Os magalas invadiram a banda onde estava instalada a cozinha do tambi e paparam todo o pitéu que estava a ser duzido pelas kotas, que minutos antes transpiravam enquanto biculavam a bilada. Os diobados pitaram tudo sem deixar espinha para contar história. Até os cambwas assustados deram o gás a tequetar, tornarem-se petisco. O feijão e a canjica de óleo de palma, os peixes grelhado e frito, banana-pão e mandioca cozidas e a bilada foram dizimadas em pouco tempo; a quissangua a estalar que estava em bidões na arca foi chupada numa sentada, num gole só, e quando deram balanço que já não havia mais nada deram tirosa, deixando assustadas as kotas e as ndengues que traumatizadas apelavam entre lágrimas e soluços órfãos ao bom senso dos malaiques, mas que de nada adiantou, porque eles num tom jocoso e arrogante pediram para nos deixarem em paz, porque eram vizinhos e conheciam bem a pessoa que havia falecido, bem melhor, diziam eles, do que alguns parentes que estavam no óbito, logo tinham direitos. Ara pobilas!
Ao menos não houve violência, comeram e bazaram, deixando as panelas e os estômagos vazios e as mentes a fervilhar em busca de alternativas para ter algo para oferecer a quem foi dar os pêsames, prestar solidariedade e estar com eles naquele momento de dor e luto. Tiveram de, às pressas, fazer uma vaquinha para ver alguma coisa para que quem foi ao cemitério tivesse o que comer ao regressar ao Paraíso. Como se diz, um azar dificilmente vem só!
O bairro Paraíso é dos mais falados em Luanda nos últimos anos, principalmente por causa das más condições sociais e da delinquência gritante que abraça os moradores que, inclusive, têm horários para entrar e sair do bairro e das suas casas como se vivessem com recolher obrigatório. A própria Polícia redobra os cuidados quando o assunto envolve Paraíso ou os bairros vizinhos, porque os delinquentes daquelas bandas são muito violentos, não respeitam ninguém, tão pouco farda alguma, não se cansam de demonstrar quando decidem tramancar quem bem quiserem.
Já ouvi e li várias notícias a relatarem que jovens haviam invadido óbitos e roubado as panelas com comida que estavam no fogo e saído na brasa. Mas foi a primeira vez que fiquei a saber de madiés que receberam a comida com agressividade, comeram no próprio local, sem medo de surra, cadeia ou alguma onda ou praga rogada pelo pranto de alguma kota que, entristecida pelas situações, apelará à justiça espiritual ou ainda medo do cazumbi de quem partiu. Nada, nem já! Aqueles avilos não queriam saber de nada, apenas de encher a pança e dizer "nzala wabo", assobiando aquele som do Paulo Flores e Prodígio sobre a ingratidão da fome que, mesmo a ser bem tratada, volta sempre, sendo relativa ou não, fome é fome, ou como temos dito cá na banda dioba é dioba e ninguém a consegue bisnar ou passar a perna por muito tempo!
Esse episódio foi-me contado na altura em que o governador Provincial de Luanda, Manuel Homem, trabalhou durante cinco dias no bairro Paraíso, em Cacuaco, no mês de Abril, o tal das chuvas mil ou das mil chuvas e que fizeram questão de banhar a presença do Homem pelas bandas que assombram Cacuaco. Essa dica levou-me para o Dondo, onde, em casa dos nossos avós maternos, ouvimos várias vezes o avô Severino dizer DIALA (Homem), com alegria e aquele sorriso radiante, enquanto nos dava um enérgico aperto de mão e o kandando porreiro, fitando-nos "olho na olho", rematando: "RESPEITO É TUDO MEUS NETOS!"
Com essas dicas todas no meu kimbundu inexistente por causa do Paraíso hipotético, lembrei-me de que daria uma boa letra de semba com passadas faladas, onde nzala, diala, nvula, dikulo, kubata, tambi, jikulo o mesu fariam o ritmo! Enquanto o som não vem, esperamos que a nvula de lágrimas que fimbou no Paraíso, tundando a poeira não tenha trago dikulos gudas para o Diala da kyanda resolver. Katé