Há uma parte dessa incerteza que, no plano económico, se explica pela nossa crónica e traiçoeira dependência do petróleo.
Essa incerteza apoia-se na soberba de uma elite que, adorando fazer contas de subtrair com as importações, não esconde o seu ostensivo desprezo pelo investimento na produção nacional. Essa incerteza acentua-se agora perante a falência, em catadupa, de várias empresas, o aumento do desemprego, a insuportável carestia de vida, a erosão do poder de compra dos cidadãos e o agravamento da fome e da miséria. Essa incerteza está a abrir alas ao adiamento, quando não mesmo ao congelamento, de investimentos para a diversificação das nossas fontes de riqueza. Essa incerteza está a frenar a criação de autonomia do mercado nacional para a produção de bens essenciais. Essa incerteza ganha asas por termos a gestão da nossa (fraca) rentabilidade económica no domínio da agricultura, da indústria, do comércio, das pescas e até da administração pública, dependente de meios externos e da consultoria estrangeira. Essa incerteza torna-se agora danosa porque a dependência da nossa sobrevivência de variáveis exógenas, destapa, em toda a linha, as nossas enormes vulnerabilidades e faz com que Angola não passe, afinal, de um "tigre de papel". Pior do que isso, continua a transformar os angolanos em simples rendistas, que, ao terem retalhado o país por determinadas possessões que arrendaram aos estrangeiros, deixaram há muito de ser donos do seu próprio destino. Não é preciso fazer muitas contas: temos uma vasta costa marítima, mas quem controla e delapida os seus recursos são os chineses. A construção civil é dominada igualmente pelos chineses, a logística e distribuição alimentar a grosso está entregue aos libaneses e o comércio a retalho está nas mãos de malianos e de mauritanos. Se a compra de diamantes extraídos do garimpo está sob o controlo comercial de congolenses e de senegaleses, o tráfico de moeda estrangeiro passa-se em "território senegalês e de guineenses de Conacry " no Bairro dos Mártires. Aparentemente menos numerosos, os eritreus chamam para si a comercialização de fardos de vestuário, calçado e bebidas alcoólicas. A venda de peças auto em segunda mão e de mobílias passou a ser um espaço reservado aos nigerianos... Fechadas as contas destes rocambolescos arrendamentos como uma das variáveis da nossa bizarra acumulação primitiva de capital, de onde vem, então, a outra parte das nossas incertezas? Essa parte das nossas incertezas, provém, no plano político, da canibalização dos partidos e do crescente adensamento do clima partidário. Essa parte das nossas incertezas parece sucumbir a tentação de círculos políticos extremistas pretenderem desenterrar o espectro da guerra por outros meios, nem por isso, porém, menos perigosos. Essa parte das nossas incertezas ganha cobertura ao insistirmos em abraçar o caminho da exclusão, em advogarmos a desobediência às decisões judiciais, em incentivar a insurreição civil e a desordem pública, em continuarmos a opor-nos à democratização da distribuição da riqueza, em persistirmos na subversão da cidadania e em promovermos uma perversa captura dos pilares do Estado de Direito. Essa parte das nossas incertezas - marcada por greves perfeitamente evitáveis - começa a assumir também proporções assustadoras no plano social pela falta de diálogo entre os representantes da nossa principal entidade patronal - o Estado - e as organizações representativas dos empregados e funcionários públicos - os sindicatos. No fundo, aquilo a que se assiste é a uma crescente falta de confiança entre o Governo e o principal partido da oposição, que ameaça abalar os fundamentos de uma transição democrática e pacífica no nosso país. E a falta de confiança - à vista de toda a gente - é tudo o que menos precisávamos agora. Porquê? Porque sem confiança adensa-se uma incerteza que, como adverte Fernando Pacheco, começa já a fabricar um "cocktail perfeito" susceptível de fazer explodir uma incontrolável vaga de explosão social que pode lançar a nossa periclitante estabilidade pela ribanceira abaixo. Que fazer? Nada mais do que, perante este quadro sombrio, ter uma classe política que precisa de assumir o imperativo histórico de reunir o capital de confiança político de que o país necessita para assegurar a realização de um pleito socialmente tranquilo, eleitoralmente transparente e democraticamente civilizado. Uma classe política que precisa de impulsionar a participação dos partidos políticos, mas também dos vários actores da sociedade civil, na construção de horizontes reais de bom senso. E que precisa ainda de deixar de ignorar os clamores de uma sociedade que reclama pelo fim do gangsterismo político, económico e social na nossa vida pública e que revindica a primazia do diálogo para que não voltemos, nunca mais, a resvalar para o caminho das trevas. Caminho esse que é trilhado por insistirmos em não compreender, de uma vez por todas, que o nosso maior flagelo