Foi a 07 de Outubro de 2023 que milhares de combatentes do Hamas e da Jihad Islâmica entraram no sul de Israel, deixando ali um rasto de morte, mais de mil mortos, que mereceu a forte e generalizada condenação global, mas deixando, ao mesmo tempo, uma brecha no prestígio do sistema de vigilância fronteiriça que Israel apelidava de inexpugnável.

A reacção israelita, com uma força militar raramente vista, como o Novo Jornal noticiava então, começou logo no dia seguinte sem que se pudesse antecipar, nesse 08 de Outubro de 2023, a catástrofe que estava a ser desenhada e que iria ser prolongada por pelo menos estes dois ensanguentados anos...

O segundo golpe foi dado na simpatia global pela causa judia pela forma desmesurada, igualmente condenada globalmente, como as Forças de Defesa de Israel (IDF) arrasaram, nestes dois anos que esta terça-feira, 07, se "comemoram", todo o território de 365 kms2 de Gaza, somando por esta altura, de acordo com as organizações humanitárias internacionais, mais de 70 mil mortos, 200 mil feridos e centenas de milhares à beira da morte pela fome e doenças oportunistas.

Tanto sofrimento e morte por quase nada, ou mesmo nada, se se considerar que o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau, que está sob forte suspeita no contexto da ousada invasão do Hamas e da Jihad Islâmica ao sul de Israel, colocou de forma clara três objectivos para a gigantesca operação militar punitiva sobre a Faixa de Gaza e ainda não cumpriu nenhum deles cabalmente.

Netanyhau, mesmo tendo as IDF acesso livre e ilimitado aos arsenais norte-americanos, desde as peças de artilharia com que há dois anos esmagam casa após casa, aos caças F-35, que despejam ininterruptamente misseis e bombas planadoras teleguiadas sobre as áreas densamente povoada de Gaza, não conseguiu nem (1)eliminar o Hamas, nem (2)libertar todos os reféns raptados a 07 de Outubro de 2023, nem (3)eliminar as ameaças sobre Israel a partir do território.

Território que o Hamas governa desde 2006, após ter sido eleito em eleições "normais" mas que aproveitou para não mais se expor à vontade popular, dominando os 365 kms2 e os seus mais de 2,2 milhões de habitantes na estreita e exígua faixa de terra encostada ao Mar Mediterrâneo Oriental, fazendo fronteira com o Egipto a sul, rodeado pelas antigas terras palestinianas ocupadas por Israel progressivamente desde 1948, quando o Estado hebraico foi criado.

Quando passam dois anos do ataque ao sul de Israel, que a justiça e a comunidade internacional (ver links em baixo) consideram ser um genocídio, e do início da invasão de larga escala das IDF a Gaza, com mais de 300 mil militares, milhares de carros de combate, peças de artilharia a perder de vista, como as imagens da altura mostraram, com a marinha a despejar bombas sobre as localidades costeiras e com a aviação, a mais moderna e poderosa de todo o Médio Oriente, a manter uma chuva constante de misseis e bombas sobre o território, eis que uma ténue luz da paz começa a surgir ao fundo do túnel.

Trump, "o pacificador" com olhos no Nobel da Paz

Com os olhos postos no desejado e assumidamente procurado Prémio Nobel da Paz, que será conhecido esta sexta-feira, 10, o Presidente dos EUA, Donald Trump, apesar de não esconder o apoio incondicional a Telavive, mantendo um fluxo ilimitado de armas e dinheiro para Israel, tem neste momento em cima da mesa um "plano de paz" que apresenta como à prova de rejeição de ambas as partes, tendo mesmo ameaçado o Hamas que se não o assinar, "será eliminado sem piedade".

Com as reticências de sempre, quase sempre em torno das condições para a libertação dos cerca de 20 reféns ainda em cativeiro em Gaza e da saída das IDF de Gaza, o Hamas tem, desta vez, provavelmente por não ter alternativa face à pressão dos Estados Unidos, mantido uma postura de abertura negocial e alguns analistas sublinham que nunca o fim das hostilidades esteve tão perto.

Ficou claro que o plano de Trump, com 20 pontos, foi concluído na última visita de Netanyhau a Washington, a 29 de Setembro, e que contém a fórmula que permite ao primeiro-ministro israelita poder, finalmente, dizer que o seu grande objectivo, que não conseguiu com a guerra, pode-se ser oferecido pela paz: o desarmamento do Hamas e a saída de Gaza dos seus membros e que Donald Trump definiu como "um dos mais belos momentos da civilização!".

