Há quem já tenha sugerido a realização simultânea com as eleições gerais, sobretudo numa lógica economicista de contenção de custos, concentrando num único momento as despesas com a escolha dos representantes aos vários níveis (nacional e local).
Recordo que, no passado dia 22 de Março de 2018, no início da Reunião do Conselho da República, o Presidente João Lourenço indicou 2020 como o ano da realização das primeiras eleições autárquicas em Angola. Considerou mesmo que se tratava da mais importante reforma do Estado, sendo também um compromisso assumido na campanha eleitoral precedente e que deveria ser concretizado no seu primeiro mandato.
Todavia, todos estamos conscientes de que, no ano apontado, por conta da pandemia, mas também por divergências sobre a interpretação do conceito de gradualismo introduzido pela anterior Constituição, as eleições autárquicas não foram realizadas. Não havia como. Consequentemente, Angola ainda não tem as autarquias locais institucionalizadas, como elemento material do princípio da descentralização administrativa que tanto é apregoada pelos políticos.
A verdade é que o próprio Presidente reconheceu que Angola tem uma grande extensão territorial e os problemas das pessoas, das famílias, das comunidades e empresas não podem ficar à espera de decisões que são tomadas na capital (ou nas capitais provinciais), muitas vezes descurando as especificidades de cada região. Ademais, impõe-se um olhar e uma atenção locais sobre os problemas que mais directamente afligem as pessoas nas suas circunscrições.
Por conseguinte, a realização das eleições e a implementação das autarquias locais, para além de ser um imperativo constitucional, podem, efectivamente, contribuir para aumentar os níveis de participação política e melhorar a qualidade das decisões relativas à despesa pública, tornando-a mais eficiente nos resultados.
É óbvio, permitam-me a expressão que se tornou um lugar-comum entre nós, que as autarquias não são a panaceia para todos os nossos problemas. Mas são, sim, um caminho importante para irmos resolvendo alguns destes, para além do avanço em termos de democraticidade do Estado, elevando o nível de participação cívica dos cidadãos, inclusão e formas de partilha do poder. Acredito mesmo que as autarquias irão ajudar a descentralizar a culpa e a responsabilizar mais os gestores (das autarquias).
Doutro prisma, a realização das eleições autárquicas abrirá também o espaço para movimentos de cidadãos e personalidades independentes que, no quadro actual, não têm qualquer possibilidade de intervenção para apresentar as suas ideias e propostas. Mesmo nos grandes partidos, a disputa, a que hoje se assiste, para ocupar os lugares cimeiros nas listas para deputados no Parlamento, poderá ser suavizada com a possibilidade de concorrer para vereadores, presidentes das câmaras e deputados municipais.
Por isso, eu sou daqueles que defendem que deveríamos aproveitar o momento da realização das eleições gerais (legislativas e presidenciais) para também realizarmos as primeiras eleições autárquicas em Angola. Todavia, entendo que se deve abraçar o princípio do gradualismo, uma vez que muitas das (futuras) autarquias não dispõem de condições imediatas para se avançar já, ficando o compromisso e o roadmap claro para que as demais tenham eleições dentro de dois anos. Ora, ganhamos do ponto de vista da racionalidade económica e financeira, tal qual em termos políticos, libertando do gargalo um assunto que se vai tornando incomodo. É claro que é necessário um olhar rigoroso e pragmático para percebermos o esforço legislativo e organizativo que deve ser empreendido nestes meses derradeiros, ficando alinhados num objectivo nacional e desviando-nos de questiúnculas como as que vemos surgir nos últimos dias.
Para já, em termos de condições para a sua realização, há representações da CNE em todos os municípios, pelo que o escrutínio local pode ser feito. Basta que a última lei em falta do pacote autárquico seja aprovada pela Assembleia Nacional.
Portanto, sou a favor da implementação das autarquias locais este ano, com a realização simultânea de eleições gerais e eleições autárquicas, reforçando a democracia, materializando-se assim uma forma nova e diferente de gestão pública. Porquê não? n
*Advogado