Há, no entanto, uma enorme discussão, e parece não haver consenso quanto às causas da prevalência da economia informal. Alguns autores apontam a excessiva intervenção do Estado, outros indicam a excessiva regulação dos mercados e a tributação (numa situação que vivenciei em São Paulo, Brasil, foi-me oferecido descontos de até 20%, se me dignasse a pagar em numerário, ou se dispensasse a factura). No caso de Angola, há um conjunto de factores combinados: excessiva intervenção do Estado na economia, desvios de mercadorias dos circuitos formais devido aos baixos salários e, principalmente, os elevados níveis de desemprego da população activa, pois é o meio de sobrevivência da grande maioria da população excluída da economia formal, ou seja, é o meio de sobrevivência da maioria, por falta de oportunidades no mercado de trabalho formal. Segundo dados do Inquérito ao Emprego em Angola (IEA) do 1.º Trimestre de 2024, publicado em Maio pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE, 2024), o sector informal da economia absorve cerca de 79,8%, ou seja, 80% do emprego é provido pela economia informal; o emprego informal nas áreas rurais atinge 89,0%, enquanto nas áreas urbanas 74,6%. Os jovens (entre 15-24 anos) dependentes do emprego na economia informal rondam os 92,5% (INE, 2021). Se considerarmos o facto de a economia nestes dois anos (2022 e 2023) não ter crescido acima da taxa média de crescimento da população (3.4%), presumo que esses indicadores se devem ter degrado, facilmente comprovável pelo aumento do número de pessoas a pedinchar.

A designação da economia informal em Angola conheceu quatro etapas e a actuação das autoridades foi também diferenciada. Inicialmente, a actividade informal foi designada por candonga, as pessoas envolvidas nesta actividade foram chamadas de candongueiros. Os produtos transaccionados pelos candongueiros eram, essencialmente, desviados dos circuitos formais do autoconsumo das unidades de produção locais, portos, armazéns e lojas. Numa segunda fase, passou a designar-se economia paralela. A sua característica era transaccionar também bens desviados dos circuitos formais. A actuação das autoridades foi de repressão dos mercados paralelos (estou recordado da tentativa de encerramento do mercado do Chapanguela, no Lobito, nos anos 1980), que se caracterizavam por acções especulativas e de concorrência desleal com o mercado formal. A terceira fase foi o de reconhecer que a economia informal é uma necessidade inevitável para muitas pessoas e que o desenvolvimento da economia formal se haverá de encarregar de reconverter os mercados informais em formais, sem intervenção forçada das autoridades. Com a quarta etapa, veio o reconhecimento de que a economia informal é uma realidade e precisa de ser acarinhada, trabalhando no sentido da sua reconversão. O exemplo foi o surgimento do Programa de Reconversão da Economia Informal (PREI).

O emprego na economia informal em Angola nem sequer pode ser chamado de emprego precário, é, sim, hiperprecário, pois não é só o facto de a pessoa dependente das actividades da economia informal não descontar para a segurança social, é, essencialmente, o factor incerteza não saber se, ao fim da sua jornada laboral, terá vendido o suficiente para levar sustento a casa, o que nem sempre acontece. Com a agravante de que a mercadoria que transacciona pode ser confiscada pelos fiscais ou por gatunos, tal como cantou o saudoso Justino Handanga, que uma zungueira, enquanto amamentava a sua criança, o seu negócio foi levado pelo fiscal, ela chorava, dizendo que o que vendia tinha sido fiado! As pessoas dependentes da economia informal vivem momentos de desespero, que é um drama humano agonizante imaginar que 80% da população angolana activa depende desse emprego. Como se pode pensar na reprodução da economia do País, se a grande maioria da população depende de emprego de subsistência? Quando se sabe que a receita de um é despesa de outro e o activo de um é passivo de outro, ou seja, quem vende espera comprar?

