O até aqui motor da economia europeia está a gripar e a sociedade alemã começa a revoltar-se, como o demonstram as eleições regionais da Turíngia e na Saxónia, onde a extrema-direita nazi (AfD) e a extrema-esquerda (BSW), inequivocamente antiguerra, e totalmente contra o apoio de Berlim à Ucrânia, estão em crescimento fulgurante.

Face a este cenário, com o seu SPD (social-democrata) em queda livre tanto nas sondagens como nas eleições regionais sucessivas, Olaf Scholz cedeu e foi o primeiro dos gigantes europeus que apoiam Kiev a vir a público dizer que já chega.

Para isso, numa estranha formulação de palavras, o chanceler alemão, com um fácies preocupado e pouco à-vontade, como as imagens transmitidas dessa entrevista o demonstram, veio dizer que quer a Rússia na próxima conferência de paz e que a guerra tem de acabar num muito curto espaço de tempo.

Por detrás desta cedência, deixando para trás os tempos em que defendia, com a sua concidadã e presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (os três na foto), que a Rússia tinha de ser esmagada no campo de batalha, está a... realidade, ou, como dizia em tempos o antigo Presidente dos EUA, Bill Clinton, "é a economia, estúpido!".

O que, em termos simples, quer dizer que a economia alemã, altamente industrializada e dependente de energias fosseis, como o crude e o gás, tinha uma parte de leão da sua competitividade assente na importação destas matérias-primas a baixo custo da Rússia.

Depois, com o início da guerra, entre as sanções mais pesadas do Ocidente a Moscovo, estiveram as limitações às importações de crude e gás, o que obrigou Berlim a trocar as compras em saldo aos russos para passar a pagar a sua energia em valores de bens de luxo aos norte-americanos.

Para isso, foi também importante o famoso episódio da destruição do Nord Stream 2, o gasoduto de 11 mil milhões USD recentemente concluído e que ligava a Rússia e a Alemanha, como, de resto, o Presidente dos EUA, Joe Biden, disse que faria se Moscovo invadisse a Ucrânia.

De ceder sem pestanejar a exigir o fim da guerra

A tudo isto, a Alemanha, foi cedendo sem pestanejar, apesar das evidentes consequências desastrosas para a sua economia e concomitantemente, para a economia europeia no seu todo, estando agora Olaf Scholz a procurar uma forma de reverter as perdas sem perder a honra.

E, para isso, não encontrou melhor, que vir à TV estatal alemã dizer que quer que a Rússia seja autorizada a estar presente na próxima cimeira de paz para a Ucrânia, mesmo depois de há várias semanas, o próprio Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ter dito isso mesmo.

Só que este "acordar" alemão pode ser tardio, ou, pelo menos, acontecer com perdas catastróficas para Kiev, porque, depois de o Presidente russo ter colocado em cima da mesa, em Junho, uma proposta de paz que o Kremlin considerou "razoável", esta foi retirada e estar agora a ser eventualmente pensada com consequências ainda mais pesadas para os ucranianos.

Isto, porque é já uma evidência aceite nas chancelarias europeias de que a Ucrânia não apenas está a perder a guerra como essa derrota pode ser catastrófica se passar muito mais tempo até que o conflito transite das trincheiras para a mesa das negociações.

"Este é o momento para discutir como chegar à paz de forma mais rápida", disse Scholz à ZDF, o que não surge do vazio, apesar de tudo, porque logo depois dos desastrosos resultados eleitorais da Turíngia e na Saxónia, o Governo de Berlim anunciou uma redução de 50% nos apoios a Kiev.

O que é de extrema relevância porque a Alemanha é, de longe, o maior apoiante da Ucrânia, excluindo os Estados Unidos, sendo a ajuda actual de 8 mil milhões de euros por ano, além de centenas de blindados e sistemas de armas sofisticados entregues a Kiev.

