Resultado dessa conturbada reunião, Chapo, que será o quinto Presidente do País fundado por Samora Machel, terá pela frente a difícil tarefa de reorganizar o partido saído de umas eleições que derrotaram e fragilizaram a posição do ainda líder da FRELIMO, Filipe Nyusi.

Governador da província de Inhambane, eleito por sufrágio directo e universal em 2019, Chapo foi a escolha do CC da FRELIMO para as presidenciais, vencendo o preferido de Filipe Nyusi, o até então secretário-geral do partido, Roque Silva, um político arrogante e populista contestado e rejeitado internamente e na sociedade, em geral.

A confusão instalou-se quando o CC se recusou a votar uma lista contendo apenas três nomes, nomeadamente Roque Silva, Damião José, membro da Comissão Política, e Daniel Chapo, do Comité Central, que Nyusi apresentou em nome da Comissão Política, em que o secretário-geral era o primeiro e principal dos candidatos.

O Comité Central recusou a lista com apenas os três citados e exigiu a inclusão de outros nomes. De seguida, gerou-se um "braço de ferro" entre o CC e Nyusi, que insistia na defesa da sua proposta.

A escolha, sem um critério definido a priori e contra os critérios usados antes, inclusive aquando da eleição de Nyusi que concorrera com outros pesos pesados do partido como Luísa Diogo, antiga primeira-ministra, resultou em confusão, arrastando por três longos dias um processo inicialmente marcado para poucas horas.

O CC exigia a inclusão na lista de outras figuras de proa do partido, para além de Roque Silva, ladeado por Daniel Chapo e Damião José, esses dois últimos considerados localmente como "fauna acompanhante", designação atribuída a indivíduos colocados para fazer verbo encher e/ou facilitar a eleição do candidato referência.

Depois de três dias de impasse, a Comissão Política, sempre protegendo Roque Silva, acrescentou mais dois "fauna acompanhante", Esperança Bias (presidente do Parlamento) e Francisco Mucanheia, da Comissão Política e conselheiro do Presidente, deixando de fora pesos pesados que ombreariam com Roque Silva, como Luísa Diogo, Basílio Monteiro, ex-ministro do Interior ou José Pacheco, que já ocupou várias pastas governamentais em Moçambique. Diante da confusão, Damião José retirou a sua candidatura, pouco antes de se iniciar a eleição.

Ao desafio em jeito de provocação, o CC, opondo-se ao secretário-geral, votou maioritariamente numa espécie de "mal menor" Daniel Chapo (103 votos), deixando Roque Silva com 77 votos, Francisco Mucanheia (46 votos) e Esperança Bias (3 votos), muito longe do vencedor-surpresa.

Roque Silva, que gostava de, publicamente, igualar Filipe Nyusi a Deus ou Alá e, por isso, era tratado jocosamente por Jesus Cristo, perante humilhante derrota demitiu-se imediatamente das funções que ocupava no partido e inclusive da Comissão Política, desistindo também de participar na segunda volta que elegeu Chapo com 94 por cento

A confusão na eleição de um partido que se assemelha a uma "organização mafiosa", na opinião de intelectuais moçambicanos como o sociólogo Elísio Macamo, mais do que fragilizar a FRELIMO, afecta principalmente a dupla Nyusi-Roque. Esse último com poucas possibilidades de reabilitação política.

Teimoso, na opinião de políticos e observadores da realidade moçambicana, Nyusi viu confirmado que a sua inabilidade, impreparação e métodos autocráticos de controlo do partido têm, para os membros do CC, uma linha vermelha: a pluralidade que sempre existiu na FRELIMO.

Ao apresentar e insistir na sua escolha contra o Comité Central e a opinião pública, esperando, objectivamente, vencer o CC pelo cansaço, o que significaria vencer a opinião pública moçambicana, Nyusi ignorou que na FRELIMO "a vitória prepara-se, a vitória organiza-se".

Essas trapalhadas a cinco meses das eleições gerais (presidenciais, legislativas e provinciais) deixam a FRELIMO a precisar de se reorganizar e eleger um novo ou nova SG, executivo que faz funcionar a máquina do partido e motor das campanhas políticas.

