Mauritânia, Mali, Guiné-Conacri, Guiné-Bissau e Gâmbia são os cinco países que circundam o Senegal com as suas fronteiras de instabilidade e subversão da norma constitucional, quase sempre através de golpes militares, como sucedeu no Mali, em 2020, e na Guiné-Conacri (2021), mas também com ramificações às forças armadas na Gâmbia (2016 e 2022), na Guiné-Bissau (onde a turbulência é permanente) ou na Mauritânia, este último já no ano de 2008.

Só o Senegal, nesta vasta região, onde se destacam ainda os golpes militares no Burquina Faso e no Níger, entre 2021 e 2022, resiste à vaga de instabilidade, sendo que, pelo menos nos casos do Mali, Burquina, Níger e Guiné-Conacri, a génese da turbulência é uma vaga contra a França, a antiga potência colonial destes quatro países, e ainda no Gabão, em 2023, já na África Central.

E esse dado é uma acha para esta fogueira porque o Senegal, com a sua estabilidade governativa desde a independência, em 1960, mesmo no regime de partido único entre 1965 e 1975, sob o Governo de Léopold Sédar Senghor, o primeiro Presidente do país e assumidamente francófono, tem uma importância estratégica para os interesses de Paris na região e é um dos seus últimos baluartes na denominada "FranceAfrique", geografia delimitada pelas antigas colónias francesas da África Ocidental e nem sempre empregue de forma positiva.

A situação actual do Senegal compreende todos os ingredientes para que uma alteração à ordem constitucional que o país vive há décadas surja, pela via popular ou através de uma acção das chefias militares de forma a evitar o caos no país.

Isto, porque o actual Presidente, Macky Sall, eleito em 2012, acaba de ver o Parlamento aprovar o seu decreto para adiar as eleições gerais de 25 de Fevereiro para 15 de Dezembro deste ano de 2024, protelando a escolha de um novo Presidente quase nove meses depois da extinção do prazo constitucional da vigência do seu segundo e último mandato permitido, que termina a 02 de Abril.

Este adiamento das eleições surge depois de há meses Sall ter tentado promover um processo de alteração constitucional, sob a forma de prospecção, para lhe permitir um 3º mandato, o que gerou fortes protestos populares, os mais violentos de sempre, com dezenas de mortos e feridos graves.

A justificação presente é que alguns dos candidatos viram os seus processos de candidatura desqualificados por razões de ordem burocrática, como sucedeu com Ousmane Sonko ou Karim Wade, o filho do antigo Presidente Abdoulaye Wade, que as autoridades desconfiam que não abdicou da sua dupla cidadania franco-senegalesa, que resulta de a sua mãe ser cidadã francesa.

Karim Wade acusou os juízes do Conselho de Candidaturas de terem sido subornados para o impedir de se candidatar e exigiu o adiamento das eleições para clarificar a situação da sua única condição de cidadão senegalês, o que Macky Sall usou como um dos argumentos para adiar as eleições, escassas horas antes de ter início a campanha eleitoral para a ida às urgas a 25 de Fevereiro.

Face a este cenário, com o povo nas ruas, um risco de explosão social fruto da tensão nas ruas, ao qual se junta a solidez das forças políticas forjada em décadas de democracia e estabilidade, além de uma sociedade civil das mais qualificadas do continente graças à qualidade do ensino no país, claramente no topo da realidade universitária africana, os militares podem ser tentados a tomar o poder transitoriamente para num prazo curto promover a retoma da normalidade democrática claramente descarnada pela acção de Macky Sall, que contrasta totalmente com o histórico do país nesse capítulo.

E a pressão sufocante da França, que já veio exigir que o país realize eleições rapidamente, dos EUA e da União Europeia, além das críticas da União Africana ou da Comunidade de Países da África Ocidental (CEDEAO), que seguem o mesmo diapasão, podem constituir um leit motiv acrescido para uma intervenção militar de restauração da ordem constitucional.

O que faz acreditar nessa possibilidade é que a tradição militar no Senegal é profundamente republicana e foram as Forças Amadas deste país que estiveram na linha da frente da imposição do recuo de alguns movimentos políticos antidemocráticos e geradores de instabilidade, como sucedeu com a Gâmbia, em 2016, obrigando o então Presidente Yaya Jammeh a recuar e a aceitar a vitória do seu adversário.

Por saber fica, para já, se existe alguma força externa a procurar alastrar a maré anti-França da antiga "FranceAfrique" para o Senegal, fomentada por russos ou chineses, embora essa possibilidade seja remota visto que Dacar tem, historicamente, uma ligação sólida a Paris e a Washington e é uma geografia de importância estratégica única para franceses e norte-americanos.

Para os tempos que correm, onde as autoridades senegalesas estão com as suas forças de segurança fortemente armadas nas grandes cidades do país, Dacar, Ziguinchor, no sul, e Saint Louis, no norte, com as emissões de rádio e televisão controladas e com a internet vigiada e manietada, vai ser decisivo perceber a vontade popular de resistir a uma eventual evolução política para a autocracia e se o Exército se vai conter de forma a não avançar sobre as instituições do Estado, substituindo-as temporariamente.

Aconteça o que acontecer, o Senegal deixou de ter a autoridade de democracia sólida para servir de exemplo ao continente africano. E isso pode set o principio do fim do sonho do poeta, político e professor universitário, o primeiro Presidente do Senegal Léopold Sédar Senghor, uma das grandes figuras das independências africanas da década de 1960 e que desejava que o seu país servisse de farol para a construção de uma África negra com horizontes universalistas com o seu desenvolvimento assente na equidade social e na boa governança.