Os mais antigos devem estar lembrados de promessas e ilusões idênticas. Iria ser com a Terceira Plenária do Comité Central (1976), com o I Congresso (1977), com a criação da Assembleia do Povo (1980), com o II Congresso (1985), com o SEF (1987), com o fim da guerra (2002) ou, mais recentemente, com o fim da bicefalia (2018). Houve progressos? Certamente! O País está melhor? Exceptuando o alcance da paz, a livre circulação de pessoas e bens e pouco mais, certamente que não está. Principalmente pelo elevadíssimo custo do que se fez de bem, frequentemente ao arrepio de verdadeiras prioridades. Não vou enumerar os muitos indicadores que mostram que País não está melhor. Apenas fazer lembrar, que chatice, os cerca de um terço de pobres e desempregados, as cinco milhões de crianças fora do sistema de ensino e as dezenas de milhar de angolanos que emigraram os últimos cinco anos. Indicadores que explicam níveis jamais vistos de descrença e desesperança entre os angolanos de todas as classes sociais depois da independência.
Agora, chega este Dezembro de grande euforia entre um limitadíssimo número de cidadãos, e de enorme desalento para aqueles que estão a perder entes queridos e parcos bens e humildes residências, culturas agrícolas, animais e outros investimentos, devido, não apenas a agressões climáticas, mas sobretudo à incompetência e incúria de quem concebe, executa e deveria gerir obras hidráulicas de maior ou menor dimensão, que não conhecem trabalhos de limpeza e manutenção, para depois insistirem em atirar culpas para cima dos pobres que constroem em locais impróprios perante a passividade de quem tinha a obrigação de fiscalizar. Com este Dezembro, chegam mais promessas e ilusões, primeiro através do amigo americano que trará investimentos e dólares, e sabe-se lá que mais, depois com o rejuvenescimento do Bureau Político do MPLA - que afinal não foi tanto assim - e com o anúncio da bicefalia rejeitada por perniciosa em 2018 e agora resgatada graças à clarividência da liderança.
Parece ser necessário esclarecer algumas coisinhas. Os investimentos anunciados, na verdade, são financiamentos, e como tal terão de ser pagos, e o equipamento para a energia fotovoltaica louvada é significativamente mais dispendioso em relação a outras opções do mercado. O negócio do Corredor do Lobito nada tem de inédito e muito menos está inserido numa abordagem de desenvolvimento sustentável - adjectivo agora usado sem critério, como se alachasse mal não o fazer - antes é um projecto extractivista com a mesma lógica colonial, e por alargamento neocolonial, dos caminhos de ferro implantados em Angola há mais de um século. Até agora, apenas duas excepções: o investimento numa cadeia de valor do abacate e numa plataforma logística, visando a sua exportação por uma empresa dos Países Baixos; e o financiamento norte-americano (cerca de mil milhões de dólares), supostamente para alavancar a segurança alimentar, em infra-estruturas de armazenamento. Este último deve ser visto com alguma prudência, pois está ligado a um projecto que parece padecer da conhecida doença da megalomania ao anunciar pretender assistir três milhões de agricultores familiares em 2030 (apenas a totalidade do País de acordo com Recenseamento Agropecuário e Pescas de 2020), quando após dois anos de execução somente foram atingidos cerca de 150 mil. O recuo do número de agricultores registado entre 2023 e 2024 devido a problemas organizativos reforça a sugestão de prudência, justificada ainda pelas sempre presentes fragilidades institucionais que condicionarão fortemente o desenvolvimento do Corredor do Lobito.
Regressemos ao Congresso. Sobre a legalidade da sua realização, no que respeita a uma suposta violação dos estatutos do MPLA, as opiniões dividiram-se. O que é natural. Mas apenas na comunicação social privada foi possível ouvir opiniões divergentes ou antagónicas, nunca na privada e muito menos nos debates considerados acesos - como se isso fosse possível num grupo de trabalho de mais de mil pessoas. Por exemplo, o antigo juiz conselheiro do Tribunal Constitucional, Raúl Araújo, entende que a realização do 8.º Congresso pecava por ser ilegal. O facto da opinião de um dos mais importantes e influentes juristas angolanos não ter sido dada a conhecer aos congressistas, nem aos cidadãos, em geral, pelos órgãos de comunicação social públicos é muito grave.
Os indicadores de mal-estar, entre os quais os referidos atrás, parece não terem perturbado os participantes do Congresso. Quase nada sobre a matéria se ouviu nos discursos, nem nas conclusões, nem nos omnipresentes comentadores - e muito menos sobre os recuos democráticos, nas liberdades fundamentais e na comunicação social. Tal não deve constituir surpresa, pelo contrário, está alinhado com a falta de preocupação com a justiça social e legal e com as crescentes desigualdades sociais, o que justifica as opiniões de quem acha estar o MPLA ideologicamente muito longe da social democracia reclamada e que seria mais lógico afirmar-se como um partido de direita.
No Congresso, deixou-se transparecer que a luta contra a corrupção está no bom caminho e recomenda-se. Essa não é a percepção da sociedade. Na minha conversa do mês de Setembro passado dei a conhecer que o jurista Sebastião Vinte e Cinco, militante do MPLA, havia dado uma entrevista à rádio MFM, denunciando, com argumentos, que o Presidente João Lourenço tinha perdido a batalha contra a corrupção. Não voltei a vê-lo na televisão, nem fez parte de nenhum painel de debate sobre o Congresso. O MPLA está a amordaçar a comunicação social pública a um nível jamais visto e continua sem perceber que esse é um caminho suicida.
Insistir em repousar a solução dos problemas do partido, e do País, num homem só é uma opção de alto risco. Para ele e para todos. Os exemplos de Jonas Savimbi e de José Eduardo dos Santos não devem ser menosprezados. De nada serve rejuvenescer a direcção do partido se não houver renovação de ideias e de práticas, se não houver participação e debate, se não houver combate aos vícios antigos. Revisitando o passado, lembro-me do insucesso que foi a injecção malcuidada de sangue operário e camponês na direcção do MPLA-PT. Também não vimos grandes sucessos na recente elevação de certas mulheres a cargos de direcção política e de Governo. Independentemente do género ou da idade, o importante é que os dirigentes sejam honestos, patriotas, conhecedores do País ou que se mostrem verdadeiramente interessados em conhecê-lo. E isso não foi perceptível nas mensagens endereçadas aos poucos, ao contrário do que havia sido anunciado, novos dirigentes. Vai ficar mesmo assim, como no passado.