Alguns dos vários debates que têm sido promovidos nos órgãos de comunicação social e opiniões expressas em artigos e publicações de vários economistas angolanos atestam ser favoráveis à manutenção dos subsídios aos combustíveis, pelo facto de não haver garantias de que os ganhos resultantes dos ganhos orçamentais pela remoção dos subsídios na despesa pública se revertam para investimentos nos sectores sociais.
Reafirmo aqui a minha posição inequívoca que há anos venho expressando, particularmente, nas salas de aula, que a manutenção da política de subvenção de preços é irracional porque induz imensas deformações no pleno funcionamento do mercado, cria muitos maus hábitos aos consumidores que vivem numa farsa de abundância. Talvez valha a pena olharmos, em primeiro lugar, para os números inerentes à despesa pública da subvenção dos preços de combustíveis.
A análise feita à Conta Geral do Estado (CGE), entre 2010 e 2015, indica que o Estado angolano gastou com os subsídios de preços de combustíveis 2.337.172 milhões de kwanzas (executado), equivalente a 21.247 milhões de dólares americanos, assumindo uma taxa de câmbio média de 1USD=110AOA. Esse montante é superior ao que se gastou com a construção das Barragens de Capanda (2,6 mil milhões de dólares americanos), Laúca (4,5 mil milhões de dólares americanos), Caculo Cabaça (4 mil milhões de dólares americanos) e o aumento da capacidade da barragem de Cambambe (3,7 mil milhões de dólares). Vejamos agora o que se gastou de 2017 a 2022. Nesse período coincidente com o primeiro mandato do actual Presidente da República, gastaram-se 2.436.683 milhões de kwanzas, correspondendo a aproximadamente 7 mil milhões de dólares norte-americanos. Se comparados os dois períodos, nota-se que há uma aparente redução no período entre 2017 e 2022, unicamente devido à perca de valor do Kwanza que se verifica desde 2018, tendo atingido, em 2021, o pico de 1USD=624,14.
A preocupação expressa por alguns colegas economistas de que os ganhos orçamentais resultantes da poupança que emergiria com a eliminação dos subsídios dos combustíveis não se destinar para o reforço do orçamento do sector social tem razão de ser. Entretanto, devemos também avaliar os contornos e os impactos negativos que o baixo preço dos combustíveis induz na economia e nas mentes das pessoas. Vejamos alguns desses.
O preço pago pelos angolanos na bomba de combustível é 2/3 mais baixo do que o congolês paga. Por consequência, é um negócio especulativo no país vizinho. O mesmo ocorre na fronteira Sul com a Namíbia. Essa diferença penaliza Angola, porque é um produto 2/3, é importado que é ilegalmente exportado ao preço subsidiado, custando ao Estado cerca de 3 mil milhões de dólares/ano. Portanto, se adicionarmos a despesa computada acima, veremos que o desperdício de dinheiro é astronómico, numa economia em que as infra-
estruturas fundamentais ao desenvolvimento estão a cair aos bocados. Não podemos ignorar o impacto negativo que o baixo preço do combustível causa na economia dos países vizinhos, pois contribui para destorcer o mercado local. Os empresários do sector de retalho de combustíveis das localidades fronteiriças, certamente, são duplamente penalizados pelo dumping de preços, pois os contrabandistas venderão a preço mais baixo o combustível contrabandeado.
Por outro lado, as autoridades policiais são acusadas de pouco fazer para controlar melhor a fronteira, no sentido de estancar o contrabando de combustível, que todos concordamos ser prejudicial ao País. Mas, será que é humanamente possível controlar uma fronteira terrestre de 4837 quilómetros e de 1650 Km marítima, sem incluir as ligações fluviais? Será mesmo possível controlar todos os caminhos (fiotes), com os povos residentes em ambos os lados, que, em muito, se confundem, pois, na maior parte das vezes, falam a mesma língua e possuem laços familiares? Não creio que haja medidas administrativas, e ou, mecanismos de controlo de uma fronteira tão extensa como a de Angola com os seus vizinhos. A prova de que as decisões administrativas não têm surtido efeitos é o facto de que o problema do contrabando de combustível é de longa data e não dá sinal de abrandamento. Pois, quando se apanha um contrabandista, possivelmente cinco já tenham passado.
