Depois de milhares de mortos e feridos, milhões de deslocados, internos e para o vizinho Chade, o Sudão volta às páginas dos sites de todo o mundo devido à evolução do conflito na capital, com as RSF, lideradas pelo general Hamdan Dagalo (Hemedti) a serem desalojados de posições estratégicas pelas forças leais ao general Fattah al-Burhan.
Desde os primeiros meses deste conflito (ver links em baixo), que teve início em Abril de 2023, tanto as forças leais ao Governo de Cartum, as Forças Armadas do Sudão (SAF), como as RSF, ocuparam várias áreas de Cartum, que, agora, ao que tudo indica, começa a ser dominada por al-Burhan.
O mundo que ainda dava alguma importância ao que se passa no Sudão, que mereceu, há duas semanas, uma referência especial no discurso do Presidente angolano, João Lourenço, aquando da sua tomada de posse como líder da União Africana em exercício, foi surpreendido com a tomada do Palácio Presidencial pelas SAF.
E esse momento foi, afinal, apenas o início do que agora é evidente que se trata de uma acção programada de "libertação" da capital, com as SAF a avançarem para as pontes que atravessam o Nilo e, já nas últimas horas, desta quarta-feira, 26, o aeroporto da cidade.
No xadrez da geoestratégia, estes avanços das forças governamentais sobre as posições da RSF assumem particular relevância porque, embora se trate de um cenário complexo e de leitura intrincada, porque, por exemplo, se a Rússia mantém relações diplomáticas sólidas com al-Burhan, aparentemente estava a jogar em dois tabuleiros porque os antigos Wagner estavam ao lado de Hemedti.
E os EUA, que têm uma forte presença no Sudão e são o maior doador de Cartum na área humanitária, aplicaram nos últimos tempos severas sanções ao Presidente do Sudão, o general al-Burhan.
Pelo meio, começa a emergir a possibilidade, já assumida por alguns analistas, que a aproximação entre Washington e Moscovo após o regresso de Donald Trump à Casa Branca se traduz também em possíveis entendimentos, como "fechar os olhos", em outras áreas do mundo além da Ucrânia, e a diluição da presença das RSF no Sudão pode ser já fruto dessa nova realidade.
É que é conhecido que a Rússia tem em campo uma forte ofensiva diplomática para a construção de uma base naval próximo de Port-Sudan, na costa do Mar Vermelho, e que essa permissão já foi mesmo dada, contra a até aqui posição dos EUA sob a Administração Biden mas, ao que tudo indica, com a benevolência de Washington sob comando de Donald Trump.
E esta ofensiva poderosa em Cartum, que mostra uma fragilidade inesperada das RSF, enquadra-se neste conjunto de interesses geoestratégicos que põem a Rússia com mais um pilar relevante no continente africano depois de já ter consolidado a sua presença no Burquina Faso, Mali e Níger, de onde ajudou os novos governos desses países, resultantes de golpes de Estado, a expulsar franceses e norte-americanos.
Alguns analistas apontam para a possibilidade de russos e americanos estarem agora mais próximos também em África, o que pode levar a um redesenhar do mapa de interesses no continente, onde, claramente a China não estará posta de parte mas a União Europeia começa a esvanecer-se.