Nesta obra, a filósofa, segundo a jornalista Inês Fonseca Santos, defende que, em resultado da massificação da sociedade, se criou uma multidão incapaz de fazer julgamentos morais, razão pela qual aceitam e cumprem ordens. Na visão de Hannah Arendt, não estava a ser julgado um monstro ou alguém com espírito demoníaco. O que estava ali a ser julgado era um burocrata, um sujeito medíocre, um funcionário zeloso, que foi incapaz de resistir às ordens que recebeu. Um sujeito que, pura e simplesmente, tinha renunciado a pensar, um sujeito que se limitara a não pensar nas consequências dos seus actos. E o mal torna-se banal. É a mediocridade do não pensar e não exactamente a premeditação ou desejo de mal do sujeito. Ou seja, a banalidade do mal instala-se porque encontra um espaço institucional, criado pelo não-pensar. O sujeito é um autómato, um zeloso cumpridor das orientações dimanadas pelos seus superiores, faz cumprir escrupulosamente aquilo que é: orientação dada, orientação cumprida! Como é que pessoas comuns praticam o mal de forma reiterada e ilimitada? Como é que se mantêm alheios ao mal que causam? O sujeito afasta-se da responsabilidade e da responsabilização. O campo ético e o moral desaparecem porque ele está a cumprir uma orientação, uma missão, portanto, é o campo da mediocridade do não-pensar. É o fenómeno da recusa do carácter humano do homem e a tendência em não assumir a iniciativa própria dos seus actos. O mal é feito e praticado tantas vezes que passa a existir a normalização do mal e, por esta via, ele torna-se banal. Foi também assim, segundo a filósofa, possível compreender como a sociedade se manteve "impávida e serena" diante de situações extremas e caóticas como o nazismo, as grandes guerras e as desigualdades sociais. De tanto o praticar, as pessoas acabam por olhar para o mal como algo normal, como um dever a ser cumprido. Nesta era digital, dos discursos dos ódios e extremos, esta pessoa é orientada a promover e a partilhar o mal. No exercício da nossa actividade jornalística, várias vezes somos atacados, maltratados e rotulados por milícias digitais que agem a soldo do Laboratório Central ou do Gabinete do Ódio. Quando confrontadas, facilmente se percebe que andam neste campo da mediocridade do não-pensar, que o importante é cumprir uma orientação/missão, sendo que, no seu entendimento, não há mal nenhum no mal que praticam. Temos estado a assistir a uma emergência do mal no espaço público e no contexto político. Quando se fazem escutas ilegais a jornalistas, quando se lhes persegue e controla, quando lhes fazem chegar recadinhos e "alertas" por interpostas pessoas, quando se lhes rotula ou conota ao estatuto de "inimigos da governação", quando se invade a sua esfera privada para se furtar material de trabalho ou intimidar, quando se deixa implícito que até "medidas activas" se podem tomar, é mau. É mau porque entendemos que não há mal algum na actividade que exercemos e no trabalho que fazemos. É mau porque quem nos está ou vai fazer mal não tem noção do que faz ou vai fazer, porque é seu entendimento que está no cumprimento de um dever, que tem a missão de proteger um determinado bem perante uma "ameaça" existente. É aí onde reside o perigo e a banalidade do mal. As pessoas comuns acabam vendo o mal como algo normal, como algo que realizam por dever, por orientação ou por ideologia. No confronto político nacional, o discurso está tão radical e levado aos extremos que os actores políticos não se olham como meros adversários momentâneos, mas, sim, como inimigos para a vida. É a chamada discriminação dos diferentes, como alguém que deve ser destratado, ofendido e a quem se deve fazer mal. Não faz mal fazer mal e ninguém leva a mal. Numa sociedade de estigmas e preconceitos, é responsabilidade do jornalismo destacar e trazer ao debate temas cruciais. O Novo Jornal tem abordado temas como a homossexualidade, o vitiligo, a questão da inclusão social das pessoas com deficiências e, nesta edição, traz o albinismo. Como vai havendo um esquecimento do bem, vai havendo dificuldade em fazer o bem, já que o mal se vai tornando banal e o não-pensar vai encontrando espaço social e institucional. É que, sem a cumplicidade de pessoas comuns que se limitaram a cumprir ordens sem pensar ou a olhar para o lado, os episódios mais negros da história não teriam sido possíveis, é o que diz Hannah Arendt. A escassez do pensamento reduz a consciência e leva a obediência cega. O sujeito é esvaziado do pensamento para que passe a ter "esquecimento do bem", para abdicar do pensamento crítico. O vazio de pensamento passa a ser uma actividade humana pervertida. Ele não precisa e nem é pago para pensar, já há quem pense por ele, cabendo-lhe apenas agir no cumprimento de orientações. Como disse Hannah Arendt: "Abdicar de pensar também é crime". Como e porquê o mal se tem tornado tão banal entre nós? Há uma banalização dos extremos e do mal que se tornou uma forma de estar e de comunicar. O ódio, o radicalismo, os extremos e a violência vão-se tornando banais. Vão fazendo parte dos sentimentos, dos pensamentos e discursos. Estranha é a banalidade como se vai aceitando o acontecimento de certas coisas, a banalidade como se olha para certas profissões e como se arrogam certas posições, a banalidade como se aceita a falta de escrutínio, de liberdade de expressão e de pensamento crítico.
A Banalidade do Mal
Hannah Arendt (1906-1975) foi uma filósofa judia, de origem alemã, autora do conceito de "Banalidade do Mal", aprofundado no livro "Eichmann em Jerusalém", que lhe trouxe várias críticas da comunidade judaica e sendo ainda hoje polémico. A obra foi escrita na sequência do julgamento, em Jerusalém, de Adolf Eichmmann, raptado pelos serviços secretos israelitas na Argentina, em 1960, e que a filósofa acompanhou para a revista "The New Yorker".
