A informação, divulgada poucas horas depois da pomposa proclamação da Frente Patriótica Unida (FPU), liderada pela UNITA, centralizou os noticiários e debates sobre Angola em órgãos de comunicação social e nas redes sociais, relegando para segundo plano os discursos e acções enunciadas pela FPU, com vista a retirar o MPLA do poder.
Informações postas a circular por diversas fontes sobre a suposta decisão do Constitucional referiam também que apenas seis dos 11 juízes conselheiros (54,5%) teriam sido favoráveis à anulação do Congresso da UNITA.
Quatro juízes estariam ausentes por razões não publicitadas, uma juíza conselheira votou contra tal decisão, a resposta a um desejo do MPLA, manifestado a 7 de Julho último, num comunicado do seu Bureau Político.
O anúncio suscitava uma série de inquietações e indagações, nomeadamente como seria possível que uma decisão tão importante para a avaliação do próprio regime pudesse ser votada na ausência de 36% de juízes do TC?
Tal veredicto surgia, assim, como peça de uma engrenagem oleada para afastar da corrida eleitoral Adalberto Costa Júnior, o mais forte adversário político de João Lourenço nas próximas eleições gerais.
Essa manipulação, criada para retirar do topo da agenda mediática a inédita e importante iniciativa conjunta de Adalberto Costa Júnior, Abel Chivukuvuku e Filomeno Vieira Lopes (pelo Bloco Democrático), veio demonstrar, por um lado, a incapacidade do Poder em lidar com a pluralidade e, por outro, a subjugação dos órgãos de comunicação social públicos à agenda e propaganda do Poder.
Demonstra, ainda, o medo que o Poder tem de uma Frente que, num notável discurso, Filomeno Vieira Lopes chamou de "Arco da República", visando "encontrar a força subjectiva capaz de aglutinar o descontentamento generalizado e transformá-lo num programa para o progresso" de Angola.
Não fosse a referida manipulação, a formalização da nova Frente seria, indubitavelmente, o tema do dia e da semana pelas implicações que terá no xadrez político angolano cada vez mais afunilado na sua bipolarização.
Seria destaque, também, porque, com a criação da FPU, se assiste ao mais mediático regresso de um dissidente de proa à UNITA, Chivukuvuku, que já foi líder de outra formação política de oposição ao partido do Galo Negro, a CASA-CE, e que tentou um segundo projecto nesse sentido, o PRA-JA Servir Angola, inviabilizado pelo Poder judicial.
Regresso que só se tornou possível com Adalberto Costa Júnior, líder natural da Frente, que tem na UNITA o seu elemento central e congregador e que representa uma ameaça ao absolutismo do partido no Poder.
O MPLA, que há muito substituiu a luta de classes pela luta de lugares, como caminho para o enriquecimento ilícito e rápido e para a obtenção de regalias materiais que o Poder proporciona, assemelha-se hoje a um partido inseguro.
Um partido que se apresenta como fiel intérprete das aspirações dos angolanos, mas que paradoxalmente demonstra ter medo de uma parte do Povo e impreparação para lidar com a alternância no Poder.
Medo da FPU que, na opinião do líder do Bloco Democrático, preconiza um regime integrador com igualdade de direitos, onde a "oposição é parte integrante, não é excluída, tem direitos garantidos, pois a democracia conta cabeças, não corta cabeças".
De notar que, para o partido no Poder, o impedimento da legalização do projecto partidário de Abel Chivukuvuku, um político carismático, hábil e ambicioso, de eloquência discursiva e com grande apetência para líder, constituía um grande passo a favor da sua estratégia, visando a construção de uma auto-estrada livre para a reeleição de João Lourenço.
Contrariamente ao que o Poder preconizava, esse impedimento acabou por ser um facilitador da criação de condições, para que Chivukuvuku, vendo-se afastado administrativamente da próxima corrida eleitoral, regressasse à UNITA por via da FPU.
O ex-líder da CASA-CE encontra na junção à UNITA o caminho possível e oportuno para a sua participação em lugar de destaque nas mais próximas eleições de Angola, que já se apresentam como as mais renhidas do País e isso amedronta o MPLA.
