O desfile académico era um dos grandes momentos do ano, envolvia todas as faculdades e os estudantes, a reitoria, a direcção de faculdades e professores também faziam parte da grande festa. Há muito para contar da UCAN, mas não cabe tudo num editorial e há necessidade de começarmos a preparar um livro e testemunhos para os seus 23 anos. Parabéns, UCAN!

Praça do Savimbi: No tempo do conflito armado, bem nos finais da década de 80, vivia na Samba e estudava na escola Ngola Kiluanje e, na caminhada diária para as aulas, tinha passagem obrigatória pelo interior de um mercado na zona do Prenda. Eram companheiros desta caminhada Cláudio Patrício "Peticha", Luís, Jordão Mendes, Danilson Espírito Santo, Diogo de Jesus e Ginito. Ali fazíamos uma paragem por duas das suas preciosidades gastronómicas: o pão com chouriço e o pão com mabanga. Ouvíamos as conversas das vendedeiras, as suas discussões, a alegria dos dias de boa vendas, a tristeza pelas dificuldades da vida e da guerra que teimava em não acabar. Aquele mercado tinha certa dinâmica e animação. Era um mercado suis generis quer pela sua localização, quer pela configuração e organização. Mas o que na altura nos causava certa preocupação e admiração era mesmo o seu nome: Praça do Savimbi! Num tempo em que era proibido mencionar sequer o seu nome e havia um mercado com o seu nome? Era difícil perceber que logo ali no Prenda e bem próximo da escola Augusto Ngangula (hoje Simione Mucune) e não muito distante da zona onde viviam figuras como Faustino Muteka, Alexandre Rodrigues "Kito", Santana Pitra "Petroff" e outras individualidades havia um mercado com aquele nome. Estariam as Brigadas Populares de Vigilância (BPV) e a Organização de Defesa Popular (ODP) distraídas? Como era possível naquela altura e naquele contexto existir um mercado com o nome de Jonas Savimbi? Nem Agostinho Neto e Holden Roberto tinham um mercado de "nomeação popular". Acho que nem o próprio Jonas Savimbi soube da existência de tal mercado e nem o chegou a visitar. Soube que o mercado ainda existe, tem a mesma localização e algumas alterações na sua configuração. E quanto ao nome? Continua o mesmo: Praça do Savimbi. Só já não vendem o pão com chouriço e pão com mabangas daqueles tempos. Agora que se assinalam 20 anos da sua morte em combate, é importante partilhar uma história do seu nome e de um mercado que marcou gerações.

Farol da Ferraria: Na semana de celebração do aniversário natalício de Simão Toco (104 anos), retomo aqui nuances de uma visita que acompanhei, em Agosto de 2018, de uma caravana da Igreja Tocoísta à Ilha de São Vicente, região autónoma dos Açores. Em 1963, as autoridades coloniais portuguesas, conhecedoras da capacidade de mobilização, influência e prestígio de Simão Gonçalves Toco junto das populações angolanas, decidem enviá-lo com a família (esposa, filhas e sobrinho) para um exílio forçado na Ilha de São Miguel, nos Açores, em Portugal. O profeta e nacionalista angolano permaneceu em Portugal durante 11 anos (1963-1974) e trabalhou como ajudante de faroleiro no conhecido Farol da Ferraria, localizado em Ginetes.
Os acontecimentos do 25 de Abril de 1974 e a consequente queda do regime salazarista em Portugal tiveram influência na sua libertação a 31 de Maio do mesmo ano. Durante o período em que esteve no Farol da Ferraria, Simão Toco não esmoreceu no seguimento da sua missão de fé, na independência de Angola e libertação dos angolanos do jugo colonial, tendo organizado uma interessante e eficiente rede de comunicação que lhe terá permitido enviar milhares de cartas aos membros da Igreja Tocoísta em Angola, firmando laços que lhe permitiriam estar activo e manter viva a liderança desse movimento religioso nacional. A passagem de Simão Toco pelo Farol da Ferraria teve o merecido reconhecimento do Governo Regional dos Açores, que, através da Capitania do Porto de Ponta Delgada, procedeu, no dia 02 de Agosto de 2018, ao descerramento de uma placa simbólica que perpetua a sua passagem pelo local.
A relação histórica e afectiva desta presença angolana nos Açores. Com a colocação de uma placa simbólica e representativa, foi destacada na mensagem do chefe da Capitania do Porto de Ponta Delgada, Capitão-de-Mar-e-Guerra José Zacarias da Cruz Martins. A placa está no núcleo museológico do farol e, de acordo com as autoridades marítimas locais, trata-se de um "facto histórico que é inusitado e único na história dos faróis da região" e " é com muito gosto que fazemos este reconhecimento, pois faz todo o sentido preservar e lembrar este facto histórico". É a História de Angola que passa pelos Açores através da longa presença de Simão Toco e que tive a honra de começar a retratar em reportagens desde Maio de 2017.