Apetece-me, primeiro, relembrar e contextualizar o caminho que fizemos até agora. Este ano, fazem 20 anos sobre o fim da guerra civil. É verdade, a guerra civil terminou em 2002, não foi assim há tanto tempo como muitos, que a não viveram ou estiveram longe dela, o querem fazer ver. Aliás, apenas passaram 47 anos desde a independência nacional e apenas em 2008 tivemos as primeiras eleições do pós-guerra, sejam elas da independência ou civil.

Faço este exercício não para eternizar o legado histórico, mas porque, se analisarmos o nosso caminho enquanto Nação em comparação com outras nações, latitudes e história, iremos compreender o quanto jovem e frágil é ainda a nossa democracia.

Esta é a cronologia da história da nossa jovem Nação e do nosso processo de construção do sistema democrático no caminho da paz e reconciliação nacional. Esse percurso foi, a partir de 2004, acompanhado por um período de grande crescimento do preço do petróleo e com ele deveria ser possível iniciar a reconstrução de um País que se encontrava de rastos. É verdade que o nosso País tem um enorme potencial e grandes recursos naturais, mas não sejamos inocentes, o nosso País sempre foi entendido como uma "mina de ouro" para todos os que se aproximam de nós. Nunca foi tanto o interesse por fazer o caminho connosco, foi sempre mais o perceber como ganhar connosco. Portanto, recomeçar depois de uma guerra da independência e de uma guerra civil é algo que os que não passaram por esses tempos poderão ter mais dificuldade em perceber e que é muito fácil julgar. Como costumo dizer, é preciso sentir as pessoas, as ruas, o campo, as populações, as mães, as pessoas e as suas circunstâncias, para perceber o quão grande é a responsabilidade que temos, a começar pelas nossas lideranças.

Na primeira década deste século, o petróleo subiu muito e com ele começaram a sentir-se os primeiros disparates, que foram andando sem ninguém os querer encarar de frente e alguns se tornaram verdadeiros "elefantes na sala" e, por isso, chegados a 2017, compreendeu-se que era necessário encontrar um novo rumo, de moralização e de recentrar das prioridades, sobretudo para políticas públicas que fossem ao encontro das necessidades extremas e expectativas da sociedade, como um todo.

Em termos internacionais, nesse mesmo ano, o petróleo estava ainda em queda acentuada, e Angola sofria com isso e, em termos internos, a crise fazia-se sentir, não apenas uma crise económica, mas, sobretudo, social. Impunha-se "arrumar" a casa, lutar contra a corrupção, sabendo que, para tal, se iriam criar muitas tensões na sociedade angolana. Nós não temos uma cultura de rigor, temos de saber analisar as nossas forças e fraquezas. Nós temos dificuldades em admitir os erros colectivos, de criar consensos, onde temos de impor regras e metodologias, de entender a nossa forma de ser e de viver e, por isso, gostamos de pensar que na dúvida a responsabilidade é, apenas, de quem nos governa.

Depois, em 2020 chegou um problema global chamado Covid-19 e, se a pandemia tem sido um problema para os países mais ricos e com melhores infra-estruturas, teria também de o ser para um país em reconstrução como o nosso. Foram vezes sem conta que ouvi em conversas na Europa a piada do costume de que não tínhamos de nos preocupar com a Covid, porque já tínhamos muito que nos preocupar com a malária. É fácil brincar com os problemas dos outros, e acredito que muitos políticos do "Velho mundo" teriam dificuldades em resolver a nossa equação de reconstruir um país e gerir uma pandemia em simultâneo. Mas, quis ir verificar os números do Banco Mundial para perceber o que se diz sobre o nosso País, o que as outras economias pensam sobre nós e descobri que o Banco Mundial refere que "em 2021, a economia angolana mostrou sinais de recuperação e estima-se que tenha saído do longo ciclo recessivo com um crescimento real do PIB de 0,2%. O sector não-petrolífero recuperou, apoiado pela eliminação das restrições relacionadas com a Covid-19 e pelo impacto desfasado das reformas macroeconómicas. Isso compensou uma nova contracção do sector petrolífero que diminuiu apesar do aumento dos preços do petróleo. As perspectivas para 2022 são favoráveis, especialmente devido à subida contínua dos preços do petróleo e a um aumento temporário dos níveis de produção. Uma vez que a transformação de um modelo económico liderado pelo Estado e financiado pelo petróleo para um modelo de crescimento liderado pelo sector privado é um processo complexo e a longo-prazo, o sector petrolífero continuará a desempenhar papel importante durante o período de transição. Contudo, os contínuos esforços governamentais para diversificar a economia têm impulsionado o crescimento do sector não-petrolífero." Acrescenta o Banco Mundial: "Nos últimos anos, a estabilidade macroeconómica tem sido salvaguardada através de um regime cambial mais flexível, política monetária adequada, prudência fiscal, e reescalonamento da dívida com os principais credores bilaterais. As principais reformas realizadas desde 2017 incluem a Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Privatização. "Mais acrescenta o Banco Mundial que "Globalmente, as reformas macroeconómicas de Angola já estão a produzir alguns resultados positivos à medida que a actividade económica não-petrolífera se expandiu antes e depois do choque da COVID-19, como indicado pelo crescimento de 41% nas exportações não-petrolíferas em 2021".

