Em boa verdade, os territórios sob dominação colonial em África já eram alvo do interesse judaico desde longa data. Em 1886, Abraham Anahory, um eminente judeu de Lisboa, já propusera Angola, nomeadamente a zona dos planaltos, como possível destino de uma migração maciça de judeus a partir da Europa, particularmente da Rússia e da Roménia. Falou-se mais tarde do Uganda e de Moçambique.

A Organização Territorialista apenas subscreveu a tese de Wolf Terlo, um enólogo judeu residente em Portugal, a que se juntou Alfredo Bensaúde, mineralogista e professor do Instituto Industrial e Comercial. Segundo a escritora portuguesa Ester Mucznick, foram eles a "apresentar a ideia dos colonatos, em primeiro lugar ao advogado José d"Almada, um funcionário do Ministério das Colónias de Portugal. "

Como atrás se disse, o projecto jamais sairia do papel, devido a uma envolvência extraordinária de factores impeditivos, sobretudo factores políticos de ordem externa. A nível interno, surpreendentemente, a ideia parecia interessar a Portugal, pela simples razão de que não tinha muitas alternativas para contrapor as crescentes pretensões de outras potências europeias interessadas nos territórios africanos em sua posse. Esses intentos verificavam-se, sobretudo, por parte da Alemanha e da Inglaterra.

Na pesquisa que realizámos e que o Novo Jornal dará a estampa em próximas edições, pareceu-nos óbvia a necessidade e incontornável, o interesse de enquadrar historicamente as linhas mestras do projecto da Organização Territorialista Judaica, uma vez que o assunto continua pouco conhecido em Angola e mesmo em Portugal. Assim, volto a abordar o assunto dos judeus em Angola, após o mesmo ter hibernado por longo tempo no baú do esquecimento. Não obstante os anos passados, o tabu permanece. Não restam dúvidas de que se trata de um tema complexo e, provavelmente polémico, por eventuais conexões que se lhes podem aduzir.

Experimento a mesma sensação que arrasou Henry Sobel, quando escreveu o prefácio da edição brasileira de um livro fascinante e perturbador de Jacques Attali. A obra analisa, de forma brilhante e extensa, as possíveis razões históricas, sociais e teológicas que permitiram que os judeus se catapultassem para o domínio das finanças internacionais, municiando em contraponto, o tradicional leque de inimigos e detractores anti-semitas, que vão desde os cristãos que acusaram os judeus de "terem sugado o sangue de Cristo" até ao acicatar das versões mais perversas do fundamentalismo Islâmico.

Jacques Attali é um judeu francês de ascendência argelina, um Guru em matéria de banca e finanças. Funcionou no Eliseu como conselheiro especial do Presidente François Miterrand durante 10 anos, na década de 80. Actualmente, é um dos intelectuais mais respeitados no seu país, a França. Publicou dezenas de obras literárias, entre as quais o polémico "Les juifs, lárgent et le monde", publicado no Brasil em 2011 pela Editora Saraiva, com uma tradução literal do sugestivo título original: "Os judeus, o dinheiro e o mundo".

No prefácio, Henry I. Sobel, que é o presidente do Rabinato da Congregação Israelita de São Paulo, disse, num sincero assomo de desencanto e perplexidade: "Preferia que tal obra jamais tivesse sido escrita". E por aqui não ficou. No limite, não suportou o irreprimível melindre pelo facto de J. Attali, o autor, ter esmiuçado a relação "supostamente obsessiva" que se estabeleceu entre os judeus e o dinheiro, desde tempos remotos. "Não entendo-frisou o rabino-porque uma pessoa esclarecida queira retomar o assunto logo agora, numa época em que o anti-semitismo dá sérios sinais de recrudescimento no mundo inteiro".

O único conforto nas palavras escritas pelo rabino de São Paulo é que o autor, já na etapa final do livro, por intermédio de novas interpretações de factos já conhecidos, conseguiu comprovar a salvadora tese, segundo a qual o propalado apego dos judeus ao dinheiro não resultou de uma "opção", mas, sim, de uma "imposição" de factores circunstanciais. É uma consequência dos seculares exílios, das perseguições e da dispersão, desde as viagens dos patriarcas, com a peregrinação pelo deserto do Sinai a caminho da Terra Prometida. Resultou destas circunstâncias, que "o dinheiro foi o único bem portátil dos judeus e o seu privilegiado instrumento de sobrevivência".

De facto, tal como sucedera com Henry Sobel, a bola viria a sobrar irremediavelmente para mim, desde o momento em que o jornalista Itamar Souza publicou, na edição de Julho de 2013 da revista África 21, um artigo com o título "Judeus, o destino passou por Benguela", no qual alude ao projecto de instalação de uma colónia de 600 mil judeus em Angola, empreitada sonhada por um grupo de intelectuais judeus, entre os quais Alfredo Bensaúde, Jacob Teitel, Wolf Terló e Israel Zangwill, isso no início do século XX. No entanto, os 159 colonatos previstos nunca chegaram a ser instalados nas terras férteis vale do Cavaco, no litoral de Benguela, onde "não existiam árabes palestinianos".

Nunca se viria a concretizar uma migração em massa de judeus da Europa e do Norte de África, rumo à colónia portuguesa de Angola, com o fito de se instalarem, conforme pretenderam Alfredo Bensaúde e seus pares.

As gerações de angolanos que existem actualmente com sangue judaico descendem dos judeus sefarditas que transitaram do Norte de África para a Península Ibérica, sobretudo Portugal, onde foram convertidos como cristãos-novos. Chegaram esparsamente a Angola, na segunda metade do século XIX. Eles não tinham quaisquer ligações com os planos de Israel Zangwil e Alfredo Bensaúde. A investigadora Aida Freudenthal menciona uma reduzida lista com os nomes de famílias amestiçadas em Angola, entre as quais despontam Amzalak, Ashai, Azulay, Bendrao, Benchimol, Benoliel e Cohen.

A procura de traços identitários de uma possível comunidade de descendentes judeus em Angola chegou a interessar à Dra. Tamar Golan, que ocupou o cargo de primeira embaixadora plenipotenciária de Israel em Angola, entre 1995 e 2001. Ela ficaria em Angola até 2003.

A existirem esses descendentes, com que matrizes se caracterizam actualmente? Mantêm, em comunidade, os traços da milenar religiosidade e cultura judaicas ou simplesmente se converteram ao cristianismo? Ou será que as suas manifestações ancestrais se diluíram simplesmente nas práticas sincréticas dos cultos africanos?

Creio, igualmente, ser um elemento a considerar a delicada situação: Será que os angolanos, detentores de ascendência judaica, estariam na disposição de aceitarem publicamente serem eles, também, judeus? Após a independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975, alguns tinham conseguido ascender a lugares de destaque na hierarquia angolana. Para muitos deles, talvez não tenha interesse a exposição das suas raízes judaicas. Preferirão, provavelmente, o silêncio, a fim de evitar mal-entendidos e a eventualidade da acção de sectores arreigados a atávicos preconceitos anti-semitas.

*Jornalista e Advogado