Apesar de tudo, a cidade tem uma arquitectura rica, embora subvalorizada. Soçobram os edifícios coloniais pela baixa da cidade. Contam-se pelos dedos de uma só mão aqueles que foram reaproveitados ou restaurados. Luanda, diferente de muitas cidades do País, é um dos principais marcos referenciais de construções coloniais cuja arquitectura remonta aos séculos XVI e XIX. O seu espólio patrimonial já foi várias vezes tema de debates na rádio, televisão e colóquios realizados para o efeito.

No passado, a ameaça pairava sobre o edifício onde funciona o Elinga Teatro. Nesta altura, várias personalidades subscreveram um documento apelando ao bom senso das autoridades, no sentido de impedir a demolição daquele edifício de importância histórica. É verdade que o edifício é antigo, remonta ao século XIX, e precisa de ser restaurado. Contudo, o que se pretendia na altura era demolir um edifício com características arquitectónicas seculares para erguer uma torre de escritórios e parques de estacionamento, como se especulava. Os velhos edifícios coloniais da baixa podem coabitar com as modernas construções que vão surgindo aqui e ali, mais para prestígio da própria cidade, realçando o casamento entre o tradicional e o moderno.

Luanda é uma cidade histórica e, no século XX, registou mutações de índole diversa que ajudam a explicar a importância do seu património arquitectónico. Entre os anos 30 e 70, a cidade desenvolveu bastante. A esse grande crescimento da área urbanizada seguiu-se um período de estagnação logo após a Independência, ao contrário da sua área suburbana que cresceu para mais do triplo da dimensão de 1974, último ano da manutenção da autoridade colonial portuguesa no território. Se em meados da década de 1960 a cidade era uma das mais belas e projectadas de todo o continente africano, após a Independência e a guerra civil que se seguiu, a situação mudou radicalmente. O advento da paz e o crescimento multissectorial que se conheceu depois fez alterar a sua configuração: primeiro com a expansão das centralidades, e de moradias na zona Sul da cidade, depois com a recente divisão política e administrativa.

Constam entre os mais emblemáticos edifícios coloniais o Museu da Antropologia, a Rua dos Mercadores, o Palácio Dona Ana Joaquina, a Fortaleza de S. Miguel, o Governo Provincial de Luanda, a Igreja de Nossa Senhora da Nazaré, a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, o sobrado ao lado do Baleizão, o Museu da Escravatura, entre outros, a casa, já demolida, do escritor Alfredo Troni (que ficava adjacente à Universidade Lusíadas).

A preservação do património histórico e cultural de Luanda é essencial para manter viva a memória da cidade e das suas gentes. Cada edifício, cada rua, cada monumento conta uma parte da história que não deve ser esquecida. A destruição indiscriminada de edifícios históricos, como sucedia com frequência há alguns anos (o Mercado do Kinaxixi é um exemplo), para dar lugar a construções modernas, estava na iminência de apagar capítulos importantes da nossa identidade colectiva. Uma das pessoas que mais deu voz em defesa deste património foi a arquitecta Ângela Mingas.

Neste entretanto, longe ficou o tempo que o Núcleo de Arquitectura da Universidade Lusíada conseguia, periodicamente, reunir pessoas interessadas para discutir as requalificações que estavam a ser realizadas na capital e, principalmente, a destruição dos edifícios considerados patrimónios culturais, na sua maioria localizados na baixa de Luanda.

A participação da comunidade é fundamental para a preservação do património, com iniciativas que envolvam os cidadãos na discussão e na tomada de decisões sobre o futuro dos edifícios históricos, podendo fortalecer o sentimento de pertença e responsabilidade colectiva. A educação e a sensibilização sobre a importância do património da cidade devem ser promovidas nas escolas e nos meios de comunicação.

Por fim, é importante que as autoridades locais adoptem políticas eficazes de preservação do património, garantindo recursos e apoio técnico para a restauração e manutenção dos edifícios históricos. A colaboração entre entidades públicas e privadas pode ser crucial para a implementação de projectos de requalificação que respeitem a história e a identidade de Luanda, enquanto promovem o desenvolvimento sustentável da cidade.

Por enquanto, ficaremos pelo saudosismo do velho Teta Lando: "Luanda, já foste linda / mas temos esperança ainda. / Escutaremos na madrugada / a voz marcante da mamã quitandeira..."

*Mestre em Linguística pela Universidade Agostinho Neto