Na sua intervenção, João Lourenço revelou que, à excepção do Reino Unido, os demais países Ocidentais "arrogaram-se o direito de questionar a credibilidade dos tribunais angolanos, quase que querendo rever as sentenças emitidas pelos mesmos, como se de órgãos de apelação extraterritoriais se tratassem".

Dito de outro modo, os países cujos nomes não foram mencionados têm estado a colocar em causa a independência e a soberania dos tribunais angolanos quando, na óptica do PR, deveriam pura e simplesmente acatar a "obrigatoriedade" das decisões desses órgãos.

Será esta uma das razões que fez com que Angola só tivesse conseguido recuperar até à data uns "míseros" 6 mil milhões de um total estimado em 100 mil milhões de dólares norte-americanos, que sumiram do país, segundo dados fornecidos pelo Serviço Nacional de Recuperação de Activos da PGR?

Embora não tivesse dito de forma expressa, o PR deixou, porém, escapar uma certa frustração do tão propalado combate à corrupção e impunidade, atribuindo parte da culpa desse fracasso a certos países do Ocidente que, segundo ele, têm colocado entraves ao repatriamento dos fluxos monetários.

Desde que lançou, em 2017, a inédita campanha de recuperação de activos, João Lourenço tem vindo a enfrentar uma série de contrariedades e limitações, muitas das quais difíceis de contornar e que requerem habilidade no seu tratamento.

Um dos empecilhos que estará a emperrar o processo de repatriamento de capitais tem a ver com o facto de uma boa parte desse dinheiro ter saído do país de forma legal, ou seja, por via do circuito bancário formal. Significa que o mesmo não foi transportado em sacos às escondidas, na calada da noite, mas em plena luz do dia.

Mesmo sabendo ou suspeitando da proveniência escabrosa desse dinheiro, os países receptadores pouco ou nada fizeram para impedir que o mesmo entrasse e circulasse dentro dos seus circuitos bancários, o que ajudou de certo modo a fortalecer as suas economias.

Numa linguagem terra a terra dir-se-ia que cada dólar roubado de Angola, não só serviu para dar leite a uma criança europeia em detrimento de outra angolana, como também ajudou a gerar riqueza nos países receptadores.

Um dos primeiros sinais do complexo processo do repatriamento do dinheiro foi dado em 2018, quando João Lourenço esteve em visita oficial a Portugal, tendo o então primeiro-ministro português admitido publicamente que o repatriamento dos activos para Angola poderia desfalcar o sistema financeiro local e causar sérias consequências na economia lusa. Mais claro António Costa não podia ser.

Por outras palavras, o ex-chefe do Governo socialista português estaria a lançar indirectamente um apelo ou a traçar as pistas no sentido de os dois países chegarem a acordo, de forma a não provocar desequilíbrios financeiros na economia tuga, sendo este país um dos maiores, senão mesmo o maior destino do dinheiro angolano.

Se é certo que existe uma certa resistência dos países do Ocidente em repatriar o dinheiro roubado de Angola, não é menos verdade que o nosso país não fez bem o seu trabalho de casa, ou seja, o combate à corrupção e impunidade não foi acompanhado de uma reforma do sistema judicial para inverter a péssima imagem que se tem dos nossos tribunais fora de portas.

João Lourenço não tem por isso grandes motivos para se queixar do descrédito internacional dos nossos tribunais, algo que resulta das sistemáticas interferências do poder político no sistema judicial, na sua partidarização, assim como nos vários erros de natureza processual que têm sido cometidos.

Quando, em Setembro de 2017, chegou ao poder, o PR liderou uma luta sem quartel para "salvar" das malhas da justiça portuguesa Manuel Vicente, que tinha sido arrolado num processo-crime de suborno e lavagem de dinheiro que envolvia um procurador português.

Convém lembrar que à data dos factos, Manuel Vicente não era ainda vice-Presidente da República, pelo que não gozava de imunidade inerentes ao cargo. Apesar disso, João Lourenço agiu com trugungo, ao ponto de ameaçar o corte de relações diplomáticas com Portugal.

Na altura, ele foi tão deselegante para com os tugas, ao ponto de, no seu discurso de tomada de posse, ter omitido acintosamente o nome de Portugal, numa cerimónia em que os tugas se fizeram representar ao seu mais alto nível, por via do PR Marcelo Rebelo de Sousa.

O tempo acabaria por dar razão aos que suspeitavam que as pressões exercidas por Luanda visavam subtrair o ex-governante angolano à acção da justiça portuguesa. A prova-lo está o facto de o agente passivo do crime, o procurador português Orlando Figueira estar neste momento a cumprir uma pena de 6 anos e 8 meses de cadeia, ao contrário do ex-governante angolano que nunca foi minimamente perturbado pela justiça do seu país.

A credibilidade da justiça angolana não foi apenas posta em causa nesse processo que envolvia o ex-governante angolano, como também num outro que decorreu em Espanha, no qual foi arrolado Carlos Panzo, um ex-assessor para os Assuntos Económicos do PR, a quem Angola havia solicitado a sua extradição de Espanha, depois de ter sido acusado de suborno e branqueamento de capitais.

Ao pedido de extradição feito pelas autoridades angolanas, o Tribunal Constitucional de Espanha respondeu com um redundante "Não", argumentando que a : " A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola e a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) não reuniam os requisitos de autoridades independentes do poder executivo". Ou seja, eram órgãos directamente dependentes do Titular do Poder Executivo (TPE).

Na sua decisão, o tribunal manifestou o seu receio de que caso viesse a ser julgado em Angola, Carlos Panzo não teria uma "protecção judicial efectiva e um processo com todas as garantias".

De fracasso em fracasso, Angola viria depois a accionar o mesmo instituto jurídico de extradição junto das autoridades portuguesas para trazer de volta ao país Carlos Panzo, mas igualmente sem sucesso.
As borradas da justiça não ficaram por aqui. Em 2021, o desfecho do «caso Abel Cosme», antigo PCA da TCUL, não só raiou o ridículo, como também colocou em causa novamente a seriedade do sistema judicial angolano.

O antigo gestor, que havia fugido para Portugal, depois de ter sido arrolado no processo-crime do Conselho Nacional de Carregadores (CNC), viria a ser extraditado em Setembro de 2021 para Angola, a pedido das autoridades angolanas.

Para surpresa de muitos, posto em Angola, ele viria a ser posto em liberdade pela DNIAP uma semana depois da sua extradição, a pretexto de que não fugira do país, mas que se ausentará dele por "razões de saúde".

Se a isso acrescermos o facto de a justiça angolana não ter movido uma única palha diante das graves e abundantes acusações de peculato e branqueamento de capitais de que foram acusadas figuras do círculo próximo do PR, nomeadamente Edeltrudes Costa e João Baptista Borges, poderão estar cobertos de razão os que acusam a nosssa justiça de guiar-se por critérios selectivos.

Será por antever sérias dificuldades na recuperação dos activos, a antiga procuradora-adjunta da PGR, Eduarda Rodrigues, agora caída em desgraça, defendeu, em tempos, a necessidade de Angola estabelecer acordos de partilha de bens com alguns países, sobretudo os que têm oposto uma resistência na devolução dos bens em dinheiro?