As conquistas de Angola na arena africana assentaram num plano muito ambicioso de formação de técnicos. Dadas as excelentes relações que o País cultivava com o bloco socialista europeu, muitos técnicos foram melhorar o seu conhecimento em países como a Bulgária, União Soviética, Jugoslávia e, sobretudo, República Democrática Alemã, no prestigiado Instituto de Educação Física e Desportos (DHFK) de Leipzig.
À credenciada escola de Leipzig foram técnicos de quase todas as modalidades, com destaque para o futebol, que forneceu a maior parte dos treinadores que lá passaram. Se nos ativermos aos resultados do nosso desporto, concluiremos que em vários sucessos estão as impressões digitais da DHFK. O técnico André Quitongo orientou o único angolano campeão africano de atletismo, no caso António Santos, que teve de se bater com alguns dos melhores "triplistas" do Mundo. A caminhada vitoriosa de Angola no andebol feminino teve no BackOffice figuras como Norberto Baptista, Beto Ferreira e Jorge Gonçalves "Nhoca". Por razões óbvias, das principais modalidades, só o basquetebol seguiu caminho diferente, optando pela Jugoslávia, então uma potência mundial da modalidade.
Estranhamente, o futebol, modalidade que mais elementos enviou à DHFK, não tem qualquer título significativo, com excepção do "Africano" de Sub-20 de 2001. Outro registo foi a qualificação mundialista de 2006. Coincidência ou não, o técnico Oliveira Gonçalves é também aluno de Leipzig, tal como Rui Teixeira, que levou o 1.º de Maio de Benguela à primeira final do futebol continental, em 1994, já lá vão quase três décadas!
É verdade que ganhar no futebol é mais difícil do que ganhar noutras modalidades, porque o investimento da concorrência é geralmente maior no "desporto-rei". Mas não é menos verdade que as conquistas das modalidades de salão e de pista ocorreram num período dificílimo da história recente do País, com uma guerra atroz que durou décadas. Nessas condições, só um trabalho sério poderia levar a títulos continentais. Por isso, a falta de investimento de grande parte dos países africanos em modalidades de quadra não é desculpa que colha para desculpabilizar os sucessivos fracassos do futebol angolano no plano continental.
O miserável desempenho do futebol nacional em África tem várias explicações, uma das quais a forma despudorada e insaciável como dirigentes "assaltam à mão armada" e à luz do dia os cofres de clubes ou federações que deveriam servir de modo probo. Por não haver um instrumento que permita uma mensuração exacta, é difícil determinar em termos desportivos qual a quota-parte dessa prática tão imoral quanto criminosa no fracasso competitivo. Provavelmente, de acordo com as nossas percepções, andará à volta dos 45%, embora possa ser um pouco mais.
Na nossa opinião de leigos em matéria de ciências do desporto, há outro grande problema que concorre para os resultados pífios do futebol angolano. Trata-se da incapacidade físico-atlética manifestada na alta competição pela generalidade dos jogadores formados em Angola. Essa pecha leva a que os desafios da competição doméstica tenham pouco mais de 30 minutos de tempo útil de jogo. Como consequência, quando defrontam, por exemplo, formações do Norte de África, aos 70 minutos grande parte dos jogadores já estão completamente rotos, suplicando intimamente para que o "calvário" termine quanto antes.
É também essa incapacidade físico-atlética que explica a ausência de jogadores angolanos em equipas do top europeu. Os nossos melhores futebolistas saídos de Angola sequer conseguem adentrar em equipas do top da Liga Portuguesa, que está no fundo da bicha dos melhores campeonatos da Europa. A última grande referência foi Manucho Gonçalves que teve passagem efémera pelo Manchester Utd (Inglaterra) e permaneceu um tempo no Valladolid (Espanha). Ele foi apenas um jogador mediano. Nada que se compare, por exemplo, a um Samuel Eto"o ou um Didier Drogba.
A incapacidade manifestada em campo por grande parte dos nossos futebolistas tem razão de ser: a adulteração de idades. Em regra, quando há catana na idade, o corte costuma ser de dois anos. Mas há casos em que chegam a quatro ou cinco anos. Quase sempre com a cumplicidade de encarregados de educação, técnicos e dirigentes, em busca do que pensam ser sucesso fácil nos escalões de base.
Isto faz com que um juvenil tenha treino de iniciado, um júnior tenha preparo de juvenil e por aí adiante. Resultado: quando esse jogador chega ao escalão principal é incapaz de dar resposta orgânica e muscular às cargas físicas ministradas, obrigando o técnico a moderar. Se insiste, surgem lesões em catadupas. Logo, por mais técnica ou capacidade mental que tenha um futebolista nessas condições, jamais renderá o máximo que pode, porque já está calcinado. Sem rendimento máximo, está-se sempre mais próximo do insucesso, como, desafortunadamente, tem acontecido ao futebol angolano.
Em virtude dos testes de ressonância magnética articular de pulso nas grandes competições internacionais, a prática de adulteração de idades tem estado a diminuir substancialmente. Mas é consabido que esse exame tem uma margem de erro entre um e dois anos, dependendo do aparelho utilizado. Ora, dois anos é exactamente o ponto de poda de grande parte dos falsários. Em face disso, é provável que, com muita sorte, um ou outro gato passe pela finíssima malha.
Para corrigir este problema, faz-se necessário um tremendo investimento das autoridades desportivas para a aquisição de engenhocas que desmarcarem esses embustes. É lógico que não é um exame barato. Mas, se Ministério da Juventude e Desportos, Federações e principalmente Clubes se juntarem, é possível reverter o cenário. Basta haver vontade política de todos os actores para iniciar uma nova etapa do nosso futebol. De outro modo, continuará a ser a mentira denunciada por Victor Giovetty Barros.