Com o governo militar no poder em Bamako (capital do Mali) apoiado pelos russos e o seu Grupo Wagner e a recente aquisição de poder aéreo e outras munições, será que a JNIM pode facilmente derrubar a capital?

Passo a explicar a minha visão sobre a presente situação do país africano e as consequências (internas e externas).

Primeiramente, é preciso compreender as motivações e pontos fortes por detrás dos ganhos da JNIM no Mali, que colocam a capital do Mali em risco.

Para o leitores que não estão tão por dentro do tema, resumidamente, Bamako está seriamente ameaçada e fala-se já de um controlo por parte dos extremistas, mesmo com a presença do Grupo Wagner no país.

O leitor pode duvidar desta repentina investida e da falta de forças de segurança que travem a impulsão da jihad na capital do país africano, no entanto, este não seria um caso raro.

Se saltarmos para o início de 2021, quando se tornou evidente que os talibã estavam a ganhar terreno nas regiões rurais do Afeganistão, poucos acreditavam da capacidade do grupo para tomar Cabul face ao que viam como sendo "forças de segurança afegãs bem equipadas". Ora, em Agosto a história mudou, como todos sabemos...

Voltando ao Mali, se o grupo terrorista ocupar a capital Bamako, muitas fenómenos poderão surgir e mudar drasticamente as dinâmicas a nível interno, regional, continental e, até mesmo, global, sendo a Europa o segundo continente mais afetado (depois de África), num curto-médio prazo.

Vejamos...

A nível doméstico, o grupo já mostrou quais as suas pretensões, caso assuma o controlo do país. Antes do ISIS ter estabelecido um califado no Iraque e na Síria, Ansar al-Din tinha criado um no norte do Mali em 2011/2012.

A sua égide baseia-se na forma mais rigorosa da Sharia. Isto significa que, tal como os talibã no Afeganistão, a JNIM não vai oferecer nenhuma governação convencional para além da sua interpretação literal das crenças e princípios medievais. A educação das raparigas, os direitos das mulheres e as liberdades individuais serão radicalmente erradicados.

A nível regional, a JNIM tomar Bamako significaria que sete outros países da região iriam partilhar fronteiras com terroristas: Senegal, Guiné, Costa do Marfim, Burkina Faso, Níger, Argélia e Mauritânia. Com todos estes Estados com populações muçulmanas significativas, algumas das quais provavelmente susceptíveis à radicalização, as consequências podem ser ainda mais catastróficas.

Mais, alguns Estados, a fim de assegurar as suas fronteiras, podem tentar envolver-se com os extremistas e dar-lhes alguma forma de reconhecimento e notoriedade (soberana) - o que não seria uma surpresa.

Caso isto aconteça, o estatuto do Mali como elo de ligação entre a África Ocidental costeira e o Norte de África será posto em perigo. Considerando a dimensão do país, isto criaria perturbações na comunicação e no transporte, para além do aceleramento e agravamento da onda migratória que já se encontra em curso, com grandes dimensões.

A nível mundial, estaríamos na presença de mais um território-refúgio, com logística e conforto para planear mais ataques contra alvos europeus, americanos, mas também asiáticos.

A estratégia ocidental do início do século, com missões objetivas para o combater e erradicar o terrorismo, parece cada vez mais distante e abandonada, estando a observar-se um novo paradigma, com o florescimento de mais ameaças, outrora vividas e sofridas de perto pelos ocidentais, do terrorismo transnacional contemporâneo.

Não obstante toda a questão securitária, é bom recordar que o Ocidente tem na África Ocidental um grande foco de interesse económico, que não é negado. Se o mercado internacional já está aos abanões por inúmeros motivos, problemas com mais matérias-primas levar-nos-ia a um agravamento da situação económica. Basta relembrar: cacau na Costa do Marfim, ouro no Gana, fosfato no Togo, petróleo na Nigéria, madeira nos Camarões, bauxite na Guiné. Todos estes sectores, nestas regiões, têm pesados investimentos ocidentais. Todos estes setores estão, neste momento, bastante ameaçados.

Ficou provado neste texto (se dúvidas ainda existissem) que a situação no Mali é um assunto de todos. A comunidade internacional tem de ser mais proativa em arranjar soluções para travar o avanço da Al-Qaeda no país e, diga-se, na região do Sahel.

Para melhores resultados, as diferenças devem ser postas de lado por todas as partes interessadas.

Precisam-se de medidas urgentes, para uma situação urgente, sob pena de sofrermos (todos) diretamente as consequências de um problema cuja resolução adiámos e cujas ameças não mitigámos.