Do futebol ao andebol, do basquetebol ao atletismo, da natação ao boxe, enfim, quase todas as modalidades praticadas em Angola e consideradas "prioritárias" pela entidade gestora da política desportiva do País beneficiaram de contactos internacionais e consequentes ganhos de conhecimento que mais tarde resultaram em vitórias.
Até 1990, altura em que a matriz económica do País migrou da economia centralizada, de inspiração socialista, para a economia de mercado livre, Angola era uma presença constante em grandes ou pequenos eventos desportivos continentais e regionais. Com frequência, clubes ou Selecções Nacionais participavam em provas da Zona IV, do continente ou do mundo. E não iam apenas as modalidades mais populares como o andebol, o basquetebol ou o futebol. O voleibol, o ténis de campo, o xadrez, o taekwon-do, quase todas as modalidades estavam em movimento contínuo.
Mesmo quando não havia competições oficiais num horizonte temporal próximo, era comum, por exemplo, a Selecção Nacional de atletismo ir à Bulgária, à RDA ou à Itália estagiar. Nesses períodos preparatórios, técnicos, atletas e dirigentes aprenderam imenso. Foi seguramente por isso que Angola teve atletas de ponta, principalmente nas disciplinas técnicas. Na década de 1980, António Santos foi campeão africano do triplo-salto, Filomena Silva chegou ao pódio continental e António Reais (lançador de dardo e martelo) era nome grande do atletismo africano. Essa geração de atletas beneficiou do melhor que podia ter em matéria de aprendizado, pois, à época, o Leste da Europa tinha laboratórios de referência mundial no desporto.
A vontade de ter equipas muito bem preparadas e um desporto respeitável em África e no mundo já levou ao absurdo de parar o Girabola por dois meses, para permitir estágios da Selecção Nacional de futebol. Também era rotineiro representações nacionais, em qualquer modalidade, serem dispensadas no meio de uma competição oficial doméstica para atender a convites de última hora, principalmente os procedentes de "países amigos", como então era comum designar-se as nações do extinto Pacto de Varsóvia e outras que gravitavam na sua órbita.
Toda esta movimentação se estribava num conjunto de acordos de formação e cooperação bilateral com vários países, como a RDA e a antiga União Soviética e Cuba à cabeça. Mas não apenas estes. Com o Ocidente também houve importantes trocas de experiência, sendo exemplo disso mesmo as presenças do andebol nacional em eventos internacionais de renome como a Interamia, na Itália, e a XiraCup, em Portugal, provas reservadas a equipas dos escalões de formação.
Os primeiros títulos africanos conquistados por Angola foram resultado desse investimento do Estado. Há gerações de andebolistas campeãs continentais que tiveram passagem pela Interamia e pela XiraCup. Elas aprenderam a competir ao mais alto nível desde tenra idade desportiva. Por isso é que na mais das vezes em que estiveram em apuros conseguiram dar a volta ao texto e alcançar os objectivos traçados. Os campeões do atletismo também foram fregueses dos principais centros de estágios do Leste e da Cruz Quebrada, em Portugal. Ou seja, o País semeou e colheu com abundância até um determinado período. Hoje, como se percebe, a colheita é magra, restringindo-se ao andebol. E pode ser que mesmo no andebol os próximos tempos sejam de estiagem.
Os estágios e participações em provas internacionais eram um elemento importante do ADN do desporto nacional. Era difícil passar uma semana sem que uma representação angolana fosse ao exterior. E o mais interessante nisso é que havia consciência que havia etapas a cumprir e, se por qualquer razão, os resultados não fossem os desejados, não se virava cara à luta. Porfiava-se. Provavelmente foi por isso que o basquetebol dominou por quase três décadas. Por esta razão é que a "bola ao cesto" fez conhecer Angola em todo o Mundo com aquela espantosa prestação nos Jogos Olímpicos de Barcelona"92. Não fosse assim, talvez as autoridades teriam desistido da aposta após o que muitos consideraram " fracasso" de Mogadíscio, no "Afrobasket"81". Mas não desistiram. Persistiram. E os resultados são os que nós conhecemos.
Tudo aconteceu num contexto político-social complicado, com o País a fazer um descomunal esforço de guerra, devido às agressões do exército regular da África do Sul da época do Apartheid. Naquela altura, Angola não nadava em dinheiro e vivia com o barril de petróleo nos USD 30,00 e sem possibilidade de lavrar grande parte da imensa e fértil terra angolana, em razão das minas plantadas um pouco por todo o País. Além do mais, a produção beirava os 200 mil barris por dia (bpd) e em 1986 houve um abaixamento drástico do preço, que chegou aos USD 17,00.
Como hoje, no passado o crude também era o principal gerador de receitas do País. Ainda assim, havia sempre dinheiro para o desporto, não apenas federativo, mas também corporativo, escolar e militar. Nesse período, o País organizou eventos desportivos de monta - os II Jogos da África Central e os "Africanos" de andebol e de basquetebol são exemplos perenes. Isto, sem contar com o facto de que directa ou indirectamente a esmagadora maioria dos clubes era sustentada pelo Governo, principalmente quando em representação do País em provas internacionais.
De 2002 a 2014 o barril de petróleo saiu de USD 54,4 para USD 107,4, num contexto de paz, sem esforço de guerra. Mais: a produção de petróleo esteve próximo dos 2 milhões de bpd, antes da crise do preço iniciada em finais de 2014. A isso se acresce o facto de o número de desportistas ter baixado consideravelmente e, na arena internacional, Angola praticamente só competir em três modalidades, designadamente andebol, basquetebol e futebol. À martelada, também podemos incluir no leque o hóquei em patins. Salvo raríssimas excepções, os clubes estão entregues à sua sorte.
Por mais paradoxal que possa parecer, proporcionalmente foi no período da abundância em que menos se investiu no desporto, um valor universalmente adquirido que se ergueu em fenómeno social de relevante importância, uma escola de virtudes que pode ajudar a moldar carácter para o bem que tanto a nossa Sociedade necessita. Custa a acreditar! Obviamente que os guardiões do templo vão falar nas "infra-estruturas" construídas. Não é novidade para ninguém que com o dinheiro gasto poder-se-ia fazer muito mais e melhor, dotando o País de equipamento desportivo de qualidade e não essas coisas que ergueram por aí.
No meio de tanto esbanjamento, dói ver Selecções Nacionais de mãos estendidas à caridade ou a mendigar auxílio institucional que nem sempre é provido na exacta medida da dimensão da sua representatividade. É caso para perguntar de onde saía tanto dinheiro para o desporto na década de 1980...