O certo é que nem chegaram perto do ilustre anfitrião, nem chegaram com vida às suas casas. Um dia sem aulas, crianças retiradas da escola, três crianças mortas e numa viagem sem volta. E só resta dizer: Deixem os miúdos na escola!
É uma prática antiga, absurda e sem sentido. Sem que o Presidente da República, o presidente do MPLA, a Vice-Presidente da República ou até mesmo a vice-presidente do MPLA se desloquem para fora de Luanda, existem alguns "iluminados" que tomam a decisão de encerrar escolas, cancelar aulas e "obrigar" crianças a participar dos comités de boas-vindas e de vivas para as tais entidades.
Os professores deixam de dar aulas, as crianças deixam de ter aulas para ser colocadas horas e horas ao sol, para fazerem verbo encher. Isso mesmo, para fazer número. Servem apenas como elementos de decoração para a tão proclamada "recepção calorosa" ao líder. Mas não existem militantes adultos e suficientes para encher os comícios e animar estas recepções? Privar crianças de um dia de aulas, submetê-las ao risco de uma viagem de um município para o outro, quase sempre sem prévio conhecimento nem autorização dos pais e encarregados de educação, colocar miúdos nestas animações políticas é de todo reprovável. Mas há quem tente normalizar isso.
Surgem, muitas vezes, nas redes sociais, despachos oficiais a orientar professores, médicos e outros funcionários públicos a deixar de estar nos seus postos de trabalho para receber "ilustres entidades" ou autoridades vindas da capital. Quanto custa um dia de trabalho para o País e os contribuintes? Quanto custa um dia de trabalho para um país que precisa, e muito, de trabalho? Quanto custa um dia de aulas para um país onde as crianças precisam de aprender? Como é que se pegam em filhos alheios, os retiram da escola, os metem em autocarros e os levam para comícios e inaugurações? Vale tudo em nome das recepções calorosas para os ilustres visitantes da capital? Que justificações vão dar aos familiares destas três crianças? Sonhos interrompidos e vidas perdidas de forma irresponsável! O problema deste País é a responsabilidade e a responsabilização: Ninguém assume responsabilidades e ninguém é responsabilizado!
O Presidente da República, João Lourenço, emitiu uma nota, na qual manifesta dor e consternação e associa-se à dor das famílias que perderam os seus ente queridos e também aos mais de 40 feridos. "Foi com profunda consternação que tomei conhecimento do trágico acidente ocorrido ontem, quando o autocarro que transportava alguns populares que tinham participado em actos cívicos em Ndalatando sofreu um aparatoso acidente, provocando vários mortos e dezenas de feridos", escreveu num comunicado tornado público nesta quarta-feira, 13. Era o mínimo que podia fazer numa comunicação que entendo ter sido necessária e também oportuna. Esteve bem a enviar condolências e a solidarizar-se com a dor das famílias.
O Ministério da Educação também reagiu em tempo oportuno, e o governador do Kwanza-Norte já esteve no hospital para visitar os feridos, bem como estabeleceu contacto com os familiares das vítimas mortais. Agora é preciso enterrar condignamente os mortos e cuidar dos vivos. É preciso que essa situação sirva de lição e que se ponha fim a estas práticas. As crianças não devem participar de actos políticos, pois o lugar da criança é em casa e na escola.
Será que João Lourenço não sabe que, quando ele viaja para qualquer uma das províncias, seja na qualidade de Presidente da República ou de presidente do MPLA, os funcionários públicos são "orientados" a deixar de trabalhar e as crianças são "forçadas" a deixar a sala de aulas para o receber? Porque é que se metem crianças nestas coisas? Será que é preciso o Presidente da República fazer um despacho a proibir essas práticas e só assim teremos certeza de que elas irão terminar? Quando quiserem enchentes nos comícios e inaugurações, usem os militantes e simpatizantes, deixem as crianças fora disso! Deixem os miúdos fora disso! Deixem os miúdos na escola!