A esta posição da UA, de reforço da posição de todos aqueles que duvidam dos resultados anunciados após as eleições de 30 de Dezembro, pela Comissão Eleitoral Independente (CENI), que declarou vencedor provisório Félix Tshisekedi com mais de 38 % dos votos, relegando para 2º lugar Martin Fayulu, ligeiramente acima de 35 por cento, o Governo congolês veio dar uma resposta igualmente dura, sublinhando que nem a União Africana nem ninguém se pode intrometer no assunto.
Isto, porque, como enfatizou Lambert Mende, porta-voz do Governo de Joseph Kabila, o Tribunal Constitucional é independente do poder político.
"Nem nós - Governo - nem a União Africana podemos ter a veleidade de uma intromissão na decisão de um Tribunal que é autónomo", disse, acrescentando que "não compete nem ao Governo da RDC nem à UA dizer ao Constitucional o que deve ou não fazer".
Lambert Mende foi mais longe e questionou se haverá um país no mundo onde todos "pensam que se podem intrometer como na RDC face a um procedimento legal", garantindo que o Tribunal Constitucional "fará o necessário em nome da verdade e todos devemos confirmar na justiça".
A UA não confia
Mas o que Lambert Mende exige, a mais alta instituição africana mostra não estar disponível para ceder, sublinhando ter "sérias dúvidas" sobre os resultados anunciados após as eleições, tendo este sentimento sido reforçado depois de alguns media internacionais, como o Financial Times, terem divulgado análises aos dados recolhidos das máquinas de voto electrónico, que apontam para uma vitória esmagadora de Martin Fayulu, com mais de 60% dos votos.
Isto, depois de terem igualmente surgido sérios indícios de que Joseph Kabila e Félix Tshisekedi fizeram um acordo pós-eleitoral para partilhar o poder depois de ser claro que o candidato do regime, Ramazani Shadary, não tinha quaisquer possibilidades de ganhar e se a "fraude" fosse cometida em seu benefício, as suspeitas seriam ainda maiores e mais rapidamente denunciadas, aumentando o risco de contestação popular.
Até porque, logo após a eleição, a Conferência Episcopal do Congo (CENCO), que, no dia das eleições, colocou 40 mil observadores no terreno, deixou saber que Fayulu tinha conseguido uma folgada votação que lhe permitiria assumir o poder, embora o tenha feito através de fontes anónimas citadas pela imprensa internacional.
Oficialmente, a CENCO disse, todavia, que as suas contas apontam de forma evidente para a vitória de outro candidato que não Félix Tshisekedi.
UA envia missão de alto nível a Kinshasa
Face a este cenário, que começa a gerar inquietações nas chancelarias africanas e mundiais, até porque se sabe que a RDC nunca teve uma transição de poder pacífica na sua história de país independente que começou em 1960.
Como resposta a essas mesmas preocupações generalizadas, a União Africana, que é liderada pelo Chefe de Estado do vizinho Ruanda, Paul Kagame, conhecedor profundo e há décadas do imbróglio congolês, anunciou que vai enviar uma missão de alto nível a Kinshasa, exigindo que, entretanto, seja suspenso o processo de divulgação dos resultados definitivos.
Até porque se isso acontecer, com o actual cenário, onde as dúvidas e os indícios de fraude se amontoam, dificilmente deixaria de haver uma forte contestação popular caso a vitória de Tshisekedi se vier a confirmar "oficialmente".
Essa missão a Kinshasa será encabeçada pelo próprio Kagame e contará ainda com o presidente da Comissão Africana, Moussa Faki Mahamat.
União Africana contra SADC?
A posição dura assumida pela União Africana contrasta visivelmente com a que foi assumida pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), reunida igualmente em Adis Abeba, Etiópia, que recomendou calma aos actores políticos e pediu aos candidatos derrotados para aguardarem serenamente o resultado do recurso que deu entrada no Tribunal Constitucional.
Esta Cimeira da SADC contou com os lideres da denominada Dupla Troika, composta pelos lideres da SADC e do seu órgão de Política, Defesa e Segurança (OPDS), os Presidentes da Zâmbia, Edgar Lungu, e da Namíbia, Hage Geingob, respectivamente, bem como João Lourenço e o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, bem como representantes de cerca de uma dezena de países a diversos níveis.
A justificação para esta Cimeira de urgência foi, tal como a que esteve na génese da análise da UA e da sua Comissão executiva, a situação complexa que resultou da divulgação, pela Comissão Eleitoral Independente da RDC de Felix Tshisekedi, como vencedor provisório das eleições, relegando para a segunda posição Martin Fayulu.
Face a este cenário, e perante o claro perigo de um regresso à violência neste país, a Dupla Troyka da SADC esteve reunida na capital etíope para abordar este problema que aflige todo o continente africano, e o mundo.
Na comunicação emitida após a reunião de quinta-feira, a SADC lançou um apelo aos políticos congoleses para "manterem a paz até que o recurso - colocado por Fayulu - seja analisado pelo Tribunal Constitucional.
É ainda dito que a SADC pede ao povo congolês que "dê prioridade à paz em tudo aquilo que fizerem" no âmbito deste "day after" eleitoral na RDC.
"Manter a calma e agir de forma a consolidar a democracia e preservar a paz e colocar nas instituições próprias quaisquer divergências de forma a cumprir com o estipulado pela Constituição", clama ainda a SADC.
Esta organização regional da África Austral, da qual faz parte a RDC e mais 14 países, incluindo Angola, endereça ainda um pedido à comunidade internacional para que "respeite a soberania e a integridade territorial da RDC", bem como o respeito pela Constituição do país e o processo eleitoral em curso até ao fim.
À comunidade internacional foi ainda pedido para que apoie o Governo da RDC para que mantenha a paz e um ambiente pacífico evitando atitudes que possam colocar em perigo a normalidade constitucional da RDC, garantindo a continuação do apoio da organização no combate "às forças negativas" e grupos armados que desestabilizam oo Congo.