social não é o alcoolismo, mas sim a dependência que temos pelo petrolismo. No primeiro caso, o alcoolismo rebenta com o fígado dos seus dependentes, acelera a sua morte precoce e, em última instância, acaba por dar cabo da estabilidade das famílias. No segundo caso, o poder do petrolismo, embriagando e matando lentamente os seus consumidores, a partir de 2002, encarregou-se pura e simplesmente de rebentar com o país inteiro! No primeiro caso, o alcoolismo - entre escritores, escultores, poetas e pintores - transporta na algibeira uma lista de génios de todos os quadrantes, que se destacam como autores de obras verdadeiramente notáveis. No segundo caso, os amantes do petrolismo possuem contas em paraísos fiscais e têm à sua volta uma vasta corte de bajuladores, endereços de advogados famosos e casas sumptuosas no estrangeiro. Os primeiros passam a vida a contar as moedas para que os seus filhos possam estudar numa escola onde, em muitos casos, a carteira é uma lata de leite e o telhado uma sombra amiga de uma árvore velha. Os segundos enviam os filhos para o estrangeiro onde frequentam universidades famosas de renome internacional, mas, em muitos casos, sem qualquer aproveitamento escolar. Os primeiros vão de táxi candongueiro para o Cemitério da Camama. Os segundos vão em cortejo Vip amparado por batedores da polícia para o "Cemitério do partido"... Em ambos os casos, uns e outros, partilham, no entanto, algumas singularidades: o alcoólatra ingere sozinho fora de ocasiões sociais, o petrólatra dispensa conselheiros e consome sozinho - ou na pior das hipóteses com a família restrita ou com um círculo íntimo com quem partilha as cumplicidades mais promíscuas. O alcoólatra continua a entornar, mesmo depois de um estado etílico avançado. O petrólatra continua a esbanjar, mesmo depois de avisos sucessivos do tesouro nacional. O alcoólatra pode demonstrar agressividade, provocar zaragatas e, na maior parte das vezes, acaba na valeta. O petrólatra vive em palácios com muros altos e provoca tumultos sociais e revoltas civis. Enfim, em ambos casos, uns e outros, sofrem de paranoias e alucinações. Não sendo um e outro, caminhos saudáveis, o que é que requer um novo caminho? Sendo inquestionável a necessidade de termos lideranças partidárias com outros horizontes políticos, um novo caminho requer uma mudança orgânica e mental dos nossos partidos tradicionais. Requer a sua modernização sob pena de, na linha da FNLA, virem também a desaparecer! Um novo caminho, nesta delicada fase de transição, requer talvez ter de volta o Presidente que, liberto mas, implacável perante a tentativa de qualquer chantagem, governou Angola entre 2017 e 2018. Um novo caminho - perante o clima de turbulência política que se apossou do país e perante uma governação enredada em guerrilhas tribais - requer talvez ter de volta o mesmo Presidente que, então, se mostrou à nação como um fervoroso amante da abertura democrática. Um novo caminho requer talvez ter de volta o mesmo Presidente que se revelou avesso à intolerância política, defensor do diálogo interpartidário e promotor do pluralismo informativo. O mesmo Presidente que parecia querer enterrar o culto da personalidade e governar o país livre das amarras securitárias de um sistema político que se vem revelando mentalmente cada vez mais atrofiado e politicamente cada vez mais anquilosado. O mesmo Presidente que parecia querer distanciar-se de um passado influenciado pela visão distorcida de políticos que, como sinaliza o analista Bernardo Pires de Lima, "amedrontavam fiéis no circo patético de sabujice que traduzia uma cúpula de poder submisso". Cinco anos depois de ter tomado as chaves do Palácio da Cidade Alta, paira agora no ar a sensação desse Presidente se ter esfumado por entre as nuvens do poder, qual D. Sebastião, e de a cúpula que o rodeia continuar a incorporar o mesmo comportamento que a sua antecessora. Cinco anos depois de ter moldado o poder à sua imagem e estilo, com o "desaparecimento" do Presidente de 2017/2018, adensa-se a ameaça de vermos esfumar-se também a esperança no advir de uma nova atmosfera política em Angola. E com esse "desaparecimento" esfuma-se de igual modo a esperança de vermos construída no nosso país uma governação mais aglutinadora, mais participativa e mais arejada. Uma governação, enfim, liderada por homens que pretendemos dotados de maior densidade política, apurada consistência intelectual e massa crítica bem calibrada. Não estando tudo perdido, agora só nos resta esperar que ainda possamos ir a tempo de ter de volta o Presidente que nos orgulhamos conhecer em 2017/2018. Mas, será que ainda iremos mesmo a tempo? Eu acredito que sim. Haja vontade e mais acções como a desta semana, em termos de reconhecimento do líder da UNITA e da oposição. É sempre tudo mais limpo.(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou através de assinatura digital, disponível aqui https://leitor.novavaga.co.ao e pagável no Multicaixa)