É dado adquirido que a vaga de violência e o confronto aberto entre polícias e manifestantes nas ruas de Maputo e noutras cidades moçambicanas, com mortes e actos de vandalismo, resultam do descrédito das instituições eleitorais que perderam a pouca credibilidade que ainda lhes restava, se alguma vez a tiveram.
Apesar de uma série de denúncias que dão conta da discrepância do número de votantes inscritos e dos votos contabilizados, do enchimento de urnas na calada da noite, da alteração da legislação eleitoral à porta das eleições, dos constrangimentos financeiros criados aos partidos na oposição e as restrições aos observadores eleitorais, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) anunciou a vitória da FRELIMO por uma maioria qualificada, por incrível que possa parecer.
Estas últimas eleições, à semelhança das anteriores, não ajudaram a promover a verdade eleitoral num país onde a FRELIMO tem sido, amiúde, associada à fraude eleitoral e aos actos de violência política que já culminaram com o assassinato de opositores políticos.
As instituições que lidam com os processos eleitorais moçambicanos não aprenderam, pelos vistos, com os erros cometidos nas eleições locais do ano passado, em que a Polícia e manifestantes se confrontaram nas ruas de Moçambique, em sinal de protesto às fraudes massivas.
Nas autarquias, não conseguiram ler a mensagem do povo que declarou nas urnas que estava cansado do longevo consulado da FRELIMO e que precisava de mudanças, ou seja, de novos actores políticos com capacidade para insuflar "sangue-novo" no modelo de governação e reduzir os elevados índices de miséria e indigência.
O Excessivo apego ao poder ofuscou a visão dos governantes moçambicanos que se julgam os únicos "eleitos" para conduzir os destinos do país, em meio às vagas de descontentamento, sobretudo de jovens que não tiveram uma relação directa com a guerra, mas que aspiram melhorar as suas condições de vida.
À semelhança do que acontece em Angola com o MPLA no poder, em Moçambique, a história repete-se com a FRELIMO que não tem sido capaz de promover eleições justas, transparentes que transmitam confiança aos eleitores.
Tanto no Índico como no Atlântico, os dois partidos (des) governam os respectivos povos há quase meio século, sendo os únicos dos PALOP"s que nunca cederam as suas posições.
Um leigo que não conheça a realidade que vigora nos dois países pode ficar com a ideia de que a longa permanência no poder da FRELIMO e do MPLA resulta de uma suposta boa governação ou da satisfação das necessidades colectivas. Ledo engano!
Para além dos laços históricos que remontam ao período da luta de libertação contra o colonialismo português, os dois partidos partilham o modus operandi e os mesmos processos subterrâneos para a sua manutenção no poder.
Ao contrário do que acontece noutras paragens do mundo, em Moçambique como em Angola, os partidos governantes não têm sido penalizados pela má governação, distribuição assimétrica da riqueza social, corrupção endémica e a arrogância governativa.
O que está a acontecer em Moçambique é a reafirmação da narrativa segundo a qual as eleições em África não passam, muitas vezes, de rituais vazios para entronizar um dirigente eterno ou assegurar a manutenção do partido governante no poder.
O que se verifica no país do Índico é a confirmação das suspeitas de que os partidos governantes não precisam de contar os votos, mas realizar apenas eleições para assegurar a sua manutenção no poder.
Por diversas ocasiões, já me questionei por que razão os partidos no poder em África, ainda que governem mal os seus países, ganham quase sempre as eleições por maiorias qualificadas ou, no mínimo, maiorias absolutas.
Salvo raras e honrosas excepções, este é um cenário que se observa na generalidade dos países africanos, daí que muitos resultados eleitorais não são levados a sério, porque são forjados e inquinados.
Dentre os 16 países que compõem a SADC, apenas a África do Sul, Namíbia, Botswana, Maurícias e Seychelles têm realizado eleições justas, livres, credíveis e exemplares para o resto do continente africano.
Será que as oposições políticas são assim tão fracas, ao ponto de não convencerem o eleitorado para as mudanças?
Alguns procuram justificar essas vitórias por maiorias qualificadas, socorrendo-se do facto de as oposições concorrerem divididas. Outros recorrem ao argumento de uma suposta compra de votos. Será por essa razão?
Será que os elevados níveis de iliteracia entre os votantes têm algum impacto nas fraudes maciças nos processos eleitorais?
Por que os partidos que ganham as eleições por maiorias absolutas ou qualificadas, quando chegados ao poder, se tornam acríticos e arrogantes, ao ponto de sufocarem ou reduzirem ao máximo o desempenho das oposições políticas e das organizações da sociedade civil, sobrevivendo apenas aquelas que alinham com as posições governativas?
Em países onde a lisura eleitoral não é questionável, o poder reside nas instituições e não nos líderes políticos, e as mesmas inspiram confiança aos seus eleitores. Neles, os órgãos eleitorais são verdadeiramente independentes e transparentes.
Nos países onde a vontade dos cidadãos é respeitada, as Constituições não são alteradas à porta das eleições para acomodar interesses partidários, como já aconteceu em Angola e Moçambique. Neles, faz-se a contagem de votos em todas as freguesias e "bualas" e o poder é disputado ao "milímetro", não apenas verticalmente, mas também horizontalmente, por via das Autarquias. Os resultados são publicados e recontados, se for motivo disso.

Numa palavra: as instituições do Estado, os tribunais, a comunicação social e os cofres do erário não são usados para atacar ou/e silenciar os adversários políticos incómodos. Lá, não há Manicos e Laurindas que são levados ao colo pelo poder político, existindo uma verdadeira separação de poderes.