Consequência dessa crise, vista como um teste de stress à democracia, o Governo caiu, Portugal vai realizar as terceiras eleições legislativas em três anos e o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ganha o cognome de "o dissolvente", aquele que mais parlamentos dissolveu, incluindo os das ilhas: Açores e Madeira.
Montenegro apresenta uma moção de confiança que precipita a queda do Governo e a realização de eleições legislativas antecipadas para tentar fugir ao escrutínio parlamentar, suscitado pelo Partido Socialista, com a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), aos negócios da empresa familiar do primeiro-ministro, a consultora Spinumviva,
O PM usa essa táctica para limpar a sua imagem demasiado chamuscada com o caso que deu origem à crise política, mesmo sabendo de antemão que o Parlamento chumbaria -como aconteceu - qualquer moção de confiança do Executivo.
A atitude de Montenegro agravou ainda mais a crise, surgida com a revelação pela comunicação social do pagamento, por parte de uma empresa de casinos de uma avença mensal, de 4.500 euros (equivalente a mais de metade do seu salário) à empresa familiar de Montenegro, uma ilegalidade, de acordo com vários constitucionalistas.
Contrariamente à lei, Montenegro não incluiu nas declarações de bens e património essa avença de que beneficiava a empresa por si criada e que, antes de assumir o cargo de primeiro-ministro, vendeu à sua mulher com quem está casado em comunhão de bens adquiridos, por isso, venda considerada nula por juristas e políticos.
A CPI permite recolher dados sobre a facturação da empresa, seus contratos, ter acesso à contabilidade, incluindo receitas e despesas nos últimos 11 meses, tempo de vigência do mandato de Montenegro como chefe do Governo.
No início do "caso Montenegro", o PM, advogado de profissão, foi parco em explicações, recusando-se, inclusive, a fornecer a lista dos clientes da empresa ao Parlamento e aos media que semanalmente foram desfiando o novelo e divulgando novos dados sobre a vida empresarial que Montenegro mantinha escondidos.
Neste contexto, o chefe do Governo português, o rei desse carnaval político, escolhe o enredo e transforma a realização de eleições antecipadas numa espécie de plebiscito à sua figura e carácter, como se a clarificação eleitoral significasse um cheque em branco ou uma borracha a comportamentos pouco éticos e/ou eventualmente ilegais.
Como se o voto popular servisse para legitimar irregularidades praticadas por políticos, Montenegro, que governa em minoria, quer fazer das eleições um teste à sua idoneidade e transparência empresarial.
Com essa acrobacia, transforma um caso pessoal, num grave problema político de consequências imprevisíveis, compromete e coloca todo o Governo e o PSD a cerrar fileiras em seu torno.
Assim, Montenegro vai a eleições antes de um escrutínio completo e esclarecimento cabal sobre a sua vida empresarial e patrimonial, confiando que, como em outros momentos, as questões éticas tenham uma influência menor na decisão a tomar pelos portugueses nas próximas eleições.
Certamente que Montenegro terá em mente que, pouco preocupados com a ética, em 2017, os eleitores de Oeiras, reelegeram, com maioria absoluta, um ex-presidiário, Isaltino Morais (antigo ministro do PSD) para presidente da Câmara Municipal, depois de cumprir dois anos de prisão por fraude fiscal e branqueamento de capitais, no exercício de funções.
Também se deve ter recordado de Fátima Felgueiras, do PS, antiga autarca de Felgueiras (distrito do Porto), reeleita em 2005, também com maioria absoluta, depois de ter protagonizado uma mediática fuga à justiça, refugiando-se no Brasil, para escapar a uma prisão preventiva, decretada por um Tribunal, acusada de crimes de peculato, corrupção e participação em negócio.
Para o ainda PM, que sempre se mostrou avesso ao escrutínio das suas acções, incluindo por parte da comunicação social, as eleições servem para a sua "relegitimação", mesmo sabendo que, no actual contexto de fragmentação partidária e ascensão ou consolidação da extrema-direita, os resultados eleitorais podem aprofundar a ingovernabilidade do País.
Com tiques ditatoriais, o PM de Portugal, por um lado, disse aos deputados em plena Assembleia da República que "tenho mais que fazer do que estar a responder-vos diariamente" e, por outro, recusou-se a responder aos jornalistas, como é sua prática.
