Numa época em que as crises sociais e algum mal-estar pende sobre as populações, em geral, e angolana, em particular, temas destes ditos desta forma tão enfática, podem gerar um desassossego inconveniente.
Até porque não é só nas ferrovias que ocorrem problemas infra-estruturais críticos. E que, directa ou indirectamente, também fazem parte da sua esfera de observação ministerial: rodovias e aviação.
Sobre a aviação, se verificarmos como a TAAG vem perdendo influxo quer interna, quer externamente, penso que será assunto para uma análise mais acutilante dos jornalistas de investigação do Novo Jornal, em particular a sua actual gestão e como a ela se chegou.
Já sobre os acidentes de viação, não vi, nem li - talvez lapso meu, espero que certamente - nenhuma observação do senhor Ministro sobre o elevado número de acidentes e vítimas, ocorrido em 2022, e "denunciados" pelo Conselho Nacional de Viação e Ordenamento do Trânsito (CNVOT); talvez porque a reunião de onde saiu o comunicado sobre os acidentes tenha sido presidio pela senhora Vice-Presidente da República, Esperança da Costa...
Se, efectivamente, não houve nenhum comentário do senhor Ministro, deveria ter havido, porque as rodovias, que eu saiba são - ou deveriam ser - do pelouro do Ministério dos Transportes.
Como é possível que num ano tenham ocorrido mais de 13 mil acidentes com cerca de 3.000 vítimas mortais e mais de 15 mil feridos e pareça continuar a nada ser feito? Quantos projectos da Estratégia Nacional de Prevenção e Segurança Rodoviária já foram criados no País? E destes, quantas resoluções tiveram algum sucesso?
Recordo que há cerca de 12 anos, escrevi dois textos para um portal noticioso angolano, já extinto, que considerava os acidentes de viação como "a terceira guerra-civil" dado - já nessa altura, em Março e Novembro de 2010 - o número de acidentes ocorridos eram elevadíssimos. Recordo que em nota do então PortalAngola, a Direcção Nacional de Viação e Trânsito (DNVT), anunciava que entre Janeiro e Outubro de 2010, nas estradas do país tinham ocorrido cerca de 14 mil acidentes de que tinham resultado cerca de 2-500 vítimas mortais.
Ora, entre 2010 e 2022 ou que mudou? Nada! Os acidentes de viação continuam elevados e as vitimas não diminuem? Sendo que entre 2010 e 2022foi alterado o Código da Estrada, foram implementados alguns itens de segurança rodoviária como capacetes de protecção dos motociclistas e kupapatas, cintos-de-segurança nos veículos, seguros obrigatórios e inspecções periódicas obrigatórias -que, penso que também já as haverá e se não as há deveriam ocorrer -, nada parece ter mudado. Nem mesmo com operações stop.
Então qual será o mal? Facilitismo na obtenção de licenças de circulação? Falta rigorosa e assertiva de inspecção policial aos condutores? Ou - e aqui entramos na esfera da responsabilidade governativa geral e local - deficiente infra-estruturas rodoviárias aliadas a um deficiente acompanhamento de inspecção periódica destas infra-estruturas rodoviárias (ruas, estradas, pontes, etc.)? Ou será o acumular disto tudo?
Compreende-se a preocupação do senhor Ministro quanto ao problema ferroviário, ainda que não se compreenda bem a necessidade de serem chamadas a Defesa e Segurança para protecção das ferrovias, paz parecer aos dignitários estrangeiros que nos podem servir e serem servidos que estamos em guerra, o que não ajuda a desenvolver e projectar as nossas ferrovias e os portos que elas acompanham. Mas o senhor Ministro não deve esquecer a questão rodoviária.
Também esta é uma clara questão dessegurança.
E esta deveria ser começada pelas individualidades públicas e governativas em não andarem em contra-mão nas ruas e estradas nacionais porque não gostam de se atrasar ou de estarem em filas intermináveis entre as centralidades e as áreas profissionais. E são vários os vídeos que se vêem nas páginas sociais em que algumas individualidades com apoio policial circulam em contra-mão colocando em causa a Segurança de condutores e transeuntes desprevenidos. Porque não se cria, nas grandes avenidas áreas de circulação especial: só para machimbombos, ambulâncias, polícias, agentes governativos ou similares - os internacionalmente denominados "corredores bus" - como existem em todas as grandes cidades-metrópoles e não só?
Senhor Ministro, é importante verificar as ferrovias e a sua manutenção - principalmente -, até pelo que nos oferece quer em desenvolvimento, quer em dinheiro. Mas não é menos importante haver um melhor e mais afincado acompanhamento dos problemas rodoviários, tanto quanto aos acidentes e das vítimas que destes resultam, como com a manutenção das estradas, das ruas, das avenidas, das pontes; porque é dinheiro e capacidades que o erário público perde e poderiam ser canalizados para outros fins.
Talvez seja altura de se reabilitar um organismo que já houve antes e depois, mas totalmente autónomo dos governos provinciais, das autarquias - perdão, isto ainda não existe, - ou das autoridades locais, sejam elas quais forem. Um organismo autónomo, mas unicamente sob tutela, mas não totalmente dependente, do Ministério dos Transportes: tipo... Junta Autónoma de Estadas de Angola
E não, não é saudosismo colonial recuperar esta denominação; quem conheceu a original sabe que muitas das estradas que foram abertas em Angola, no último quartel da era colonial eram propostas e controladas por aquele organismo; e muitas, ao contrário das que foram abertas ou, supostamente, recuperadas após 2002, ainda mostram qualidade que as pós-2002 não apresentam. E o partido que sustenta o Governo sabe bem como tanto a JAEA como as empresas de terraplanagem privadas que construíam as estradas angolanas eram saudadas no antigo Angola Combatente. Dúvidas? basta recordar a célebre Estrada da Leba, construída antes da Dipanda e recuperada longos anos após a independência...
Ficam só as sugestões: moderação - a todos - no uso dos termos conjuntos de Defesa e Segurança e da criação e um organismo rodoviários como o indicado. n
*Investigador Integrado do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador-Associado do CINAMIL e Investigador para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto