O continente tem conhecido um crescimento exponencial da sua população (projecta-se uma população na ordem de 2,5 bilhões em 2050). Cada vez há um número maior de jovens a frequentar universidades, mais africanos obtendo graus a nível de mestrados e doutoramento, se comparado ao período que antecedeu as independências, isso representa um grande salto. Porém, essas transformações não têm influenciado as mudanças necessárias para o desenvolvimento do continente, não têm significado mais produção alimentar, maior produção e disseminação de conhecimento e, essencialmente, melhores condições de vida para os cidadãos africanos. Então, o que é isso da transformação estrutural das economias de que tanto se fala ultimamente? Neste texto, pretendo reflectir sobre os factores impeditivos da transformação estrutural que proporciona, então, oportunidade de crescimento económico que, por sua vez, impacta a vida das pessoas. O relatório de McDermott refere vários factores impeditivos da transformação estrutural das economias africanas.

O primeiro factor impeditivo da transformação estrutural dessas economias é a fraca instrução dos seus cidadãos. A instrução massiva foi o precursor do crescimento e da descolagem em muitas partes do mundo. A leitura ajuda as pessoas a seguir as instruções numa fábrica ou num centro de atendimento. No entanto, embora as matrículas no ensino primário tenham aumentado na África Subsaariana nos últimos 25 anos, cerca de 60% dos jovens com idades dos 15 aos 17 anos não frequenta a escola. As taxas de literacia para os jovens dos 15 aos 24 anos situam-se em torno de 75% em toda a região, a média das outras regiões em desenvolvimento é de 90%. Não se pode pensar em transformações sem ter em conta, em primeiro lugar, o factor humano, que é o maior activo em tudo o que se pretende fazer. Em Angola, a situação não é diferente da que foi relatada para o universo africano. Há pouco anos, falava-se numa média de cerca de 4 milhões de crianças fora do sistema de ensino, o que, aliado a outros factores desestruturantes da instituição família, torna a educação das crianças, nos dias que correm, profundamente deficiente. No passado, o nível de instrução da pessoa podia ser baixo, mas eram pessoas educadas, sabiam como "ser e estar", ou seja, sabiam como deviam falar com uma pessoa mais velha, como deviam se comportar no seio de outros membros da sua comunidade. Não é o que se assiste hoje nas comunidades. No caso angolano, acrescenta-se o factor qualidade da instrução. Hoje, segundo um estudo do Banco Mundial (BM), nove anos de escolaridade em Angola correspondem a quatro anos ou até menos, se comparados com a Namíbia ou a África do Sul. Como consequência, 80% do emprego em Angola é informal e, por conseguinte, precário. Cidadãos educados e instruídos facilitam as acções de quem governa, pois não precisam de coerção para não violar normas ou invadir espaços de terceiros.

O segundo factor impeditivo indicado por McDermott é a instabilidade macro-económica persistente. Em ambiente de elevada dívida pública, elevadas taxas de inflação, crescimento económico negativo (recessão económica persistente), altas taxas de desemprego, inibem o investimento. Sem investimento não há crescimento económico. Quando uma economia destina quase metade da sua despesa para amortizar a dívida e o serviço da dívida, fica impossibilitada de investir em factores que reproduzem a economia, tais como a construção, modernização e manutenção de infra-estruturas básicas (centrais de abastecimento de água e electricidade, escolas, hospitais, investimento na produção e disseminação do conhecimento, etc.). Tal como o referi no passado, as altas taxas de inflação inibem a poupança, sem a qual os bancos não têm disponibilidade de meios monetários para conceder crédito aos empreendedores. As poucas poupanças são utilizadas para a aquisição de património imobiliário, animais, ou para serem trocadas por moeda forte (Dólares ou Euros) que conserva o valor do activo, para além de ser um factor inibidor do aumento do consumo e, consequentemente, da produção, ao corroer o poder de compra dos consumidores. Ademais, a instabilidade macro-económica afasta o investimento directo estrangeiro (IDE), que poderia contribuir para criação de novos empregos e aumentar a oferta de produtos e serviços na economia. Sem crescimento económico acima do crescimento populacional, agigantam-se os exércitos de mendigos que disputam migalhas nos tambores de lixo, que é o que se assiste em algumas vilas e cidades africanas.

