tal modo em processo de desmoronamento que o ministro da Defesa israelita já divulgou as coordenadas do "plano alargado" que pediu às IDF para voltar à guerra se o cessar-fogo, como já todos esperam, colapsar.

O ministro Israel Katz, citado pelas agências, afirmou que o Exército foi chamado a elaborar um plano de tal modo abrangente que não restem dúvidas de que desta vez não fica nada do Hamas por desmantelar.

Estas ameaças são relevantes neste contexto em que estava a crescer a esperança de que o conflito, que já matou mais de 70 mil civis em Gaza, dos quais 20 mil crianças, e deixou 2,2 milhões de pessoas sem casa, além de 200 mil feridos, cerca de 300 mil desaparecidos e a fome e a doença generalizadas, iria mesmo acabar.

Mas não são uma novidade, visto que o próprio Benjamin Netanyhau, a 08 de Outubro de 2023, horas depois do ousado e histórico, e letal, ataque do Hamas ao sul de Israel , fazendo mais de mil mortos, disse que a máquina de guerra em movimento sobre Gaza, com milhares de blindados, 350 mil militares e centenas de aviões de guerra e navios da marinha, deixou claro os objectivos.

Nenhum deles cumprido, que eram destruir totalmente o Hamas e a Jihad Islâmica, recuperar todos os reféns e fazer de Gaza uma geografia sem risco para Israel, embora Telavive tenha mantido, nestes dois anos, uma pressão militar jamais vista na região sobre o território de apenas 365 kms2, onde não deixou um único edifício inteiro e destruiu todas as escolas, todos os hospitais e centros de acolhimento e de ajuda humanitária...

Uma das bizarrias detectadas por vários analistas é que estas ameaças de voltar à guerra de Benjamin Netanyhau sucedem quando estava a conseguir com a paz o que não tinha alcançado em dois anos de guerra, para a qual tinha livre-trânsito para os arsenais norte-americanos, incluindo um dos mais sofisticados aviões de guerra do mundo, os F-35, toda a parafernália de mísseis e a intelligentsia dos EUA, além das redes de satélites norte-americanas.

Isto, quando, mesmo sendo importante, pouco do que o Hamas prometeu no que diz respeito à devolução dos reféns, o tema mais importante para Netanyhau e Trump, pelo menos na retórica, não foi ainda cumprido na íntegra, como falta cumprir da parte de Israel a libertação dos palestinianos que estão nas suas cadeias, um grande número deles sem sequer conhecerem do que são acusados, incluindo centenas de crianças...

Que é a devolução, faltam mais de metade dos 28 reféns mortos em cativeiro, todos eles, ou quase, devido aos bombardeamentos israelitas aos túneis onde estavam escondidos, sendo que os vivos já foram ou estão a ser entregues de acordo com o plano.

Isto tudo acontece ao mesmo tempo que agências da ONU em Gaza, bem como os jornalistas que permanecem no terreno, mesmo depois de cerca de 250 terem sido abatidos pelas IDF, relatam que os ataques israelitas nunca pararam na totalidade e que dezenas de civis foram mortos neste período já após a assinatura do acordo em Sharm El-Sheikh.

De acordo com o balanço oficial, desde 07 de Outubro de 2023, foram mortos 67.938 pessoas em Gaza por Israel, ficaram feridos 170.169, enquanto, durante o assalto do Hamas, foram mortas 1.139 pessoas e dezenas ficaram feridas em Israel, enquanto cerca de 200 foram levadas como reféns para Gaza.

Este conflito é já tragicamente histórico igualmente por outras razões, sendo o que viu mais jornalistas serem mortos em tão pouco tempo, perto de 250, mais pessoal de organizações humanitárias, morreram várias centenas, e há décadas que não se via a fome e a doença serem usadas como armas de guerra como acontece em Gaza nestes dois anos.

Estas as razões porque a justiça internacional considera estar em curso um genocídio, com vários países a terem o mesmo entendimento, havendo mandatos de captura em curso para Netanyhau e o seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant. Os líderes do Hamas igualmente abrangidos foram, entretanto, abatidos pelas IDF.