Empurrado porta afora pelo CC que ouviu as vozes da opinião pública contra um "arrogante, prepotente e mal-educado", Roque Silva transformou-se no expoente da decadência do consulado de Nyusi que tem contra si principalmente as alas guebuzistas e samoristas.

O agora ex-SG da FRELIMO, que antes dessas funções foi secretário de Estado da Administração Pública, transformou-se num político tóxico e, com isso, dificilmente entrará nas contas da nova FRELIMO que se começa a desenhar.

Se, por um lado, com quase 50 anos de governação, a FRELIMO vai mostrando evidentes sinais de desgaste, por outro, o partido sabe que, no actual sistema político e dada a fragilidade e instabilidade na oposição, dificilmente perderá a cadeira do Poder.

Afirmando-se contra a norma (não escrita), segundo a qual era "a vez de eleger alguém do Centro" do País para Presidente, depois da vez do Norte (Nyusi é de Cabo Delgado), o actual Presidente de Moçambique terá apostado em Roque Silva (do Sul) como garantia da defesa do seu legado e sua protecção, porque confia em quem por fé ou por falta de decência política o considerou uma divindade.

A inabilidade de Nyusi acabou por facilitar a escolha de um político do Centro, Daniel Chapo, natural da província de Sofala, e que há cinco anos venceu sem dificuldades a eleição para governador da difícil província de Inhambane, fronteira entre o Sul e o centro do País.

Com isso, sem honra nem glória políticas, Filipe Nyusi termina os seus 10 anos de consulado considerado por muitos como o pior Presidente de Moçambique, aquele que quase oficializou a tirania.

Com a eleição garantida, Chapo, neste momento um pré-Presidente, deverá, desde já, começar a trabalhar nas fórmulas para enfrentar os inúmeros problemas políticos económicos e sociais do País, a começar pela guerra em Cabo Delgado estendendo-se para as divisões no seu partido, surgidas com o processo para a eleição do candidato presidencial da FRELIMO.

Neste caso, o problema não está em quem ganha, mas, sim, no que se faz com a vitória. Se conseguirá transformá-la em vitória da inclusão contra a exclusão, pela conciliação. Contra a arrogância.

A partir de Janeiro de 2025, depois de tomar posse, aos 48 anos, o novo Presidente de Moçambique vai ter de arranjar tacto político para a pesada herança que o seu antecessor deixa, nomeadamente a guerra, níveis de pobreza elevados, dois milhões e meio de crianças fora do sistema de ensino, gritantes assimetrias regionais, vias de comunicações degradas em todo o País.

Terá, também, de contribuir para a esperança da juventude, a geração do digital, que enfrenta uma taxa de desemprego muito elevada, sobretudo na capital, Maputo, que segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE) se cifra nos 36 por cento.

Antigo jornalista da Rádio Miramar, Chapo terá, igualmente, de trabalhar rapidamente para dar dignidade a uma parte considerável da população que vive no lumiar da pobreza, ao mesmo tempo que se concentra em pôr fim ao conflito armado no norte do País.

A esperança em Moçambique, mais do que em recursos como o gás natural está na agricultura que cresce a muito bom ritmo e faz do País auto-suficiente em produtos como o açúcar ou tomate e que poderá ser um gigante exportador de produtos agrícolas no continente.

Em Moçambique, onde o "lambe-botismo", bajulação, é matéria de debates académicos e onde a academia e a comunicação social, principalmente a de capitais privados, são implacáveis com os desmandos dos políticos, espera-se que o novo Presidente use a sua relativa juventude para assumir compromissos com métodos transparentes de governação.

Neste País, onde políticos, inclusive da FRELIMO, se manifestam nas redes sociais contra a "angolanização" do Estado e olham com preocupação para as tricas internas no ANC em vésperas de eleições decisivas na África do Sul. O CC da FRELIMO, fugindo do contágio, retirou ao Presidente e sua turma a capacidade de continuar a condicionar o futuro do partido e da sociedade.

E com isso mostra que "não há vitória sem sacrifícios", como dizia Samora Machel.