Um terceiro factor impeditivo mencionado no relatório é a fragilidade das infra-estruturas. Os custos de transporte de produtos do campo para os grandes centros de consumo são altíssimos, o que retira a competitividade dos produtos, quando comparados a outras geografias. O encurtamento de distâncias através de estradas livres de buracos é um factor competitivo de grande importância, a existência de vias de comunicação entre as localidades geográficas internas e externas, é um elemento crucial para a tomada de decisão sobre a localização de grandes empreendimentos, geradores de emprego e produção massiva de bens. O inquérito realizado aos empreendedores africanos indicou que a falta ou as interrupções no fornecimento de electricidade foi referido com frequência, afigurando-se como um grande problema para o bom funcionamento das empresas. Fala-se que Angola caminha para um superávite na produção de electricidade, tendo, efectivamente, havido algumas melhorias. Porém, a sua estabilidade e abrangência, ainda estão muito longe de satisfazer as necessidades das empresas, como, por exemplo, da indústria, das grandes fazendas agrícolas e de muitos usuários pelo País adentro. Não é possível se pensar em serviços hoteleiros com água transportada por cisternas e/ou electricidade produzido por geradores a gasóleo. Como queremos que esses hotéis sejam competitivos? Ou que cadeias hoteleiras estrangeiras se instalem no mercado? No que diz respeito às infra-estruturas, não basta construir, é preciso que sejam mantidas. Em Angola, por exemplo, construíram-se escolas e hospitais, e algumas dessas obras encontram-se em estado deplorável de conservação.

O quarto factor impeditivo da transformação estrutural mencionada no relatório, em meu entender, é a causa dos demais, é a fragilidade dos Estados. Refere o relatório que a maioria dos Estados africanos são autocracias, de uma forma ou de outra. As instituições políticas e económicas são muito frágeis e instáveis! Refere o The Econmist Intelegence Unity (EIU), que apenas 6 dos 54 países são democracias completas ou imperfeitas. Isso podia indicar governos todo-poderoso e sempre presente! No entanto, a realidade é totalmente diferente. Por isso, segundo McDermott, acontece que a maior parte dos Estados africanos são incapazes de fazer as coisas que um Estado deve fazer, enquanto fazem muitas coisas que não deveriam. A fragilidade das instituições políticas induz que se façam escolhas de investimentos públicas que não são prioridades prementes em dado momento. Em Angola, por exemplo, investiram-se milhões de dólares em projectos que não eram prioritários, se olharmos para aquelas que são as necessidades mais prementes das comunidades, como, por exemplo, a água potável. Exemplificando, construíram-se aeroportos onde aterram, em média, duas a uma aeronave por dia, ou mesmo não aterra aeronave nenhuma. Entretanto, esses tipos de escolhas públicas não têm consequências políticas para quem as tomou! Os Estados africanos são totalmente ausentes na prestação de serviços básicos às populações. Indica uma pesquisa do Afro-barómetro que inquiriu os africanos que mencionassem os problemas mais importantes que enfrentam, as questões que mencionaram são coisas tidas como adquiridas noutros lugares: falta de água potável, falta de electricidade, estradas, alimentação e segurança. A pergunta que faço é: seria diferente se essa pergunta fosse feita aos angolanos? Estou a crer que não seria diferente, aquelas são as carências com que se confronta a grande maioria de angolanos!

Citei inicialmente 3 países africanos que são referenciados no relatório como exemplos de transformação estrutural das suas economias: o Botswana, as Ilhas Maurícias e as Seychelles. Deixei de fora 2 outros países, que também são mencionados no relatório como estando a conhecer elevadas taxas de crescimento económico: o Ruanda e a Costa do Marfim. Não os citei de propósito, porque acredito que a alteração das suas constituições para acomodar um terceiro mandato aos actuais incumbentes indica a existência de líderes fortes e instituições frágeis. Como um dia disse o Presidente Barack Obama, devemos ter instituições fortes em vez de líderes fortes, pois estes são finitos. As instituições fortes são perpétuas. O perpetuar-se no poder tem sido a causa da perpetuação dos Estados autocráticos, estão longe de, ao menos, alcançar os níveis de desenvolvimento pré-colonial. Cantou um dia Justino Handanga, numa dessas melodias que gosto de ouvir, que os "mais velhos se recordam do colono com saudade por causa do sofrimento" (minha tradução do umbundu)!

Bibliografia consultada

McDermott, John, (2025) O fosso económico entre a África e o resto do mundo está a aumentar, in The Economist, disponível https://www.economist.com/special-report/2025/01/06/the-economic-gap-between-africa-and-the-rest-of-the-world-is-growing. Acedido, 22/01/2025.