Deixámos de incomodar as autoridades. Gerimos a água, "cartando" ou comprando das imortais cisternas e, com lixívia no "bidon", operamos o milagre para que se torne potável. A luz da vela ou o trapo na garrafa com gasolina continua a ser a solução da luta contra a escuridão que persiste no século XXI, que insiste em atormentar os que têm menos e são a maioria da população. Gerimos a doença com recurso às ervas e às rezas, porque, na maioria das vezes, não há dinheiro para comprar os medicamentos. A educação nos bairros ainda surge em quintais onde o povo se junta para permitir que os excluídos do sistema ainda consigam acreditar que também podem ter um futuro que seja capaz de contrariar a hereditariedade da pobreza. Somos topógrafos ajuramentados e todos os dias notificamos novos buracos que surgem no asfalto em todo o País, para não sermos engolidos por nenhuma cratera desautorizada. Os conflitos são resolvidos em reuniões familiares porque o tribunal é uma instância longínqua para um povo descalço e no limite adoptamos a solução do que "se lixe", pois, os nossos anorécticos bolsos não podem pagar nenhum tipo de defesa. Todos os dias milhões de mães são obrigadas a decidir se compram vela, água ou comida, ter os três ao mesmo tempo é um luxo que a maioria não pode almejar. Transportamo-nos em "táxis" lotados que oferecem um emagrecimento forçado isento de ginásio e garantem a presença diária em milhões de empregos que permitem que o País ainda funcione. Queimamos o lixo que os governos provinciais se mostraram incapazes de tratar e somos vítimas dos efeitos destes fumos a todos os níveis nefastos para a saúde. Tentamos driblar o mosquito, que é o nosso mais feroz assassino, que sabe que não podemos viver o dia inteiro enrolados num mosquiteiro e que nos morde sem piedade porque vive no paraíso da podridão que se multiplica todos os dias perante a inércia da ausência de um saneamento eficaz que em 47 anos nunca foi uma prioridade. A eficiência popular contribuiu para o nascimento de uma série de novas profissões: roboteiros, bagageiros, kínguilas, micheiros, chamateiros, atravessadores de peões nas lagoas, instaladores de "gatos", marinheiros-candongueiros, lotadadores, balatadores, muambeiras entre outros o que é prova deste espírito empreendedor que faz omeletes mesmos quando não tem ovos. Construiu milhões de casas para si, com as suas mãos porque as casas que deviam ser sociais nunca foram para eles. Criou um sistema de crédito popular KIXIKILA, que não precisa de directores que envergam fatinhos slim, que não tem "malparados", não exige filiação partidária e garante uma poupança sem a qual muita gente jamais teria conseguido comprar uma arca ou iniciado um pequeno negócio. A eficiência popular conseguiu sempre estar à frente das medidas administrativas que são criadas para disciplinar, mas que, no fim do dia, são promotoras de novos tipos de micha. Aprenderam a fazer listas para garantir justiça nas instituições públicas, contrariando, assim, a tramoia do agente, do segurança ou de alguns funcionários atrevidos que priorizam quem paga em detrimento de quem chegou primeiro. A população mais jovem, que vem todos os dias das províncias, antes por causa da guerra, hoje por causa da fome e do desemprego, nas ruas, estabelece novos mercados de trabalho, desenvolve micro negócios de utilidade pública, desde o arranjo de telemóveis à costura de vão de escada, do "fumado dos vidros" à preparação de "xandulas", dos "manicuros" à venda de tudo o que possa ser transportado apenas em duas mãos. O povo tem aguentado todas as dores sem rancor e tem sabido encontrar soluções "despadronizadas" resistindo às agressões cometidas pelas mesmas autoridades que nunca foram capazes de governar com genialidade garantindo os seus direitos elementares. Mas agora o povo tem novos desafios. Como fazer nascer a necessidade de garantir igualdade de direitos à nascença? Como participar nas decisões que falam de si, mas não o incluem? Como sair da periferia do Índice de Desenvolvimento Humano que nos mantém reféns das piores classificações? Como garantir uma educação de qualidade sem a qual o progresso e até a soberania estarão ameaçados? Cientes de que estamos a viver um momento estranho, em todos os sentidos, que as palavras que pretendiam levar-nos à GLÓRIA, infelizmente não foram audazes na sua implementação nem foram verdadeiras na sua intenção, em ano eleitoral já não serão admitidas quaisquer intenções que sejam contrárias à sobrevivência e felicidade dos eleitores. Os partidos políticos terão que construir genialidade, terão que provar como e quando vão abandonar o acessório e garantir a prioridade. Quando e como serão capazes de encontrar soluções para os velhos problemas, cuja garantia de resolução escutamos desde 1992 e em 30 anos, dos quais 20 são em tempo de paz, nunca vimos saírem da intenção. A eficiência popular está atenta, montou dispositivos de controlo das eleições, está a participar activamente no registo eleitoral, muitas vezes ficando horas nas filas, porque não quer deixar de garantir o seu futuro. A juventude está atenta a todos os malabarismos, a maioria um Déjà Vu de outras eleições, pois a imaginação infelizmente não abunda. A juventude angolana ganhou competências fiscalizadoras, das redes sociais aos murais do bairro, dos panfletos em folhas A4 que circulam e avivam empolgantes debates ao grafite, rap, teatro, humor e a poesia têm sido armas solidárias para o combate à negação do acesso aos Direitos. A descrença tomou conta dos mais jovens. Deixaram de acreditar nos políticos que ostentam grandes barrigas e vidas isentas de insuficiência. Deixaram de acreditar nos milagres institucionais que se acumulam sem resolução a cada 5 anos. Não duvido que, se os representantes do povo, que não são vistos a defender nenhuma causa, nenhuma dor, nem a fiscalizar atitudes inaceitáveis do Governo, exigindo a reposição da legalidade, se se ausentassem por tempo indeterminado, ninguém iria notar, porque a sua presença no dia a dia e na vida de milhões de angolanos não sai do ecrã dos telejornais e, na verdade, passaram a ser dispensáveis no momento em que a eficiência popular conseguiu garantir os mínimos olímpicos da sobrevivência básica. E é em nome desta eficiência que estamos perante um momento único na história de Angola. O momento em que o povo ganhou consciência e percebeu o seu poder.