Anunciada e celebrada por um quase delírio de propaganda pelos media oficiais, a vinda do agora «amigo americano» obnubila a realpolik. Sem deixar de ser uma relativa vítoria diplomática do consulado de João Lourenço, no final de um mandato presidencial norte-americano que praticamente ignorou o continente.
O Corredor do Lobito, no âmbito da proclamada Partnership for Global Infrastructure and Investment initiative avançada pelo presidente dos EUA na cimeira do G7 em 2023, estará no centro da anunciada visita, esperando-se igualmente em Luanda pela presença da primeira-ministra italiana, G. Meloni e da presidente da UR, Úrsula von der Leyen, numa concertação Ocidental não estranha à diplomacia de Washington.
O desenvolvimento do Corredor do Lobito no âmbito de uma parceria multinacional poderá ajudar a alavancar o desenvolvimento económico triangular entre Angola, a RDC e a Zâmbia. Segundo o próprio Departamento de Estado dos EUA em pouco menos de ano e meio desde o compromisso inicial norte-americano, mais de 3 mil milhões USD foram mobilizados através de investimentos nos vários sectores, desde transportes à logística, passando por agricultura, energias limpas, saúde e acesso digital. Mas este cenário optimista não pode ser dado como garantido, tendo em conta os vários obstáculos existentes.
Até muito recentemente, segundo dados oficiais dos EUA, as exportações daquele pais para Angola em 2023 foram de $595 milhões USD, uma diminuição de 8.8 por cento ($58 milhões USD) face a 2022, enquanto as importações de Angola atingiram os $1.2 mil milhões em 2023, menos 26.8% por cento ($428 milhões USD) face a 2022.
A visita de Joe Biden deve também ser entendida na perspectiva da competição geopolítica e geo-económica com a China com influência crescente em África. O corredor do Lobito servira como via de transporte dos chamados minerais verdes, além do cobre bem entendida e de outros minerais raros abundantes na região, sendo um competidor claro do Tanzania-Zambia Railway (TAZARA) suportado pelo China, que já manifestou publicamente o desejo de ressuscitar o projecto.
Portanto, a vasta disputa entre os EUA e a China na região e no continente não se resume apenas a minerais raros ou não, mas também a objectivos estratégicos que a sua presença naqueles territórios pode proporcionar, não sendo de descartar eventuais facilidades militares, objecto de muita especulação nos media, tendo em conta a extraordinária localização geográfica de Angola.
Angola que, como sabemos, tem tido na China seu mais importante credor nos últimos anos numa relação algo beliscada recentemente com as dificuldades de renegociação da dívida daquele país e obtenção de novos créditos. Nas últimas duas décadas, a China concedeu empréstimos de mais de $43 mil milhões US, paralelamente a investimentos massivos em vários sectores, um cenário que parece estar a mudar. A ausência do presidente João Lourenço na mais recente cimeira China-Africa terá sido apenas mais dos sinais deste realinhamento de Luanda face ao Ocidente, depois de ter vindo a afastar-se do velho aliado russo.
A visita de Joe Biden ocorre igualmente num contexto doméstico em que o Governo angolano tem sido reiteradamente criticado pela sociedade civil e pelas oposições por recorrentes violações dos direitos humanos, assim como realização de processos eleitorais não transparentes, espelhando o deficit democrático e o avanço do autoritarismo, como sublinhou a Human Rights Watch. Mas, em Washington, os interesses geopolíticos e geo-estratégicos falam mais alto e fazem-se ouvidos de mercador a estas críticas e reclamações.
A história de Angola com as superpotências e grandes potências continua a seguir uma narrativa de amor e ódio, exclusividades e disputas. Parece que o país político não aprendeu muito com a experiência da guerra fria global e a guerra civil em que se viu mergulhado nos alvores da Independência, aconselhando a maior equilíbrio e prudência para a defesa dos interesses nacionais.
Tudo sugere que na ausência de uma estratégia nacional de consenso, Angola siga à deriva numa navegação à vista, com os mais que prováveis acidente de percursos políticos, económicos e geo-estratégicos. De resto, acreditar que sem alterações do ambiente de negócios, para não falar do contexto mais geral, os investidores norte-americanos vão aterrar em massa em Angola, ou deduzir que o Corredor do Lobito per si vai gerar um desenvolvimento sustentável incluso - faz parte daquela cantiga dos amanhãs que cantam, mas nunca chegam, a que Angola foi submetida nas últimas cinco décadas.n
*Jornalista