Ora, algumas estatísticas do sector social parece corroborarem com esse quadro. Assim é que, segundo o Movimento de Estudantes de Angola , pelo menos 10 milhões de crianças em idade escolar estão fora do sistema de ensino no corrente ano lectivo de 2023/2024. Por outro lado, o relatório conjunto da Organização Mundial da Saúde e do Banco Mundial, intitulado Tracking Universal Health Coverage: 2021 global monitoring report, reporta que Angola tinha, em 2018, uma cobertura dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) de apenas 39%. Por seu turno, as autoridades nacionais do sector apontam para o facto de a cobertura do serviço de água ser de 60% e a do saneamento básico de 52%, enquanto o de electricidade é de menos de 43%.

Essas estatísticas, contudo, parece contrastarem com o discurso oficial das autoridades em como o sector social é priorizado nas despesas públicas. Mas, se tivermos em conta algumas realidades, pode perceber-se de que o contraste é meramente aparente. Por exemplo, em 2019 foi noticiada a existência de 15 escolas do ensino primário da comuna de Oshimolo, no município do Cuanhama, província do Cunene, que albergariam 3.374 alunos, que estavam encerradas por falta de professores, assim como outras três escolas, que acolhiam mais de 440 alunos, na comuna da Quilemba, município do Lubango, na província da Huíla. Neste ano de 2023, foi noticiado, em Agosto, que dez escolas do ensino primário, no município da Chibia, província da Huíla, estão encerradas há sete anos por falta de professores, sendo que mais de sete mil alunos estão fora do sistema de ensino naquela região também por essa razão . Por outro lado, a Radiodifusão Nacional de Angola noticiou, a 14.03.2023, que uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) com equipamento de ponta, de um hospital do Zaire, se mantinha encerrada, desde a inauguração do hospital há 18 anos, por falta de técnicos, e que estaria prevista a sua abertura daí a um ano, pois os técnicos estariam a ser formados. Por seu turno, responsáveis do sector da electricidade referiram, em Junho de 2022 ("Café CIPRA" de 07.06.2022), o facto de Angola ter capacidade de produção de electricidade excedentária, mas que, por limitações das redes de distribuição, o nível de electrificação do País era de apenas 42,8%, sendo que a nossa avaliação aponta para um excesso de capacidade de entre 30 e 40%, com tendência a aumentar face aos investimentos em curso em grandes empreendimentos de produção, como é o caso da barragem hidroeléctrica de Caculo-Cabaça, associado a um ritmo mais lento de investimentos nas redes de distribuição.

Então, parece comum a existência no País de escolas encerradas por falta de professores, assim como de hospitais secundários e terciários bem equipados, mas que funcionam abaixo da sua capacidade por falta de pessoal capacitado, entre outras inconsistências. Ora, isso remete-nos para um problema de prioridades, eficiência, eficácia e efectividade das despesas públicas, o que será consequência do elevado nível de corrupção no País.

Numa avaliação empírica efectuada por Tanzi e Davoodi em 1997, estes concluíram e recomendaram o seguinte:

"A corrupção, particularmente a corrupção política ou "grande", distorce todo o processo de decisão ligado aos projectos de investimento público. O grau de distorção é maior com instituições de auditoria mais fracas. As evidências apresentadas mostram que nível mais alto de corrupção está associado a: (i) maior investimento público; (ii) redução das receitas públicas; (iii) menores gastos com operação e manutenção; e iv) menor qualidade da infraestrutura pública. As evidências também mostram que a corrupção aumenta o investimento público enquanto reduz a sua produtividade. Esses são cinco canais pelos quais a corrupção diminui o crescimento. Uma implicação é que os economistas deveriam ser mais contidos nos elogios ao alto investimento do sector público, especialmente em países com alta corrupção."

Assim, enquanto os níveis de corrupção permanecerem elevados no País, tenderá a manter-se a propensão de se realizar grandes obras de investimento público, não com o fim de resolver efectivamente os problemas que se apresentam, mas como meio de extracção de renda, negligenciando-se assim as acções que sejam eficazes, efectivas e eficientes na resolução dos problemas assim como a operação e manutenção dos equipamentos existentes, a favor da construção de novos e maiores equipamentos. E claro que assim o impacto das despesas com o sector social, tidas como prioritárias, continuará aquém do desejável e necessário continuando muitos a serem deixados para trás...