O chefe do regime ucraniano quer que o seu país seja convidado formalmente e ainda em 2024 a aderir à NATO, a organização militar atlântica criada em 1949 para conter o avanço soviético na Europa ocidental, num claro desafio ao Kremlin que pode sair pela culatra.

É que, se o desafio parece ser dirigido à Federação Russa, na verdade, como vários analistas sublinham, pode transformar-se rapidamente numa armadilha para os seus aliados ocidentais, especialmente os Estados Unidos, porque poderá obrigar Washington a recusar o pedido.

E se tal acontecer, uma recusa directa para o convite ou um silêncio ruidoso sobre o assunto, não fragilizará apenas Kiev, dará uma informação clara a Moscovo de que os EUA, lideres incontestados da NATO, e a própria organização, estão sem soluções para este imbróglio.

Sem soluções e sem vontade de manter as costas da Ucrânia protegidas neste jogo perigoso de xadrez que está a ser conduzido agora por Zelensky, quando se sabe que, na frente de guerra, a Ucrânia está à beira do colapso face à esmagadora superioridade russa.

Alias, essa iminência do soçobrar perante o avanço das unidades de combate russas, sob o chapéu protector da aviação e com as super-bombas guiadas de 1500 e 3000 kgs a abrir caminho, é que, muito provavelmente, levou o Presidente ucraniano a este passo desesperado.

Passo esse que consiste em encostar os seus aliados europeus e norte-americanos à parede com o pedido formal de convite para aderir à NATO, sabendo que isso os coloca cara a cara com a obrigação de escolher a melhor saída entre a frigideira de óleo a ferver e as chamas.

E tal opção de elevado risco é agora assumida por Volodymyr Zelensky porque este se encontra igualmente num beco sem saída, com a iminente derrota militar na guerra com a Rússia pela frente e a tapar o caminho de fuga pela rectaguarda a "traição" dos aliados que lhe fecharam a torneira do fornecimento ilimitado de armamento e dinheiro.

E ainda porque, apesar de estar à beira do abismo, ainda tem na mão o "Ás" de trunfo, que é vir a público, coisa que só fará em última instância, lembrar que em Março de 2022, dias depois do início da invasão, o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, foi a Kiev abalroar as negociações de paz com o Kremlin.

E que nesse momento, Jonhnson, com respaldo de EUA e União Europeia, obrigou os ucranianos a rasgar um documento preliminar de acordo de paz com a Rússia, garantindo-lhes apoio militar e financeiro ilimitado e até onde fosse preciso para derrotar Moscovo no campo de batalha.

Esse compromisso levou Kiev a sair das negociações de paz de Istambul, reavivando a guerra com um fluxo gigantesco de armas ocidentais e dinheiro aos biliões, enviando ao mesmo tempo quase meio milhão de cidadãos ucranianos para a morte na linha da frente...

Perante este intrincado contexto, a inexistência de capacidade de resistência, a falta de um mínimo de sistemas de defesa antiaérea, de artilharia e munições e com a recusa de cada vez mais ucranianos a ir para a guerra, Zelensky viu-se já esta semana obrigado a cometer a pior das traições aos homens e mulheres nas trincheiras.

Traição essa que passou por retirar da proposta de lei, agora aprovada no Parlamento, de mobilização de até 500 mil novos recrutas, a alínea que permitia a quem já tivesse 36 meses de serviço militar regressar a casa, deixando para trás o vasto matadouro em que se transformou o leste ucraniano.

61 mil milhões de... coisa nenhuma

Em pano de fundo a este beco sem saída fácil para Zelensky e as chefias militares ucranianas, está o congelamento na Câmara dos Representantes do Congresso norte-americano de um pacote de ajuda a Kiev do Presidente Joe Biden no valor de 61 mil milhões USD.

Há largos meses, praticamente deste o Verão de 2023, que os EUA deixaram de enviar novas remessas de armas para Kiev, com pequenas parcelas avulsas pelo meio, porque a Câmara dos Representantes passou a ser de maioria republicana, a oposição ao democrata Joe Biden.

Com esta nova remessa de ajuda bloqueada, e com a acelerada deterioração da situação na Ucrânia, onde a Rússia ganha terreno diariamente, o líder da câmara baixa do Congresso, o republicano Mike Johnson, segundo The Guardian, procura com Joe Biden encontrar uma solução que muitos analistas consideram ser de extrema dificuldade.

Isto, porque com as eleições Presidenciais de 05 de Novembro a aproximarem-se rapidamente, e com Joe Biden acossado pelo republicano Donald Trump, que segue na frente das sondagens, cavalgando a ideia de travar o apoio a Kiev e acabar com a guerra, dificilmente a maioria da oposição na Câmara dos Representantes dará luz verde ao pacote de apoio proposto pela Casa Branca.

Isso mesmo surge reflectido em quase todos os media internacionais, que avançam que Mike Johnson, o líder republicano no Congresso, está em negociações intensas com a Administração democrata de Joe Biden para desenhar uma solução para largos meses de inércia.

Aparentemente, a saída parece estar na concessão dos democratas nas exigências republicanas, como, por exemplo, na questão do fecho da fronteira com o México ao fluxo migratório da América Latina, embora isso não seja garantia de nada, até porque, como sublinham, quase me uníssono, os repórteres que acompanham o Congresso, a linha dura republicana fiel a Donald Trump mantém o finca pé na recusa de quaisquer apoios a Kiev.