As pessoas empregadas na economia informal são, por norma, menos instruídas, ou menos preparadas para enfrentar as exigências do emprego na economia formal. Por outras palavras, são pessoas com pouca instrução. As estatísticas do número de crianças que ficam fora do sistema de ensino, anualmente, repercutem-se no exército de pessoas sem instrução, que não lhes resta alternativa, a não ser engrossar o exército de desempregados, sujeitando-se ao emprego hiperprecário na economia informal. Adicionalmente, a baixa qualidade de ensino manifesta-se no número de graduados das nossas escolas, sejam elas de ensino médio ou superior, com dificuldades de encontrar oportunidades de trabalho no mercado formal. Li, há tempos, a história de um jovem formado em Arquitectura, se a memória não me falha, num dos países do Leste Europeu, que sobrevivia trabalhando como "roboteiro" (pessoas que transportam mercadorias em carro-de-mão artesanal), tentou tudo que podia e não conseguiu uma oportunidade e, para sobreviver, não teve alternativa, senão agarrar "biscatos" como roboteiro. Entretanto, fiquei com o sentimento de que a universidade teria passado por este jovem, e não o inverso. Não absorveu conhecimentos, o saber fazer, que lhe permitissem o mínimo de conhecimento, para dar os primeiros passos por si mesmo? A arquitectura é uma arte, creio que podia se aventurar fazer algo diferente.

Há, entretanto, algo que o sector formal da economia devia aprender, que é a forma como as actividades da economia informal se desenvolvem nos mercados de Angola. Os processos, tal como a cedência de crédito, a confiança entre os operadores, a forma como se contrapõem as adversidades da economia formal, essencialmente, a desvalorização da moeda e a inflação, levam-me a crer que está mais bem estruturada e resiliente que a economia formal. Se não vejamos! A cedência de crédito e a venda a crédito, no mercado informal, funciona em perfeição. Os contratos e acordos são cumpridos à letra. Só assim se explica a sua continuidade. Uma dessas vezes ouvi a explicação de uma quínguila (vendedora de moeda estrangeira) da razão de ser da alta do dólar no mercado informal, que me fez lembrar o manual de economia de Samuelson e Nordhaus. Por vezes, compro fruta a um grupo de senhoras que me vendem frutas ao crédito, sem me fazerem qualquer questionamento. Igualmente, tenho conhecimento de que o "kilapi" (termo em kimbundu que significa empréstimo) funciona perfeitamente bem entre os comerciantes no mercado informal, há quem ganhe a vida emprestando dinheiro aos outros. Se a actividade prospera, é porque tem retorno.

Creio não haver uma solução simples, pois estamos perante um problema complexo, agravado por anos de percalços de políticas públicas, entre elas, as políticas da educação, infra-estruturas e a degradação das condições sociais no meio rural. Contudo, estou convencido de que é possível reverter progressivamente o quadro, reduzindo o número de pessoas dependentes das actividades informais para o sector agrícola, pelo facto de ser o sector com o maior potencial de empregabilidade dessas pessoas, de um baixo nível de instrução, que não é reversível em tão pouco tempo. Implementando programas que atraiam as pessoas para as actividades que criam valor, a produção. A maioria das actividades do sector informal da economia assenta na esfera da circulação (comércio), é preciso fazer que as pessoas voltem a produzir, voltem a cultivar batata e não vender batata. Se as pessoas perceberem que na produção ganham mais voltarão, certamente, a dedicar-se à agricultura, mas é preciso que os apoios sejam providos por quem de direito. Se o fomento e extensão rural forem tomados com seriedade, em parcerias público-privadas, tenho fé que milhares de pessoas voltarão ao campo. Aliás, há projectos de fomento e extensão rural em curso, absorvendo a produção dos agricultores, com resultados muito encorajadores, trazendo muitas pessoas à agricultura. O sector agrícola é o único com o potencial de absorver essas pessoas. Não menos importante é a necessidade urgente de as escolas combinarem a teoria à prática nas aulas. Graduar estudantes que nunca fizeram uma experiência prática de uma cultura e dar-lhe o diploma de engenheiro ou técnico agrícola é enganoso, se não mesmo criminoso. Precisamos de reconverter o exército de indiferenciados aglomerados diariamente nos mercados informais, em pessoas produtivas, levando-os aos campos, onde devem encontrar condições condignas de sobrevivência, em vez do emprego de recurso nos mercados informais dos grandes aglomerados populacionais (cidades).

*Economista