Pode parecer um exagero, e, provavelmente é, mas também é verdade que essa possibilidade não pode ser descartada de ânimo leve, até porque os dados estão aí para ser analisados e são públicos.
Há meses que o Presidente francês, Emmanuel Macron, ameaça a Rússia com o envio de tropas ocidentais, primeiro, e agora francesas, para a linha da frente da guerra na Ucrânia, de forma a garantir que Moscovo não ganha esta guerra.
E, nas últimas horas, alguns media internacionais e os canais nas redes sociais dedicados ao conflito ucraniano multiplicaram-se em informações, ainda por confirmar, sobre o envio de uma primeira companhia da Legião Estrangeira para o leste ucraniano (ver links em baixo nesta página).
A este movimento, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, optou por uma resposta de low profile, sublinhando apenas que o assunto está a ser acompanhado com cuidado, mas o ex-Presidente russo, Dmitri Medvedev, e nº2 do Conselho de Segurança da Rússia, já avisou que, a ser verdade, seria uma "decisão imbecil" que pode deslizar para um confronto nuclear.
Baixar a temperatura das "cabeças quentes" do Ocidente
Mesmo sem ter uma confirmação oficial, o Presidente russo ordenou a realização urgente de exercícios para testar a prontidão dos sistemas de armas nucleares tácticas localizados no sudoeste da Federação Russa, a região mais próxima da Europa Ocidental.
Quase ao mesmo tempo, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, legendou a decisão esclarecendo que é para "baixar a temperatura das cabeças quentes de alguns políticos ocidentais".
A temperatura já não era baixa, quando, do outro lado do Atlântico o líder democrata da Câmara dos Representantes, Hakeem Jeffries, lançou uma carga de lenha seca para a fogueira onde está a ser cozinhado o Armagedão nuclear, ao admitir que os EUA não podem deixar os russos vencer na Ucrânia.
E, se for preciso, acrescentou Hakeem Jeffries, um dos homens de confiança do Presidente norte-americano, Washington tem de enviar forças para o campo de batalha de forma a ajudar a Ucrânia a escorraçar os russos para fora do seu território, naquilo que é um totalmente insensato passo rumo ao precipício até porque tanto Putin como Joe Biden já balizaram o que está em causa.
E o que está em causa é simples e foi por ambos colocado desta forma logo no início da guerra na Ucrânia, após a invasão russa de 24 de Fevereiro de 2022: no dia em que forças norte-americanas ou da NATO trocarem fogo com a Federação Russa, nada poderá impedir uma escalada para uma devastadora guerra nuclear.
Mas o "melhor" ainda estava para vir, quando, na tarde desta segunda-feira, 06, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia avisou o Governo do Reino Unido de que interesses britânicos serão atacados na Ucrânia ou no exterior se os territórios russos forem alvejados por misseis de longo alcance fornecidos por Londres.
Isto foi dito num comunicado da diplomacia russa depois de David Cameron, antigo primeiro-ministro britânico e actual ministro dos Negócios Estrangeiros, ter anunciado publicamente que Londres autorizou oficialmente a Ucrânia a usar os seus misseis Storm Shadow para alvejar objectivos em todo o território da Federação Russa.
A demonstração cabal de que estão a ser galgados vários patamares de risco de uma confrontação entre a Rússia e a NATO está no facto de que, após esta subida de tom, alguns governos europeus tiveram a necessidade de vir a público meter um travão nesta escalada.
A Polónia, que é o mais vincado aliado da Ucrânia na Europa, veio dizer publicamente que não vai enviar militares para a Ucrânia, mesmo que defenda o fornecimento de armas a Kiev para se poder defender da agressão russa.
E da Itália, veio uma ainda mais veemente declaração, através do ministro da Defesa, no sentido de que alertar para o risco que está substanciado nas palavras de Macron e de Cameron.
Guido Crosetto acrescentou que uma escalada desta natureza não serve os interesses da Europa e garantiu que Roma não alinhará se algum país europeu enviar militares para a Ucrânia.