A situação é de tal modo crítica que alguns membros do Partido Republicano já ameaçaram Mike Johnson com a sua destituição de líder da Câmara dos Representantes se insistir num acordo com os democratas que leve ao envio do pacote de apoio para a Ucrânia.

Numa derradeira tentativa para abrir caminho a uma solução, até porque é já comummente aceite nos corredores da política norte-americana que, sem o rápido envio dos 61 mil milhões USD em material militar para Kiev, o desfecho da guerra está traçado e isso é o mesmo que dizer que a Rússia sairá vitoriosa deste conflito, Mike Jonhson foi esta sexta-feira, 12, encontrar-se com Donald Trump na sua casa da Florida.

Sabendo-se que Donald Trump tem como uma das suas mais tonitruantes promessas de campanha, no que toca à política externa dos EUA, acabar com a guerra nos primeiros dias do seu regresso à Casa Branca, e que a aprovação do pacote de ajuda milionário para Kiev no Congresso vai alimentar a continuidade do conflito, que tipo de solução pode ser encontrada que permita satisfazer Trump e Biden?

Só um golpe de génio pode romper este impasse... e, para já, não é visível que tal possa emergir do caldeirão político actual dos EUA, onde domina claramente o tacticismo eleitoral face às eleições Presidenciais de Novembro.

Entretanto, em Moscovo...

O Presidente russo, Vladimir Putin, durante um encontro com o seu aliado bielorusso, Alexandr Lukashenko, e quando alguns analistas antecipam que a Rússia se prepara para uma grande ofensiva da Primavera na frente de guerra, aproveitou para explicar que a recente vaga de ataques às infra-estruturas como retaliação pelos ataques ucranianos às refinarias russas.

Todavia, esta explicação será uma nuvem de fumo para esconder a verdadeira razão, pelo menos em parte, porque a destruição dos sistemas de distribuição de energia são, no essencial, uma forma de dificultar as movimentações de tropas e a produção industrial ucraniana, o que indicia a preparação de alguma acção militar russa de grande envergadura.

Nesta conversa com Lukashenko, Putin também abordou a questão da Cimeira de Paz marcada para a Suíça, no mês de Junho, afirmando que realizar um evento deste género sem a presença da Rússia "seria para rir se não fosse um assunto tão sério e triste".

Nesta Cimeira, onde deverão estar dezenas de países, por exigência de Kiev, a referência será, se não houver alterações, o Plano de Paz de Zelensky, que, em síntese, impõe a saída das forças russas de todo o território ucraniano tal como era em 1991, quando o país deixou a União Soviética.

Tal pressuposto só seria possível se Putin largasse mão das províncias que integrou na Rússia, após referendos, em 2022, Kherson, Zaporizhia, Lugansk e Donetsk, e a Crimeia, já em 2014, o que já disse que nem sequer admite falar dessa possibilidade com quem quer que seja, o que faz com que a Cimeira suíça, moldada pelo Plano Zelensky, esteja condenada ao fracasso e seja, como lembrou Sergei Lavrov, o chefe da diplomacia russa, "uma pura perda de tempo".

A Rússia não foi convidada, embora o Governo helvético tenha dito que gostaria de contra. No futuro, com a participação de Moscovo, o que levou Putin a ridicularizar este encontro marcado para Genebra: "Não pode haver paz sem o nosso acordo mas eles acham que nós não temos nada que estar nessa cimeira".

"Se não fosse triste, dava para rir", apontou Putin, citado pelos media russos. O chefe do Kremlin aproveitou ainda para reafirmar que Moscovo nunca se negou a negociações como fórmula preferencial para resolver diferendos.

Aproveitou ainda para lembrar que o actual contexto da guerra, da devastação por ela causa, teria sido evitada se os ocidentais não tivessem boicotado as negociações entre Kiev e Moscovo poucos dias após a invasão, em Março de 2022.

"Nós sempre preferimos negociações à guerra, mas os ocidentais impuseram a Kiev que deitasse o acordo que estava a ser elaborado em Istambul para o caixote do lixo", disse putin, citado pelos vários media russos, incluindo a TASS.

Zelensky sabe que está a perder a guerra

O Presidente da Ucrânia já não esconde que está a perder a guerra e que isso é resultado directo de estar a ser abandonado elos seus aliados ocidentais que inicialmente lhe prometeram tudo e durante o tempo que fosse preciso para derrotar a Rússia.

Na última semana, Volodymyr Zelensky tem, com poucas nuances, insistido nos seus vídeos quase diários no tema da falta de armas para poder resistir aos avanços russos, especificamente sistemas de defesa antiaérea e unidades de artilharia.

E, na sua mais recente aparição, que já não gera a comoção geral no ocidente como noutros tempos deste conflito, que caminha para o seu terceiro ano, o líder do regime ucraniano garante que se os amigos americanos lhe derem as armas que estão em dívida, ganha a guerra.

Com avanços robustos diários, as forças russas estão a integrar nos seus domínios cada vez mais cidades importantes do leste da Ucrânia, que, ressalve-se, para os russos são já áreas do seu território porque se trata de províncias anexadas no ano passado.

Com efeito, os grandes avanços russos estão a ser registados nas regiões de Donetsk e Zaporizhia, que foram anexadas, após referendos que a comunidade internacional não reconheceu nem reconhece, e que continuam parcialmente "ocupadas" pelas forças de Kiev.

No entanto, como a maioria dos analistas já admite, incluindo os ocidentais, até ao Verão as forças do Kremlin poderão estar já na posse da totalidade dos territórios destas duas províncias e com a de Kherson em vias de levar o mesmo caminho.