E, ao que tudo indica, Scholz já avisou o Presidente ucraniano, que chegou ao fim o tempo da guerra e que, se Zelensky quiser continuar a contar com o apoio alemão, especialmente para o desgastante período da reconstrução pós-guerra, terá de desfazer a retórica pró-guerra e iniciar o processo tumultuoso de chegar à mesa das negociações com Moscovo.

Isto é ainda mais relevante quando se sabe que em Washington, desde logo, como as sondagens admitem, o ex-Presidente Donald Trump vencer as Presidências de 05 de Novembro, mas igualmente se a vencedora com a democrata Kamala Harris, porque os tempos do fulgor apoiante norte-americano ao esforço de guerra ucraniano tem os dias contados.

A viagem mais importante

Ora, embora ainda não exista uma data definida, sabe-se que Zelensky parte para mais uma viagem a Washington nos próximos dias, ou semanas, naquilo que todos os analistas admitem que será a mais importante de todas as que fez desde o início da invasão russa, a 24 de Fevereiro de 2022.

Kiev já anunciou que há quatro pontos destacados na agenda que Zelensky levará a Washington para um conversa densa com Joe Biden e a sua equipa.

E, entre estes, estará seguramente escutar do amigo americano quais os limites para as cedências a Moscovo que não belisquem muito a "honra" de Washington; que é, na verdade, a mais importante de todas as questões neste momento, embora não se possa ignorar que, para Zelensky, está ainda no topo das prioridades proteger o seu futuro num cenário de pós-conflito e ainda obter garantias para reconstruir o país depois de quase três anos de guerra.

E uma das condições mais substantivas pode ser a promessa de Scholz de apressar o processo de adesão da Ucrânia à União Europeia, apesar de aí ser quase certo que os vizinhos, Polónia, Roménia, Hungria, e os bálticos, embora sejam fortes defensores da sua entrada na NATO, mostrem sérias resistências a ter Kiev sentado à mesa do orçamento de Bruxelas.

Isto, sabendo-se, como Scholz deixa claro, que o tempo corre contra os amigos ocidentais de Kiev, porque, à medida que os russos ganham terreno no Donbass e no sul, as condições negociais alteraram-se e nunca a favor da Ucrânia, como se começa a notar mesmo nos media ocidentais que apoiam calorosamente os ucranianos.

Um dos pontos cruciais está a acontecer actualmente, com o avanço russo em profundidade na direcção de Pokrovsk, uma grande cidade de Donetsk, e que se cair nas mãos dos russos, a Ucrânia deixa de ter na sua posse um ponto nevrálgico da sua logística de guerra.

Como se isso fosse pouco, assim que Povrosk cair, a Rússia fica praticamente com a até aqui capacidade logística que era da Ucrânia e quase sem barreiras defensivas até ao Rio Dniepre, o que seria o descalabro para Kiev... e, como sublinham vários analistas, o colapso da resistência ucraniana.

O cenário é ainda mais tempestuoso para Kiev depois de ficar claro que a incursão em território russo, em Kuersk, foi um fracasso e todos os objectivos falharam, com centenas de veículos destruídos e baixas avultadas, na ordem dos milhares de homens da suas forças mais capazes.

Nem conseguiram tomar a central nuclear de Kursk nem os russos caíram no engodo de retirarem forças do Donbass para proteger Kursk, fragilizando a sua capacidade de avanço rumo a Pokrovsk.

Também este cenário estará em cima da mesa quando Zelensky se sentar com Joe Biden e a sua equipa, depois de Washington ter recusado, mais uma vez, embora desta feita de forma mais ruidosa, o uso pelos ucranianos dos seus misseis de longo alcance para atacar em profundidade o território russo.

O que, a somar às declarações de Scholz, deixa Volodymyr Zelensky com duas cargas pesadas para carregar: os alemães não querem mais guerra e os americanos estão a sair de cena à velocidade mais acelerada que conseguem de forma a evitar danos colaterais na política interna, onde tudo ficará decidido nas eleições de Novembro próximo.