Em Fevereiro deste ano, o matutino português, o Público, retomou um artigo do prestigiado The Washington Post, assinado pela jornalista Heather Kelly, enfatizando um alerta preocupante: "Se tem um filho com idade suficiente para utilizar as redes sociais, há muito com o que se preocupar."
No mês passado, Julho, saiu, pela editora Dom Quixote, o aclamado livro A Geração Ansiosa: Como a Grande Reconfiguração da Infância está a Provocar uma Epidemia de Doença Mental (adiante, A Geração Ansiosa), de Jonathan Haidt, o "psicólogo mais importante do mundo", segundo algumas revistas da especialidade. Nele, o autor explora centenas de estudos, não apenas da área da psicologia, mas também da sociologia, entre outras ciências sociais, para reforçar que a Geração Z, aquela que nasceu depois de 1995 e que vai até 2010, foi muitíssimo prejudicada por toda a evolução que os ecrãs, o acesso à Internet, às aplicações (como as de pornografia) e as redes sociais moldaram não só o cérebro, mas também o comportamento destes jovens.
O autor tem uma afirmação, cliché, que faz questão de repeti-la, nas entrevistas que dá, quantas vezes forem necessárias: "Não podemos ter crianças a crescer à frente de um ecrã". A Geração Ansiosa está disponível para o público de língua portuguesa e dissecamos linhas gerais do argumento de Jonathan Haidt, Professor de Liderança Ética na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque.
O índice do livro, A Geração Ansiosa, destaca sumários de vital importância, abrangendo temas como: a) O surgimento da infância baseado no telefone; b) O que as crianças precisam de fazer na infância; c) A puberdade e o bloqueio da transição para a idade adulta; d) Os quatro danos fundamentais: privação social, privação do sono, atenção fragmentada e dependência; e) O que os Governos e as empresas tecnológicas podem fazer. À guisa de conclusão: f) Tragam a infância de volta à terra.
"Este livro conta a história do que aconteceu à geração nascida depois de 1995, popularmente conhecida como Geração Z, sucedendo aos Millennials (nascida entre 1981 e 1995). Alguns profissionais de Marketing dizem que a Geração Z termina nas pessoas nascidas em 2010 e sugerem o nome de Geração Alfa para as crianças nascidas depois disso" dá nota.
O autor sugere que a crise de saúde mental da década de 2010 tem as suas raízes no crescente receio e superprotecção parental que se instalou na década de 1990. Mostra como os smartphones, combinados com esta protecção excessiva, funcionaram como "bloqueadores de experiências", dificultando o acesso das crianças e adolescentes às experiências sociais. Descreve como a infância centrada no telefone perturba o desenvolvimento da criança de múltiplas formas.
Além de estudos, como este de Jonathan Haidt, temos evidência a sobrar acerca do fenómeno. A comunicação social faz chamada de atenção, amiúde, para problemas relacionados à dependência das redes sociais e o consumo abusivo de conteúdos de tecnologia. A Amnistia Internacional alertou, recentemente, sobre conteúdos que "romantizam pensamentos depressivos e suicídios".
A CNN divulgou uma manchete com o título "TikTok está a tornar-se mais tóxico e viciante". A plataforma faz previsões para mostrar ao utilizador conteúdos mais "personalizados" no seu "feed For you" para que este continue a navegar de forma viciante, mesmo que os conteúdos sejam prejudiciais.
A SIC Notícias chegou a relatar os casos de menores dependentes de pornografia na internet. Em Portugal, por exemplo, 40% dos rapazes e 26% das raparigas entre os 9 e os 16 anos já foram expostos a conteúdos sexuais online. Acesso precoce a conteúdos pornográficos tem impacto no desenvolvimento. Casos de dependência aumentam entre os mais novos. A UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) alerta que o consumo precoce de pornografia pode criar dependência.
O Jornal de Angola cita um relatório da UNICEF lançado em Nova Iorque: "Apesar de ter sido projectada para adultos, a internet é cada vez mais utilizada por crianças e jovens." Presume-se, por outro lado, apurar como varia o consumo de tecnologia digital em Angola, no plano estatístico, e as implicações na vida quotidiana. Embora haja, entre nós, comunidades que enfrentam barreiras significativas no acesso e na utilização efectiva das tecnologias digitais.
Crianças já não largam o tablet à refeição. Restaurantes e cafés, em muitos países, começam a fornecer o aparelho: "assim não incomodam os pais". Disponibilizam tablets para os clientes, numa tentativa de manter as crianças ocupadas. No entanto, a medida é controversa. Psicólogos alertam para os riscos, como dificuldades sociais e problemas alimentares associados ao uso excessivo de ecrãs.
"A cultura electrónica da televisão, do vídeo, dos videojogos, DVD, da Internet, dos iPod e dos iPad, do MP3, dos telemóveis está a alterar a forma como trabalhamos, como nos relacionamos, como desfrutamos dos momentos de lazer, como entendemos o que nos rodeia. Tudo isso apela a uma cultura visual de consulta, de consumo, de envolvimento bastante mais instantânea, grupal, oral e aural do que a leitura individual, tradicional da era da escrita", sustenta Fernando Ilharco (Cf. Pós-Sociedade, 2014).
Vários estudos comprovam que o excesso de ecrãs causa dependência e prejudica de forma considerável o desenvolvimento infantil. Como resultado desses estudos, são conhecidos inúmeros sintomas claros de disfunção, transtornos, depressão e ansiedade. É preciso discernimento e cuidado em administrar tanta tecnologia em todas as fases da infância. E mesmo na idade adulta, devem-se observar cuidados. *Mestre em Linguística pela Universidade Agostinho Neto
A nova overdose: internet e redes sociais
No mundo actual, de conectividade quase omnipresente e acesso instantâneo à informação, os smartphones tornaram-se uma ferramenta indispensável. Todavia, por trás da conveniência e da conectividade que esses dispositivos oferecem, surge uma preocupação crescente: a dependência excessiva e os impactos negativos associados ao uso intensivo de telas (ou ecrãs, se preferirmos). À medida que mergulhamos cada vez mais na era digital, torna-se imperativo reflectir sobre os efeitos psicológicos dessa revolução tecnológica.