Na campanha interna para a liderança do PSD, Luís Montenegro evitou debater, na comunicação social, as linhas da sua candidatura com o seu então adversário, Jorge Moreira da Silva, actual director executivo da UNOPS (Agência da ONU para as Infraestruturas e Gestão de Projectos) e antigo ministro do Ambiente do Executivo de Pedro Passos Coelho.
Quando se trata de anunciar novas medidas governamentais, fá-lo através de "Comunicação ao País", em horário nobre, sem direito a perguntas de jornalistas, atitude repetida por outros membros do seu Governo, principalmente das áreas mais problemáticas, como a Administração Interna e a Saúde.
Por tudo isso, advinha-se uma campanha eleitoral dura, certamente assente em casos e casinhos, em vez de políticas, com a extrema direita xenófoba e racista, liderada por André Ventura, a explorar sentimentos de uma parte da população anti-imigração para tentar crescer ou pelo menos não baixar muito a fasquia dos actuais 50 deputados e, deste modo, tornar-se num actor relevante para a governação.
Resta saber se, caso ganhe eleições com mais dificuldades, Montenegro vai manter a sua posição de rejeição de qualquer entendimento com a extrema direita para a governação no continente. Nas ilhas, o PSD, usando da autonomia partidária, procede de forma oposta.
Perante o crescimento da extrema direita na Europa e no Mundo e a sua consolidação em Portugal, com um líder da oposição, o socialista Pedro Nuno Santos, com dificuldades em se afirmar como forte e incisivo e sem descolar nas sondagens, é muito provável que essas eleições resultem num berbicacho, sobretudo se nenhum dos dois partidos conseguir reunir uma maioria absoluta no Parlamento.
Essas legislativas antecipadas funcionarão como uma espécie de ante-câmara das autárquicas de Outubro próximo, em que o PSD quer retirar a maioria ao PS, e das presidenciais de Janeiro de 2026, e ao mesmo tempo um teste à sobrevivência dos lideres dos dois grandes partidos portugueses, PS e PSD.
Arredado do Palácio de Belém, por erros próprios, desde 2006 (final do segundo mandato de Jorge Sampaio), se perder as próximas presidenciais, o PS corre o risco de ficar 30 anos fora da presidência do País.
Já o actual inquilino de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa, fica na história da democracia portuguesa com o cognome de "o dissolvente", aquele que bateu o record de dissolução parlamentar: três vezes a Assembleia da República, duas vezes o Parlamento da Madeira, e uma o dos Açores.
De relações "frias" com o primeiro-ministro, que mostra não confiar no Presidente, Marcelo sai de cena (em Março de 2026) mais como factor de instabilidade que Presidente dos afectos, como também é apelidado.
Rebelo de Sousa, com a sua conhecida dificuldade em resistir à um microfone, opina sobre tudo e todos e não tem se coibido de publicamente lançar farpas ao Montenegro a quem chamou de "rural", entre outros irritantes que contribuíram para azedar as relações entre estas duas figuras do Estado português.
No quadro desse azedume, neste Carnaval político, Montenegro não informa atempadamente ao Presidente da República da sua intenção de fazer cair o seu próprio Governo com a apresentação de uma moção de confiança.
Rebelo de Sousa, relegado à condição de figurante pelo PM, dá conta disso à comunicação social, lamentando a falha de Montenegro da sua família política.
Neste último dos dez longos anos do consulado presidencial, Rebelo de Sousa, cansado e depois de tantas dissoluções não pôde travar esta última que acontece num momento de incerteza política na Europa pelo crescimento dos populismos e o esfriar das relações com os Estados Unidos de Donald Trump.
Para o desgaste do PR também concorre o chamado "caso gémeas", sobre duas crianças luso-brasileiras, residentes no Brasil, que beneficiaram de um tratamento milionário em Lisboa, por cunha de Nuno Rebelo de Sousa, filho do PR, e com ajuda da presidência.
O relatório preliminar elaborado pelo Chega na qualidade de relator da Comissão de Inquérito constituída para investigar o caso, mas contestado por todos os outros partidos, acusa Rebelo de Sousa de "abuso de poder" e de ter agido de "forma censurável".
É um fim difícil para quem se apresentava aos portugueses como o Presidente dos afectos.
Tunda Mu Njila: Carnaval político de Portugal
Coincidindo com os tradicionais festejos do Carnaval, a crise política portuguesa, provocada pela falta de transparência da vida empresarial do primeiro-ministro Luís Montenegro, do PSD, tomou contornos de folia carnavalesca com enredo, acrobacias, rei e figurantes.
