A recente criação do Município das Cacimbas, à luz da Lei n.º 14/24, de 5 de Setembro, que instituiu a nova Divisão Político-Administrativa do País, representou um marco relevante na aproximação dos serviços públicos às populações. O Município, anteriormente integrado na Comuna (sede) do Camucuio, passou a dispor de autonomia administrativa própria, permitindo um atendimento mais eficaz às necessidades locais. Contudo, esta separação administrativa não dissolveu a interdependência entre comunidades vizinhas, que continuam a partilhar actividades de sobrevivência e de desenvolvimento.
A criação do gado e a pastorícia são actividades estruturantes nestes municípios, levando famílias a partilhar zonas de pasto e fontes de água. A Lagoa do Mulovei, único manancial de água disponível permanentemente na região, tem sido o ponto de convergência inevitável, mas também o epicentro das disputas, sobretudo nos períodos de maior escassez. Ao longo dos anos, tensões acumuladas transformaram-se em conflitos dolorosos, com perda de vidas humanas e de bens, afectando a harmonia social e a confiança mútua entre comunidades que deveriam ser parceiras no desenvolvimento.
Importa sublinhar que o Governo Provincial tem acompanhado de perto esta situação. Durante este ano, já foram registados momentos de grande tensão que motivaram a realização de vários encontros pontuais, com a participação de Vice-Governadores, Administradores Municipais e representantes de todas as partes envolvidas. Desses encontros resultaram reflexões importantes, entre as quais se destacam:
• Sempre que, ciclicamente, há escassez de água, os criadores das comunidades do Camucuio e das Cacimbas conduzem o seu gado à Lagoa do Mulovei, único lugar disponível para o abeberamento dos animais;
• Persiste um conflito entre as comunidades Kuvale do Camucuio e Nhaneca das Cacimbas, motivado pela partilha dessa lagoa;
• Este conflito tem causado vítimas e perdas de haveres, incluindo residências de cidadãos.
Estes registos demonstram que a preocupação do Governo Provincial não nasce apenas do trágico episódio recente. Há um acompanhamento permanente, que combina soluções estruturais com mecanismos de pacificação.
No plano estrutural, está em execução um programa de grande alcance: a reabilitação de 43 represas e a construção de 6 novas barragens, obras já iniciadas com o lançamento da primeira pedra. Conforme amplamente noticiado, estes investimentos visam reduzir significativamente a transumância, evitar que famílias e pastores percorram longas distâncias em busca de água e diminuir, assim, o risco de disputas. A água, fonte de vida, deve ser também fonte de paz, segurança e harmonia comunitária.
No plano social, o Governo Provincial convocou um Encontro de Alto Nível, realizado nesta segunda-feira, 18 de Agosto, no Município da Bibala, com a participação de Autoridades Tradicionais, criadores de gado, representantes da sociedade civil e administrações municipais. O objectivo foi criar pontes de entendimento, promover compromissos sólidos e estabelecer mecanismos permanentes de diálogo entre as comunidades, superando diferenças e assegurando uma paz duradoura.
Do encontro resultaram importantes conclusões:
• Os Órgãos de Defesa e Segurança, as Administrações Municipais e membros responsáveis da comunidade devem garantir, com urgência, a segurança e a estabilidade na região, com incidência particular nas zonas de conflito;
• A gestão da represa do Mulovei não deve ser atribuída a uma comunidade em particular, permanecendo como recurso natural ao serviço de todas as populações;
• Encontros regulares entre as partes devem ser dinamizados e privilegiado o diálogo como instrumento para a eliminação de conflitos semelhantes;
• Deve ser reforçada a presença e a actuação dos serviços de justiça junto das comunidades, com prioridade para a resolução de litígios relacionados com terras e o combate ao roubo de gado;
• Deve ser instituído um grupo funcional de carácter multiétnico, liderado pelas autoridades tradicionais de ambas as partes, responsável por acções de sensibilização comunitária e promoção da convivência pacífica e harmoniosa entre os diferentes povos.
É convicção do Governo Provincial do Namibe que os valores, usos e costumes das comunidades Kuvale, Nhaneca e Mukwando são suficientemente fortes para se sobreporem a qualquer tentativa de divisão. Ao longo dos anos, estas comunidades desempenharam um papel crucial no processo de paz e reconciliação nacional, mostrando que a diversidade cultural é uma riqueza, e não um obstáculo. É com base nesses valores que acreditamos ser possível transformar a convivência em cooperação e os momentos de conflito em oportunidades de aprendizagem e de fortalecimento da unidade.
Reiteramos o nosso compromisso de continuar a trabalhar lado a lado com as comunidades, para que o Namibe permaneça uma terra de paz e convivência harmoniosa, acelerando o progresso e o desenvolvimento. Os investimentos em infra-estruturas hídricas e o reforço da coesão social não são apenas respostas a incidentes isolados, mas parte de uma visão mais ampla, de futuro, em que cada cidadão encontra dignidade, segurança e oportunidade no seio da sua comunidade. A construção da paz não é apenas uma tarefa política; é um dever moral de todos nós, governantes e governados, unidos pelo desejo comum de um Namibe melhor e de uma Angola para todos os angolanos.
*Governador Provincial do Namibe