Mas, há ainda novos factos que merecem muito crédito, e aqui acrescento eu o facto de Angola ter sido admitida, em Junho, como membro da Iniciativa para a Transparência nas Indústrias Extractivas (ITIE), um importantíssimo passo no compromisso de continuar a melhorar os processos de supervisão da gestão transparente dos nossos recursos minerais. Então, aqui chegados, temos de nos questionar, onde reside o desafio, num período como o que vivemos, o de eleições?

E eu respondo: Na necessidade urgente da criação de um ambiente colectivo, de onde ressalte a consciência e a responsabilidade dos políticos e dos partidos políticos, no sentido de terem presente que o seu papel se condiciona à vontade dos eleitores, que, por sua vez, depositam a confiança na sua liderança, para que se possa, para além da retórica dos programas políticos, continuar este caminho de construção de uma cidadania responsável, inclusiva, em que todos os actores da sociedade se possam rever, neste direito constitucional de fazer as suas opções de forma livre, consciente e, igualmente responsável, muito na linha da junção de uma paz perpétua Kantiana e da aplicabilidade prática do conceito Ubuntu.

Custa-me que se discutam questões pessoais durante a campanha eleitoral, aliás ressalvo que este ano temos mais partidos a concorrer, o que é muito positivo, mas dizia, custa-me que se discutam pessoas, diminuindo a credibilidade deste momento único, ou processos de intenção e não se reflicta profundamente sobre o caminho que temos pela frente e como o vamos fazer. Para além de não nos lembrarmos que sempre que há um pleito eleitoral, novos jovens são chamados a exercer o dever cívico de votar vote que deveriam encontrar um testemunho sólido de todos nós, de que vale a pena participar nesse momento especial que são as eleições. Angola tem mantido a estabilidade política desde o fim da guerra civil de 27 anos em 2002, sendo um exemplo, o que a recolocou no seu papel de liderança, no continente africano, reconhecido pelas organizações internacionais e pelas grandes potenciais mundiais. Com maiores ou menores defeitos, muitas coisas já foram feitas, muitas infra-estruturas que estavam destruídas estão reestabelecidas, muita agro-indústria que começa finalmente a mostrar a sua vitalidade. Agora, é chegado o momento de intensificar as políticas públicas, sobretudo nas áreas da educação, saúde e justiça social, de forma concreta, junto da população, visando a harmonização das naturais diferenças de mentalidades, criando o compromisso entre gerações de aprofundar o sistema democrático de forma responsável, envolvendo e tendo em conta os fazedores de opinião, a comunicação social, a academia e a sociedade civil, na busca das melhores soluções do futuro, que já começou.

Escrevo este texto a partir do Quénia, onde me encontro na qualidade de observador especialista indicado pela Comissão da União Africana (CUA), numa missão de observação para as eleições gerais marcadas para 9 de Agosto. Sinto, o sentimento do povo queniano que, tal como nós, pretende a participação na vida política, através do voto, mas com estabilidade, sem extremismos, com foco na diminuição de clivagens e desigualdades, orientada para o desenvolvimento e pelo respeito das Instituições. Pois só assim os partidos políticos e os seus líderes serão merecedores do voto de confiança do Povo. n


*Professor Catedrático/ Professor da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto.

Professor Convidado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

Director/CEJES - Centro de Estudos de Ciências Jurídico-Económicase Sociais da Universidade Agostinho Neto.