Esta mistura de "novela" mexicana, brasileira e turca realizada em Espanha e com co- produção portuguesa, tendo como actores principais membros da "antiga realeza" angolana, já atingiu todos os níveis de saturação, indignação e do ridículo. Desde suspeitas de envenenamento aos pedidos de autópsia, a manipulação e desinformação na comunicação social, os debates, os áudios e "lavar de roupa suja " nas redes sociais, um humilhante e desprestigiante espectáculo mediático, batalhas legais, terminando com pedidos de testes de sanidade mental e de ADN. Tudo resultado de uma falta de elevação, nível, sentido de Estado, bom-senso, falta de capacidade negocial e de tolerância.

Depois de animarem a malta e dominarem os debates nas redes sociais, os angolanos (e não só) começam a ficar fartos e cansados de tudo isso. Os angolanos cumpriram o Luto Nacional, prestaram homenagem a "Sua Excelência de Corpo Ausente", mesmo sem família presente para dar as habituais e devidas condolências, também não tiveram kanjica, muzonguê, nem peixe frito, como manda a tradição. Tudo muito surreal, muito atípico e nada bom para a "saúde do morto", que precisa de descansar, de nos deixar em paz e de partir em paz. Enquanto o morto não vem, o que é que o povo está a fazer? Vai sabendo da aprovação e preparação de um Panteão para ilustres personalidades angolanas, as inaugurações, os lançamentos da primeira pedra, corte de fita de última hora e aguarda pelo início da campanha eleitoral já no próximo dia 24.


Se, por um lado, há um morto que (ainda) volta, esta semana fomos surpreendidos com uma nova "novela": a dos mortos que votam! O Registo Eleitoral Oficioso consiste num ficheiro com dados de todos os cidadãos adultos portadores de Bilhete de Identidade, o sistema por não estar integrado com a plataforma de emissão de certidões de óbito, não expurga os falecidos. O problema foi que, quando se colocou o problema, o MATRE tranquilizou os cidadãos e passou a ideia de que este não era um problema e que os cidadãos falecidos seriam retirados dos ficheiros. A realidade é que os cidadãos falecidos sempre estiveram lá e, não havendo sistema digital integrado, não se consegue expurgá-los.

O MATRE também diz que existem pelo País cemitérios clandestinos, óbitos não declarados, enterros em cemitérios familiares ou particulares e que fazem que muitos óbitos não sejam conhecidos ou não constem das estatísticas oficiais. É verdade que não constitui um perigo para o País, como avança a instituição. Do ponto de vista prático, os cidadãos falecidos não podem votar. Eles teriam de fazer "prova de vida" e apresentar-se nas cabines de voto, mostrar o seu Bilhete de Identidade e pintar o dedo, coisa que não poderão fazer porque já não fazem parte do mundo dos vivos.

Toda esta polémica, este desconforto e ridicularização teria sido evitada se o MATRE tivesse "assumido o barulho" desde o início. Era importante que o Executivo assumisse, desde o princípio e de forma clara, essas limitações, a falta de capacidade/possibilidade de integração do sistema. É que, nesta fase do processo, é preciso comunicar de forma aberta, transparente e objectiva com os cidadãos. Obviamente que este é daqueles episódios que fazem mossa e belisca a lisura do processo. É uma lição que fica e mais uma prova de que a comunicação ainda é uma das maiores fragilidades do Executivo de João Lourenço e não assumir que comunicam pessimamente é outro dos defeitos de grande parte dos seus auxiliares. Essa dos mortos que votam é mais uma peça para o anedotário nacional e um Executivo que fica mal na fotografia. E tudo isso sem necessidade!