Durante os anos de governação, apesar de todo o poder e autoridade, além de ser muito reservado, JES foi um homem só. Um homem preso à sua rotina, que viveu no seu mundo e com os seus e que nem mesmo assim foi capaz de controlar o seu próprio destino e das coisas à sua volta. Criou, alimentou e sustentou um sistema que acabou sendo maior do que ele e que praticamente o engoliu. Ou seja, foi vítima de um sistema que ele próprio criou, viu crescer e não conseguiu controlar. O sistema criou, durante anos, o mito, mas este mito não sobrevive sem poder ou sem o apoio do Poder. Nos últimos quatros anos, mais do que um homem vazio, o que se viu foi um homem esvaziado. JES foi esvaziado pelo tempo, pela falta de poder, pelo sistema, pelas desilusões. Além de perder poder, autoridade, notoriedade e influência, JES perdeu dignidade e espaço. Foi desonrado por muitos dos seus camaradas, compatriotas e companheiros de luta, passou a ser um presidente emérito sem mérito no seio do partido que liderou total e absolutamente durante 38 anos.
Foram quatro anos em que vimos um homem fisicamente debilitado, emocionalmente abalado, desiludido, solitário e até mesmo deprimido, que aos poucos foi esvaziado e perdendo quase tudo o que lhe daria sentido à vida: uma separação de facto (embora não de iure), um filho varão preso, duas filhas praticamente perseguidas pela Justiça angolana, atingidas nos seus negócios com o Estado e "proibidas" de entrar no País. Perde um genro amigo e marido de uma das filhas preferidas, vê irmãos e sobrinhos também afectados pela situação vigente, além de um "discurso de retrovisor" que foi adoptado política e partidariamente que olhava para o passado como o causador de todos os males do presente. Não há quem resista!
A natureza não sabe fazer perguntas como nós, mas tem respostas claras e directas para o que fazemos com ela. O poema "José" trabalha na ideia das incertezas sobre uma nova realidade. Representa a solidão do homem e a sua falta de lugar no mundo. Do homem que percebe que tudo se está a acabar e que todos dele se afastam (E agora José? A festa acabou/ A luz apagou/ E o povo sumiu). Há o chamado sentimento de insuficiência do Eu, entregue a si próprio. "E agora José?" é a pergunta sobre o significado da sua própria existência e do mundo que criou em sua volta.
A realidade e a cronologia dos factos nos levam a admitir que mesmo no seu tempo JES criou também muitos "Josés" que transitaram pela vida sem serem vistos ou ouvidos, também eles condenados à solidão, que gritaram, que protestaram, mas tiveram o seu grito sufocado pela indiferença, pelo protesto ignorado e que andaram pela vida a "andar por aí". O poema termina com um "José, para onde?" JES já não pode responder. Mas podemos o Estado, a família, o MPLA e nós responder: dando-lhe e tratando-o com elevação, sentido de Estado, com postura patriótica, honra e dignidade. Apesar de todos erros, falhas e deslizes, JES também teve as suas virtudes, teve os seus méritos e dedicou toda uma vida em prol da Pátria.
A ele devemos a preservação da soberania e defesa da integridade territorial, a transição para o multipartidarismo e a abertura democrática, a conquista e a efectivação da Paz. Foi a maior figura política e diplomática de Angola nas últimas quatro décadas. É digno que viva os últimos dias que lhe restam longe de espectáculos mediáticos, exposição de crises políticas e familiares, da banalização da figura e do próprio Estado, de teorias de conspiração e outras manobras. Os últimos anos foram muito duros e de muito sofrimento. Deixem-no descansar e partir em paz!
Os tempos são outros, acabou a era de José e chegou o reinado de João, e obviamente a pergunta deve ser reformulada: E agora, João? A resposta segue em próximos editoriais.