Para já, ainda segundo Trump, o Hamas mostrou abertura para analisar, discutir e ver no plano de Trump uma saída para o conflito que deixou Gaza num monte de escombros, estando previsto que este movimento de resistência à ocupação israelita, visto no Ocidente como "terrorista", dê uma resposta até quinta-feira, 09...

Plano para dois... planos

Esse plano, que, além de poder mesmo garantir o Nobel da Paz a Donald Trump, pode acabar com o conflito em Gaza, prevê, nos seus pontos cruciais a "imediata libertação dos reféns" que ainda estão em Gaza, incluindo os corpos dos que já morreram, a "desmilitarização do Hamas", com amnistias para os seus membros, a abertura total das fronteiras para "o regresso da ajuda humanitária" em larga escala...

Está ainda plasmado nesta "escritura" que a Casa Branca vai gerir o território através de um "comité" composto por palestinianos de confiança e políticos internacionais escolhidos pelos EUA, sendo que a sua liderança será bicéfala, com Trump e o antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair, o homem de confiança de Washington, sendo que mais tarde, sem prazo definido, ocorrerá o regresso da Autoridade Palestiniana à região.

O plano não equaciona, no imediato, mas não exclui essa possibilidade, a criação do Estado palestiniano - apesar de Netanyhau já ter garantido que isso jamais ociorrerá -, na célebre fórmula aprovada pela ONU, e por mais de dois terços dos 193 países que a compõem, de "Dois Estados".

A moeda de troca para "amolecer" os palestinianos é a promessa de "um forte desenvolvimento de Gaza", tanto económico como social, o que é visto claramente como a recuperação da polémica visão do Presidente norte-americano de erguer um gigantesco "resort" sobre os escombros de Gaza.

Para garantir a segurança, este plano de Trump prevê a criação de uma "força internacional de paz", que terá como componentes principais os Estados árabes da região e do mundo islâmico e os EUA, que, numa evolução perfeita deste, desaguará na criação de uma força de polícia palestiniana equipada e treinada por e com meios internacionais.

Numa altura em que se aproxima velozmente o prazo para o Hamas se pronunciar sobre a proposta de Trump, quinta-feira, 09, e o anúncio do Nobel da Paz, no dia seguinte, ficando evidente que as duas coisas estão umbilicalmente ligadas, e depois de várias tentativas de "acordar a paz" no território, o mundo olha, de facto, para esta oportunidade como apetecível e, provavelmente, a derradeira.

É que o Presidente norte-americano já avisou que se o Hamas o impedir de ganhar o Nobel da Paz, usando a formulação "se não aceitar este plano", vai enfrentar uma "força inimaginável que garantirá a sua aniquilação total", naquilo que alguns analistas já usaram para ironizar que pode desaguar num cenário em que o Nobel da Paz é atribuído a quem garante a violência extrema se o não obtiver, fazendo da chantagem uma ferramenta de "jurisprudência" para se ser laureado pelo comité do Nobel.

Mesmo com as suas deficiências, sendo uma delas, como alguns analistas sublinham, não a reconversão do Hamas mas a sua eliminação inapelável, o que pode criar resistência interna e, daí, a criação de nova ou novas organizações de resistência, ou "terroristas" como as denominam no Ocidente, este plano está a ganhar tracção e apoio internacional, mesmo que se notem ainda algumas reticências israelitas que são vistas como estratégia para facilitar o acordo do Hamas fazendo Telavive também as suas cedências, mesmo que para constrangimentos criados artificialmente.

Se o Hamas ousar recusar...

Benjamin Netanyhau disse mesmo publicamente que se o Hamas rejeitar ou aceitar mas for criando imbróglios no percurso, "Israel vai terminar o serviço" que começou há dois anos, tendo recebido de Trump o seu "apoio total e inequívoco", sendo que uma e outra coisa nunca deixaram de ser tentada e garantida.

Face a estes desenvolvimentos, que acontecem em paralelo com os bombardeamentos ininterruptos de Israel sobre Gaza, embora com a operação lançada há semanas sobre a Cidade de Gaza, capital do território, parcialmente suspensa, o Secretário-Geral da ONU já veio pedir ao mundo que se una para que "ao fim de dois anos de tragédia se una ainda com mais urgência".

António Guterres, lembrando "o terror" do 07 de Outubro em Israel, pediu que as partes se empenhem numa solução solidamente viável que permita acabar com o conflito, a libertação dos reféns "incondicional e imediata" e que o cessar-fogo proposto por Donald Trump vingue para dar credibilidade ao processo de paz consubstanciado no plano de 20 pontos.