Os preços ficticiamente baixos de combustíveis induzem uma falsa percepção de posse! Dizia alguém, a propósito da taxa de câmbio flutuante, que veio pressionar os preços gerais para cima, com alguma razão, que no passado eramos pobres, mas não sabíamos, hoje somos pobres e sabemos que somos, porque os preços são reais. O preço baixo ficticiamente de combustível (0.33 USD), contra os 1.33USD na RDC e 1.25 USD na Namíbia, faz que não haja racionalidade no uso de viaturas no seio das famílias angolanas. Conheci uma família de que cada um dos quatro membros possuía uma viatura (pai, mãe, e dois filhos), frequentavam a mesma igreja. Porém, ao domingo, cada um conduzia a sua viatura até à igreja, acabando por usarem as quatro. Note-se numa distância a caminhar de menos de 15 minutos, podiam muito bem caminhar. Estou certo de que se comportariam de forma diferente se a gasolina custasse o equivalente a 1.33USD, correspondente, na data presente, ao equivalente a 552 Kz o litro. Quantas viaturas teriam ficado fora das estradas, se fosse reposta a realidade do preço? Será que não teríamos a redução do fluxo de viaturas nas estradas? Haveria, certamente, impacto na redução dos engarrafamentos, teríamos menos viaturas a desgastar os pavimentos, teríamos a redução de poluição atmosférica, para citar apenas alguns ganhos imediatos.
A remoção dos subsídios vem sendo protelada há alguns anos, com o receio do impacto social que a remoção dos subsídios vai provocar nos preços em geral, particularmente no aumento da corrida dos táxis. Sempre pensei que o programa Kwenda, que se tem traduzido em transferências monetárias para as famílias no limiar da pobreza, foi criado para reduzir o impacto negativo da eliminação dos preços de combustíveis. Acredito que foi também com a pretensão de reduzir o impacto da subida da corrida de táxis azuis que o Estado fez investimentos com a adquisição de autocarros. Entretanto, o nível de pobreza em que vivem as pessoas no meio rural teria pouco impacto na eliminação dos subsídios, pois os desafios que essas populações enfrentam no dia-a-dia são inimagináveis para muitos. O impacto social negativo com a subida de preços será muito mais nos meios urbanos, que, acredito, é controlável.
Politicamente, este é o momento em que se presta para a remoção dos subsídios dos combustíveis. Porquanto o Titular do Poder Executivo (TPE) está no primeiro ano do seu último mandato; economicamente, o momento também se presta, pois se vive uma folga derivada dos preços razoáveis do petróleo no mercado internacional, em que o preço de referência do Orçamento Geral de Estado (OGE) é de 75USD, enquanto o preço no mercado flutua entre 88 e 90 USD. As projecções indicam que, enquanto durar a guerra na Europa, os preços de petróleo andarão acima de 80 dólares o barril. Queiramos ou não, os subsídios aos combustíveis terão um dia de ser eliminados. Por conseguinte, deve haver inteligência de se escolher o momento certo, que, em minha opinião, é chegado.
Por tudo dito neste texto, levam-me a reafirmar que os subsídios aos combustíveis são demasiadamente prejudiciais à economia angolana e aos países vizinhos, ao mercado e, essencialmente, aos grupos menos favorecidos. Por conseguinte, deve haver coragem política para eliminá-los progressivamente, por consequência, o contrabando vai desaparecer, as famílias angolanas vão passar a viver a realidade da sua condição. Inicialmente, vai custar, mas, como aconteceu com os demais ajustamentos (taxa de câmbio), esse também será absorvido e viveremos na realidade. Vale mais tarde do que nunca!n