Enquanto os cessar-fogo combinados e aceites pelas partes se sucedem e falham um atrás do outro, como o que esta semana trouxe renovada esperança para as martirizadas populações civis depois da intervenção dos Estados Unidos e da Arábia Saudita, que devia entrar em vigos na segunda-feira e foi de imediato reduzido quase a cinzas pelos disparos de artilharia de um e do outro lado, centenas de milhares de pessoas procuram refugio nos países vizinhos, como o Chade, onde as condições de acolhimento são escassas ou inexistentes.
É uma tragédia humanitária que se está a erguer aos olhos da comunidade internacional, e não apenas entre as milhares de famílias que procuram refúgio no Chade, onde encontram pouco ou nada a não ser a ausência de tudo, desde abrigo, alimentação ou cuidados de saúde básicos, sendo igualmente desastrosa a condições dos igualmente milhares que deambulam pelas estradas do país em busca de refúgio face ao multiplicar dos locais de combates, como é o caso da região do Darfur.
Quando as forças leais aos dois mais importantes generais sudaneses se desentenderam, o país rapidamente entrou num vendaval de violência e morte inaudito, com centenas de mortos espalhados pelas ruas de Cartum, ao que correspondeu uma fuga em massa de estrangeiros, incluindo diplomatas, deixando um dos pais importantes países africanos pela sua geografia à beira da destruição.
Tudo começou quando o general Abdel al-Burhan, que comanda o Exército regular, enquanto líder do Conselho Soberano, junta militar que gere o processo de transição após os golpes, primeiro em 2019, que levou ao fim da ditadura de Omar al-Bashir, e depois em 2021, que serviu para fazer um "reset" ao caminho para as eleições democráticas, e o general Mohamed Hamdane Daglo, que lidera as denominadas Forças de Reacção Rápida (RSF, sigla em inglês), não se entenderam e iniciaram confrontos de grande envergadura, com recurso a artilharia pesada e a aviões de guerra.
Em causa, está, oficialmente, o formato da integração das RSF na estrutura oficial das Forças Armadas do Sudão, oficiosamente, a disputa destes dois homens pelas riquezas do subsolo sudanês, desconfiando-se ainda de interferências externas por causa de um acordo com a Rússia para a criação de uma base naval em Porto Sudão, cidade costeira no Mar Vermelho, no corredor de acesso directo ao Canal do Suez. (ver links em baixo nesta página).
Depois da intervenção de norte-americanos e sauditas, que levaram delegações dos dois lados das barricadas à cidade de Jedá, na costa saudita do Mar Vermelho, para conversações, conseguindo um acordo para um cessar-fogo que deveria ter começado esta segunda-feira, 22, chegou-se a pensar que estavam reunidas as condições para, pelo menos, reduzir o sofrimento dos milhões de sudaneses que foram apanhados entre fogos.
Rapidamente se percebeu que, apesar de algumas horas de alívio, o cessar-fogo não iria vingar e a catástrofe humanitária em curso voltou a reemergir frente aos olhos do mundo, com centenas de milhares de deslocados internos e refugiados em países vizinhos, como o Chade, onde a situação está a gerar mais preocupações, mas também no Sudão do Sul, Etiópia, Eritreia ou Egipto.
A União Africana, através da Comissão Africana, já lançou um veemente apelo à boa-vontade das partes em conflito para evitar uma nova catástrofe humanitária em África com muitos milhares de famílias a fugirem para os países vizinhos à medida que passa o tempo e diminui a perspectiva de um fim para o conflito interno que ganhou dimensão de guerra civil a 15 de Abril.
Segundo as agências das Nações Unidas e a Cruz vermelha Internacional, o volume de pessoas, maioritariamente mulheres e crianças, que chegam ao Chade e ao Sudão do Sul, é muito superior ao da ajuda humanitária que está a ser enviada para estes locais mais dramáticos.
Para piorar esta situação, o grosso dos refugiados sudaneses está a evoluir para que atinja um pico com a chegada da época das chuvas, o que vai criar ainda mais problemas, com risco de doenças como a cólera ou a malária a crescerem exponencialmente.
Estes organismos admitem que se está numa corrida contra o tempo para evitar uma tragédia de grandes dimensões, que pode superar a recente ocorrida na Etiópia, aquando da guerra entre as forças do Governo de Adis Abeba e os rebeldes de Tigray.
Os relatos mais recentes feitos pelos jornalistas no terreno e pelos médicos e membros de ONG"s locais e internacionais apontam para uma situação de catástrofe humanitária das maiores que África assistiu nos últimos anos.
Com as tentativas de cessar-fogo a falharem umas atrás das outras, Luanda volta a ser palco de mais uma ajuda para procurar uma solução, estando previsto um encontro internacional na próxima semana, organizado pelo Presidente João Lourenço, embora sejam ainda escassas as informações sobre quem e a que nível será este encontro.
Mas sabe-se que o risco de uma nova tragédia de grandes dimensões no continente leva a que nenhum esforço aparece a mais porque são milhares de vidas que estão em causa e a capital angolana já vai tendo um histórico de sucesso nestas tentativas, como aconteceu no leste da RDC e o ressurgimento dos rebeldes do M23 e a crise entre Kinshasa e Kigali (Ruanda), para o qual o contributo de João Lourenço foi decisivo para levar as partes a um entendimento que, com mais ou menor custo, vai fazendo caminho (ver links em baixo nesta página).