Felizmente, hoje, as enciclopédias estão ao alcance dos dedos, e não foi preciso pesquisar muito para encontrar a receita para uma dieta adequada à condição do indefeso ser. Água com açúcar, diziam, numa proporção determinada. Com a ajuda da vizinha, que cedeu o açúcar, e uma seringa velha, lá se testou uma vez mais os instintos dos desamparados, e foi com enorme alegria que constatou que não foi preciso muito para que um instrumento tubular, de diâmetro reduzidíssimo e comprimento espantoso, surgisse do bico recurvo e encontrasse o orifício da seringa, por onde se alimentou. Estava a solução encontrada. Parecia haver um caminho para o restabelecimento.
O passo seguinte foi procurar um lugar onde o beija-flor, logo baptizado como Galileu - talvez por ter certamente desabado de algum ponto indefinido do firmamento para onde o velho cientista gostava de assestar os seus óculos -, pudesse estar em segurança. Era uma casa de múltiplos gatos, e todo o cuidado era pouco!
Encontrou-se um recanto. Num sótão desocupado, normalmente fechado. No início, preparou-se um pequeno ninho improvisado, onde Galileu se recolhia depois das visitas regulares para ser alimentado, e desabava num sono profundo depois do sol se pôr. Depois, foi-se criando o ambiente: um vasinho com umas plantas, e uma rosa de porcelana no centro, foi o melhoramento inicial. Galileu adorou! Abandonou de imediato o chão, para se alcandorar às alturas permitidas. Primeiro, os raminhos da planta. Depois, o ápice da rosa de porcelana, onde se sentia imperar! Quando chegava a senhora, ele cantava. Nunca se soube se de alegria ou receio. Mas cantava.
Uma ideia genial levou a senhora a fixar a seringa ao ramo da planta. Será que Galileu resolveria esse enigma da alimentação autónoma? No dia seguinte, consultada a escala que a seringa possuía, alegremente, se concluiu que sim! Ele deslocava-se até perto e introduzia a sua língua tubular na seringa, como fazia quando era primitivamente alimentado na mão da senhora.
Um ramo de bambu foi colocado ao lado do vaso, e o seu trajecto curvo, quase até ao tecto chegava. Galileu, logo o descobriu, e mais e mais alto se alcandorava. Ensaiou os primeiros voos, da rosa de porcelana ao bambu, e com alegria, constatou a senhora, que o fazia cada vez de forma mais afoita.
Colocaram-se mais uns vasos no sótão. Umas plantas com flores e ramos espalhados. Libertou-se o beija-flor do recanto onde ficava. Não saiu logo. Mas, uns dias depois, foi vê-lo voar por todo o espaço do sótão. Um dos vasos foi colocado ao lado de uma janela, que dava para a rua. Para um imbondeiro em frente. Com o passar do tempo, era ali onde ficava.
- Será que vai adaptar-se à liberdade? Perguntava-se a senhora, com receio de que Galileu preferisse o ambiente controlado, onde nada lhe faltava, que ela com tanto carinho tinha criado.
Decidiu-se a testá-lo. Num dia de manhã, lá estava Galileu no vaso junto à janela, ela foi lá e abriu-a. Uma hora se passou. Galileu não se decidia. Na rosa de porcelana ficou, sorvendo o mar de luz que o inundava. Não se decidia.
Até que voou.