De um total de 9 elementos da equipa, todos presos pela DISA, apenas quatro sobreviveram à chacina dos seus algozes.
Agora andam por aí nas calmas a enfrentar outros problemas que já têm a mais a ver com o implacável peso da idade, sendo mais preocupante a situação de um deles acometido há cerca de dois anos por um acidente cardíaco.
São eles Emanuel de Jesus Conceição da Costa, Evaristo da Rocha, José António (Colosso) e Ricardina Rocha.
É com um desses sobreviventes, a quem solicitamos um depoimento escrito, o Emanuel de Jesus Conceição Costa, um antigo funcionário do Ministério da Informação mais conhecido por "Manino", hoje com 72 anos, que vamos fazer este regresso ao passado, 50 anos depois de o Kudibangela ter entrado para a história de Angola e lá ter ficado por mérito próprio da equipa que o concebeu, realizou e apresentou, a ter em conta o seu extraordinário impacto popular e político, no contexto da época.
A tal ponto o referido programa marcou aqueles tempos, que só assim se explica que ele tenha entrado para a nossa memória colectiva e o seu nome seja até hoje usado para os mais diferentes propósitos, mas sempre no âmbito de alguma contestação/confrontação política.
O nome/slogan completo do programa era "Kudibangela (weyá, weyá)- Construção. A luta em busca de uma nova Nação!"
O programa era diário, transmitido de segunda a sábado, entre as 7 e 8.00 horas da manhã, tendo inicialmente uma duração de 30 minutos que depois passou para uma hora.
Na época, os programas eram todos pré-gravados.
O Kudibangela era basicamente preenchido por textos de opinião dos membros da equipa sobre os mais variados assuntos no âmbito do nosso PREC, entenda-se, Processo Revolucionário em Curso.
Se hoje fosse possível voltar a ouvir o programa, talvez as novas gerações percebessem melhor as razões da crise que nos conduziu ao 27 de Maio de 1977.
Pelo conteúdo dos textos que preencheram as centenas de edições do Kudibangela, seria, de facto, possível revisitar uma época que hoje já é histórica e que cobre os meses que precederam a proclamação da independência, ou seja, os derradeiros dias da presença portuguesa em Angola já com a vigência do fracassado Governo de Transição saído dos Acordos do Alvor. Revisitando os textos do Kudibangela, iríamos ficar também a saber como é que foram os primeiros meses do novo País que nasceu a 11 de Novembro de 75, na voz de Agostinho Neto, como República Popular de Angola.
Lamentavelmente, os arquivos da RNA não permitem que uma tal revisitação seja possível, pois estamos em crer que, do seu acervo, apenas façam parte alguns discursos oficiais e pouco mais, do muito que a Emissora transmitiu durante estes últimos 50 anos.
Tudo o resto, o vento deve ter levado nas bobines que foram para o lixo.
Hoje, olhando para tudo quanto se passou ao longo deste primeiro meio século da nossa vida colectiva após o 25 de Abril de 1974, não temos muitas dúvidas em considerar que o Kudibangela foi a primeira vítima da liberdade de expressão na Angola do pós-independência.
O nosso interlocutor começa o seu depoimento fazendo uma homenagem aos seus antigos companheiros assassinados pela DISA.
"Por ocasião do 50.° aniversário da 1.ª emissão deste projecto, deste legado que foi o Kudibangela, inclino-me perante a memória dos meus camaradas Mbala, Betinho, Costa, Ngalangandja e Rui Malaquias, com quem partilhei, quiçá, os momentos mais marcantes da minha vida."
Manino Costa tem bem presente na sua memória que "no dia 4 de Dezembro de 1974, pelas 07H30, foi para o ar a primeira emissão do Kudibangela, integrando a grelha de Programas da então Emissora Oficial de Angola, cujo controlo, entretanto, era já exercido remotamente pelo MPLA, face à apatia e desmotivação evidenciadas pelos representantes da administração colonial portuguesa, ansiosos de ver chegado o tempo de arrumar as malas e zarpar, parafraseando Zeca Afonso."
Na sequência dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977, Manino Costa foi preso pela DISA no dia 31 do mesmo mês e ano.
Permaneceu detido por dois anos e quatro meses, num total de 850 dias, tendo repartido esse tempo de reclusão pela Prisão de São Paulo (20 meses) e o restante no campo de concentração do Tari, na Quibala.
Em Setembro de 1979, recebeu um "Mandado de Soltura" do Tribunal Popular Revolucionário, assinado pelos "Camaradas Adolfo João Pedro, Manuel Bento, Orlando Ferreira Rodrigues, Simeão Manuel/Kafuxi e Carmelino Pereira, membros da Comissão de Revisão".
O Mandado dos supracitados juízes referia que Manino Costa devia ser posto em liberdade "por inexistência de matérias para julgamento".
Sobre esse período da sua vida, no seu depoimento Manino Costa refere o seguinte:
"Já não questiono as razões da minha prisão. Questiono-me sim, por que razão ficaram com a minha casa, os meus bens, ficando a minha família ao relento?
Questiono-me sim, por que razão não fui reintegrado ao serviço?
Questiono-me sim, por que razão eu sou um "ilustre desconhecido" para os arquivos do Ministério da Informação e/ou organismos que o substituíram, constatação feita aquando da recolha das declarações de contagem de tempo que procedi, para efeitos de reforma?
Questiono-me sim, por que razão é que, desde logo, após a minha libertação, me foram fechadas as portas e impostos entraves e dificuldades no meu propósito de refazer de forma condigna a minha vida e da minha família?
Hoje, volvidos 45 anos desde o 29 Setembro de 1979, já não tenho esperança de que alguém me queira responder..."
Por razões de espaço, só na próxima edição, daremos aqui à estampa a totalidade do depoimento de Manino Costa sobre a experiência que viveu há 50 anos como um dos membros da equipa do Kudibangela. (continua)
A equipa do Kudibangela
1. Adelino António dos Santos (Betinho)+
2. Manuel Bernardo Neto (MBala)+
3. António Costa+
4. Emanuel Costa (Manino)
5. Rui Valentim Joaquim Malaquias+
6. Evaristo da Siva e Rocha
7. Benjamim Ngalangandja+
8. José Francisco L. António (Colosso)
9. Ricardina da Purificação S. e Rocha (Didina)
* Jornalista