A única certeza que existe é que a Ucrânia já perdeu, seja nas centenas de milhares de mortos e feridos, seja no vasto território anexado pela Rússia desde 2014, porque a fasquia foi elevada de tal forma nos últimos dias que até a mortandade nas trincheiras justificada pela defesa ou conquista de território, deixou de ter a relevância apropriada.
Depois da sucessão extraordinária de episódios, que podem ser revisitados aqui, esta quarta-feira soube-se que mais dois passos foram dados em Moscovo, o primeiro, cujos contornos ainda são desconhecidos, foi a ida a Washington de urgência da embaixadora norte-americana na Rússia, Lynne Tracy.
Embora não se saiba o que foi, com precisão, Lynne Tracy fazer a Washington, sabe-se que vai falar com o Presidente Joe Biden e com o secretário de Estado Antony Blinken, sobre a melindrosa, como raramente sucedeu na história recente, aposta russa em não deixar diluir a gravidade das recentes extraordinárias declarações do líder democrata na Câmara dos Representantes.
Hakeem Jeffries, o chefe dos democratas na "house", atreveu-se a dizer, numa entrevista à norte-americana CBS, que os Estados Unidos devem enviar forças militares para a Ucrânia como derradeira solução para impedir a vitória da Rússia no conflito.
E a resposta do Kremlin, embora num contexto mais alargado, que envolve a ameaça semelhante do Presidente francês, Emmanuel Macron, e a estranha autorização de David Cameron, o chefe da diplomacia britânica para que Kiev use as armas fornecidas por Londres para atacar a Rússia em profundidade, foi ordenar exercícios de prontidão dos seus sistemas de armas nucleares tácticas no sudoeste russo.
Não se sabe igualmente se a deslocação da diplomata americana ao seu país foi a pedido de Washington, se da própria, que sentiu essa urgência face às palpitações que sentiu em Moscovo, ou como "mensageira" de um recado para o Presidente Joe Biden, mas sabe-se que na bagagem levou uma forte preocupação com o aquecimento das relações entre a Federação e a NATO.
Segundo alguns analistas, a possibilidade que não pode ser ignorada é que essa mensagem não seja muito diferente daquilo que o antigo Presidente russo e actual vice do Conselho de Segurança Nacional da Rússia, Dmitri Medvedev, disse alto e bom som em público: "Os imbecis dos líderes ocidentais não têm noção da gravidade da situação que estão a criar".
Isto, porque cresce a convicção entre muitos analistas de que a Rússia não titubeará no uso de todos os seus recursos militares face ao risco de uma entrada de países da NATO neste conflito ucraniano.
Até porque isso mesmo foi dito, não aos norte-americanos, embora isso possa ter seguido no recado levado pela embaixadora americana, mas sim aos britânicos, e não por causa da ameça de envio de tropa do Reino Unido mas "apenas" da autorização do uso dos misseis Storm Shadow na profundidade do território russo.
O Kremlin respondeu ao ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, David Cameron, com a garantia de que se a Rússia for atacada no seu território com misseis de longo alcance britânicos, a resposta será devastadora sobre objectivos britânicos na Ucrânia ou noutro qualquer lado do mundo, incluindo no Reino Unido.
Apesar da incandescente gravidade deste contexto de ameaças recíprocas (ver links em baixo nesta página), o assunto tem sido tratado nos media ocidentais com uma estranha ligeireza, como se a Rússia não tivesse acabado de dizer que não hesitará em lançar, como possibilidade, um ataque contra Londres em caso de uso de armas britânicas pela Ucrânia nos territórios da Federação.
Tão grave e densa troca de ameaças pode estar dentro de uma moldura de sucessivos "blufes" de um e do outro lado, mas, mesmo sendo "bluff", a Rússia está obrigada a reagir, de forma a não perder a face, no caso de as palavras de David Cameron tiverem tradução literal na realidade.
Sobre a questão das palavras temerárias de Hakeem Jeffries, o líder democrata na Câmara dos Representantes, que é de maioria da oposição republicana, a Casa Branca reagiu com algum sobressalto a tão inauditas palavras, esclarecendo que não existe qualquer plano para enviar tropa para a Ucrânia.
Mas a mensagem que seguiu na bagagem da embaixadora americana em Moscovo para Joe Biden não tem forçosamente que ter esse enquadramento apenas, porque é sabido que o maior melindre reside no facto de um confronto com tropas de um país da NATO, sejam elas francesas, norte-americanas, polacas ou britânicas, é um confronto inevitável com aquela organização militar ocidental como um todo.
Entretanto, soube-se igualmente nas últimas horas, segundo fontes ucranianas citadas pelos media internacionais, que a secreta ucraniana desmontou um plano para assassinar o Presidente Volodymyr Zelensky, que estava a ser organizado por dois oficiais superiores das Forças Armadas da Ucrânia.
Esta notícia, cuja veracidade é de difícil confirmação, surge a escassos 12 dias do fim do mandato constitucional da Presidência de Zelensky, que não realizou eleições ao abrigo da Lei Marcial que vigora no país devido ao conflito com a Rússia, mas que, findo esse prazo, não deixará de retirar parte da sua legitimidade.
Alias, a Rússia colocou o seu nome esta semana na lista dos "Procurados", podendo isso significar que a protecção que lhe conferia o estatuto de Presidente, que levou o Kremlin a tornar público que não tentaria abatê-lo, pode vir a ser retirada já no dia 21 deste mês.
Se o alegado plano para assassinar Zelrensky estava a ser conduzido com conhecimento, ou até organização e financiamento de Moscovo, para ser executado após essa data, não se sabe, mas é uma possibilidade que vários analistas não afastam.
A outra possibilidade é que esse alegado "plot" seja consequência do desgaste entre as forças militares ucranianas com a guerra, e com a difícil situação na frente, onde é já evidente a superioridade russa e a iminente derrota ucraniana, apesar dos recentes anúncios de novos pacotes de ajuda em armas pelos aliados ocidentais de Kiev.