China e a paz à moda da Suíça
Entretanto, aquela que chegou a ser vista como uma verdadeira oportunidade de se conseguir um entendimento mínimo para iniciar um processo de negociações entre Kiev e Moscovo, mesmo que através de mediadores, acaba de ser desvitalizada tanto por russos como pela China.
Sobre a conferência de paz agendada para Junho na Suíça, proposta pelo Governo helvético, inicialmente com a intenção de Moscovo nela participar, foi perdendo tracção, primeiro pela forma como Kiev recusou a ideia de convidar a Rússia, e depois porque os russos consideraram não haver qualquer valia nesta iniciativa.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, já considerou que o encontro na Suíça "não é uma plataforma para a paz, é uma paródia sem sentido", porque, questiona, falta alguém explicar como é que se negoceia o fim de um conflito com apenas uma das partes.
Esta conferência foi igualmente desmantelada pela China, cujo Presidente, Xi Jinping, na visita que está a decorrer à França, apontou como condição mínima para que Pequim apoie uma conferência deste género ela ser reconhecida como válida por Kiev e por Moscovo.
Apesar de o Governo suíço ter conseguido convidar perto de 160 países para esta reunião, que terá lugar perto da cidade de Lucerna, a verdade é que esta tem perdido densidade e são cada vez as notícias que apontam para uma redução do nível da representação de grande parte dos países convidados devido à sua visível nulidade face à ausência de Moscovo.
E uma das razões de base para o insucesso garantido da iniciativa é que ela terá como referência o denominado "Plano Zelensky" que, no que importa, impõe como base negocial a saída dos russos de todos os territórios ocupados desde 2014, o que inclui a Crimeia, o que é um dos elementos da "paródia" sublinhada por Lavrov.
Putin mostra o ramo de oliveira e a espada
Porém, durante o discurso oficial da cerimónia de tomada de posse, o Presidente russo afirmou que a Rússia mantém disponibilidade para negociações com o Ocidente sobre a questão ucraniana.
Vladimir Putin sublinhou, contudo, que quaisquer negociações terão de acontecer com base em termos razoáveis para Moscovo e deixou claro, numa curta intervenção, que o Kremlin não fecha a porta a erguer relações positivas com a "maioria dos países do mundo".
Mas advertiu que o papel principal que lhe é atribuído é a defesa dos interesses da Rússia e da sua soberania, o que é um claro reparo ao facto de as cinco regiões anexadas na Ucrânia - Crimeira (2014), Zaporizhia, Kherson, Donetsk e Lugansk (2022) - serem parte inteira da Federação Russa.
Deixou ainda claro no seu estranhamente curto discurso que depende do Ocidente querer ou não estabelecer uma base de diálogo com Moscovo ou manter o insensato e infindável processo de agressão com vista a fragilizar a economia, o desenvolvimento e a soberania russas.
"Nós não recusamos dialogar com o Ocidente. A escolha é deles, se querem continuar a tentar reprimir o desenvolvimento russo com a actual política de agressão e pressão que dura há anos ou querem iniciar uma caminhada marcada pela cooperação e pela paz?", questionou o líder russo.
Vladimir Putin afirmou ainda que qualquer forma de cooperação com o Ocidente tem de incluir questões de segurança e estabilidade estratégica, e devem decorrer com "respeito mútuo e termos iguais" sem a "arrogância, preconceito e exclusividade pessoal" que marcam o ritmo da politica ocidental actual.
E avisa que, aconteça o que acontecer, Moscovo vai continuar a "erguer um mundo multipolar" com os seus parceiros euroasiáticos e outros centros soberanos de desenvolvimento, bem como "uma nova ordem mundial e um sistema de segurança baseado na igualdade"
Ao mesmo tempo sublinhou estar consciente de que as ameaças externas à estabilidade nacional exigem "flexibilidade e resistência" para lidar com os desafios e ameaças.