Assim percebe-se porque pessoas socialmente responsáveis defendem a ideia absurda de que no tempo colonial tínhamos um bom País para se viver, e fazem correr nas redes sociais fotografias e vídeos desse tempo com escolas e serviços racialmente inclusivos. Alguém dizia que na sua escola primária nos anos 60, algures no Cuanza Norte, os alunos eram negros na sua maioria. Será? Na minha escola primária, em Calulo, nos anos 50, durante os quatro anos que por lá andei, apenas passou por lá uma aluna negra, filha de um funcionário oriundo de S. Tomé. Os poucos negros da vila que estudavam faziam-no na escola da Missão Católica, almejando o estatuto de assimilado. Já no Liceu, em Luanda, o número de negros era maior, mas muito menor em relação aos outros. Depois, na Faculdade de Agronomia, no Huambo, havia apenas três negros entre os quase 150 alunos que por lá passaram durante 12 anos. A abolição da legislação colonialista mais abjecta e a abertura do ensino oficial aos negros foi resultado, é bom fazer lembrar, da luta armada de libertação nacional, e, mesmo assim, em 1975 a população angolana analfabeta rondava os 90%.
Esse mundo melhor sonhado, em que o novo Estado garantisse uma melhoria global dos direitos cívicos e políticos, mas também dos direitos económicos, sociais e culturais para todos, sublinho todos, os angolanos; em que o Estado não votasse ao ostracismo as ilusões mais tarde configuradas nos artigos e capítulos que integram o Título II da Constituição da República de Angola de 2010, isto é, os Direitos e Deveres Fundamentais, e, ao mesmo tempo, favorecesse o enriquecimento ilícito de um grupo minoritário autotransformado em elite, ou o despesismo ultrajante em nome de uma pretensa "dignidade" dessas elites que passaram a dominar o aparelho de Estado, esse mundo, é verdade, está longe de existir.
Estou convicto de que o modo como se tratou da transformação económica em geral, e da agrícola em particular, ao longo das últimas décadas, muito contribuiu para o caminho equívoco percorrido e que, apesar de inegáveis progressos, explica a situação de pobreza de cerca de metade da população, a crise que afecta ao longo de tanto tempo a vida política, económica e social dos angolanos no seu conjunto, e a longa estrada em direcção à concretização dos direitos a que têm direito.
Uma redução da dependência do petróleo exigia a reorganização das economias locais, e, para isso, as evidências empíricas apontavam para o tratamento adequado e paralelo da agricultura familiar e do comércio rural de modo a satisfazer as necessidades básicas da população camponesa, e com isso incentivar a produção de alimentos e fornecer matérias-primas para a agro-indústria. Com essa estratégia ter-se-ia evitado o enorme fluxo migratório para as cidades e animar-se-ia a vida nos municípios, com o aumento dos níveis de atractividade de quadros dos centros urbanos. As experiências de países africanos mostram o relativo sucesso daqueles que seguiram tal via e o insucesso dos que seguiram a nossa, de drenagem da população para cidades que não ofereciam empregos.
Num artigo no Jornal de Angola de 12/11/21, Sousa Jamba expõe o seu desencanto em relação a Katchiungo, o município onde nasceu. O mesmo passa-se comigo quando penso no meu Libolo querido e estou certo de que o mesmo acontece noutros municípios do interior. Mesmo naqueles em que se fizeram vultuosos investimentos públicos e privados, como Cela, Quibala ou Cacuso, a vida, entendida em sentido holístico, pouco acontece, por descoordenação e falta de complementaridade e de capilaridade desses investimentos, esquecidas que foram as respectivas populações locais.
Coloca-se frequentemente a dúvida sobre a razão do nosso insucesso. Trata-se de uma questão política ou de gestão? O modo como o MPLA domina a sociedade e o Estado, por vezes em ínfimos pormenores, apontam claramente para a primeira hipótese. À medida que o tempo decorre vai aumentando a sua incapacidade de condução por falta de ideias, até para entender e interpretar a realidade da Angola de hoje. Talvez se chegue ao extremo de, a continuar assim, o maior adversário do partido passar a ser a própria realidade, aproveitando o dizer do jornalista e docente universitário argentino Mário Wainfeld.
Os factos políticos recentes espelham essa penúria de ideias e explicam as penosas dificuldades na diversificação da economia, na criação de empregos, no combate à pobreza, no tratamento da seca e das mudanças climáticas, na priorização efectiva da educação e da saúde, enfim, em quase todos os sectores da vida do País. Um partido que não sabe aproveitar e estimular os quadros nacionais, que não se democratiza, que é incapaz de fazer a renovação das lideranças intermédias, como provou recentemente, e que, por tudo isso, impede a despartidarização e a descentralização do Estado e da própria sociedade.
Essa hegemonia do partido no poder é aparentemente facilitada pelo modo como controla a comunicação pública e pela crescente intervenção na privada. O fim do programa de debate mais conceituado do País foi uma nova demonstração do garrote que nega aos angolanos o direito a uma informação argumentada, isenta e de qualidade, tal como diz a Constituição. Essa insensatez vai acabar por ser, mais cedo ou mais tarde, uma armadilha para o MPLA, pois os efeitos perversos não tardarão, e alguns já aí estão.
O poder político e as elites dominantes insistem em defender uma linha de pensamento que repousa em fazer dos cidadãos simples receptores de bens e serviços que o Estado faz o "favor" de conceder - o que nem tem acontecido na medida do desejável. Esta ideia pode não ser explícita, mas está presente nos mais variados aspectos da vida do País, e principalmente na comunicação social e institucional. Ouve-se, desde há muito, que é importante governar com o cidadão, mas mantém-se a prática reiterada de governar para o cidadão, ou, melhor, apenas para uma parte dos cidadãos, pois são enormes os segmentos da população em situação de exclusão.

O MPLA, já o demonstrou, não pode, por si só, resolver tantos e tão complexos problemas. Alves da Rocha defende que pobreza, educação e desburocratização são três vectores de um pacto social de regime para se retirar o País do atoleiro da pobreza. A par de muitos outros, já somos muitos a defender a necessidade de um pacto para um novo recomeço de Angola, para que a chama da liberdade e da independência se mantenha acesa.