Depois de décadas a usar o medo como forma de controlo da sociedade, assiste-se hoje a um MPLA assolado pelo medo de ser substituído no Poder pelo seu arqui-rival, que lidera uma Frente integrada por gente que nasceu e cresceu politicamente nas suas próprias fileiras.
Medo que gera descontrolo, descrédito e desespero em franjas do Poder, provocando pânico, o novo elemento central na definição da estratégia para a manutenção no Poder.
Medo da descoberta de pequenos e grandes escândalos sobre descaminhos dos recursos financeiros e não só para sustentar estranhos e injustificados lóbis e subornar actores políticos internos e no exterior, numa vergonhosa corrupção política.
Com medo do the day after à perda do Poder, o MPLA perdeu a discrição, a forma sub-reptícia de actuar em questões antidemocráticas e surge por detrás de acórdãos que afastam da corrida eleitoral fortes adversários.
Terá medo de que a perda do Poder suscite a abertura de armários políticos e a divulgação de "esqueletos" políticos até agora desconhecidos do grande público, como normalmente acontece no final de longos consulados de governação?
Medo que se torne público as maracutaias de quase meio século de governação de um poder autocrático, opaco estruturado na corrupção e na exclusão?
Esse medo e a divisão interna no MPLA são hoje um aliado precioso da oposição e dos que pugnam por mudanças na liderança do País, nomeadamente de parte dos pelo menos 70% do eleitorado com menos de 40 anos.
Geração essa que, com toda a atrapalhada político-jurídica, vai percebendo que, para o MPLA, o mais importante deixou de ser "Resolver os Problemas do Povo" para ser manter-se no Poder a qualquer preço.
"Reina, na verdade, na sociedade angolana, um estado de medo permanente o que satisfaz inteiramente os objectivos do poder instituído. A figura repressiva e securitária do estado é aquela que mais se apresenta aos olhos dos cidadãos, servindo de factor de auto-repressão e de afastamento, dos mesmos, das lutas pelos seus direitos", lembrou Filomeno Vieira Lopes no acto de proclamação da FPU.
É esse Poder, centrado num só mesmo homem, que põe os seus cabos à frente das fraudes políticas a representar o papel de lobo mau da história, de radicais intolerantes, enquanto o líder se apresenta à opinião pública como o bom da fita.
O bom com soluções inclusivas, de maior abertura, o democrata, incompreendido até dentro do seu próprio partido, mostrando um comportamento típico das autocracias que, para a sua própria sobrevivência, precisam de se alimentar de algumas práticas das democracias.
Este método, a que Noam Chomsky nas suas dez "estratégias de manipulação das massas" chama '"problema-reacção-solução", é cada vez mais usado pelo Poder como prova a recente devolução ao parlamento da lei de Alteração à Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais.
Saída dos gabinetes do MPLA, a referida lei, votada apenas pelo mesmo partido, foi devolvida pelo Presidente João Lourenço à Assembleia Nacional para a sua reapreciação e reforçar a "sã concorrência, lisura e verdade eleitoral", em vésperas de uma visita presidencial aos EUA.
Um partido que diz ter cerca de seis milhões de militantes, o suficiente para obtenção de uma maioria absoluta, sem precisar de eleitores que não sejam seus membros, quando mostra medo do eleitorado e da rua demonstra fragilidades, falta de segurança e confiança em si próprio.
Demonstra medo da mudança de Poder e de regime tão ansiada por grande parte da sociedade que mais do que alteração de protagonistas, anseia, sobretudo, por modificações políticas conducentes à democratização da sociedade.
Esse caminho inclui, a par da separação, descentralização e limitação de poderes, o inevitável combate a todas as formas de desigualdades que enfermam a vida política, social e económica de Angola que o eleitorado quer ver corrigidas.
O mesmo eleitorado que apostou e aplaudiu efusivamente a troca de José Eduardo dos Santos por João Lourenço, mas que cedo percebeu de que mais do que a alternância de rostos, é necessária uma mudança de regime para a construção de uma sociedade onde se cumpra a igualdade de direitos e de oportunidades.