Estes dados confirmam apenas uma tendência que decorre há alguns anos: a adesão dos angolanos aos meios electrónicos de pagamento. Esta adesão tem como resultado uma vantagem clara numa primeira fase, concretamente a redução do manuseio de dinheiro físico no seio da sociedade, principalmente nas grandes cidades, como é o caso de Luanda.

Outra das vantagens desta tendência é a possibilidade de rastrear o dinheiro, já que todo o pagamento electrónico deixa um rasto e, como tal, há maior possibilidade de controlar eventuais fugas ao sistema, desde o pequeno comerciante até às grandes empresas. Portanto, uma excelente notícia para a economia do País.

Para termos uma ideia da "revolução" que estamos a viver, o Multicaixa Express registou 19,6 milhões de transacções em 2019. No ano passado (2020), a aplicação registou 179,6 milhões de transacções, ou seja, um crescimento de cerca de 816%... É verdade que entre 2019 e 2020 houve um fraco crescimento de Caixas Automáticas (ATM), concretamente de 0,7% (de 3.125 para 3.148), mas o número de Terminais de Pagamento Automático fixou-se em 130.502 terminais em 2020, mais 15.290 do que em 2019, o que significou um acréscimo de 13% no que diz respeito ao número de transacções de um ano para o outro.

O estudo "Banca em Análise" também revela a evolução das transacções e montantes associados aos pagamentos de impostos ao Estado por via electrónica.

Se em 2019 tivemos 2,1 milhões de transacções, no ano passado o número aumentou para 2,3 milhões de transacções. Já os montantes passaram de 1 132 357 milhões de kwanzas para 1 750 455 milhões Kz, ou seja, um aumento de 55%.

Não é por acaso que vemos, todos os meses, longas filas nas caixas multibanco em Luanda, principalmente por altura do pagamento dos salários à função pública e das pensões. Evidentemente que esta situação deve ser analisada e solucionada (é urgente a cidade ter mais caixas de ATM espalhadas pelas suas ruas, por exemplo), já que não é aceitável um cidadão ter de esperar horas numa fila ou ter de caminhar quilómetros para levantar o seu dinheiro, mas essas mesmas filas demonstram como a sociedade angolana começa a estar intimamente ligada ao mundo digital, algo impensável há poucos anos.

Embora ninguém negue que haverá sempre utilização de numerário, parece evidente que estamos a viver um caminho sem volta, uma mudança de paradigma. Há cada vez mais o uso do cartão multicaixa para pagamentos em estabelecimentos comerciais, assim como terminais de pagamento automático em vários sectores comerciais.

Curiosamente, esta nova "revolução" ocorreu quando os resultados líquidos da banca angolana afundaram 237% em 2020, ou seja, apresentaram uma redução para um valor negativo acumulado de 166 mil milhões de kwanzas, muito devido ao reconhecimento da menos-valia na cessão de cerca de 80% da carteira de crédito malparado do BPC à RECREDIT, empresa estatal criada para este efeito.

Com uma banca débil, esta mudança digital acaba por ficar fragilizada. No entanto, acreditamos que não será suficiente para travar esta tendência, ainda mais quando o angolano parece estar plenamente adaptado a este "movimento" digital.

Não podemos ignorar que a digitalização do dinheiro traz inúmeros benefícios para os consumidores e a economia, em geral. O mais óbvio é, evidentemente, o poupar tempo nas transacções financeiras. E isso faz que até mesmo as idas aos ATMs sejam desnecessárias, já que podemos efectuar qualquer pagamento com o tocar do cartão, do telemóvel ou do relógio, por exemplo.

Não é por acaso que muitos especialistas acreditam que a utilização do dinheiro físico está com os dias contados, com El Salvador a ser o primeiro país a reconhecer a bitcoin, enquanto na Suécia apenas 13% da população utiliza dinheiro físico. É verdade que a mentalidade "cashless" varia de país para país e que ainda estamos bastante longe dessas realidades, que mais parecem um filme de ficção científica, mas é importante estarmos a par, nós, como sociedade, das soluções digitais disponíveis, que devem estar integradas o mais cedo possível no seio da nossa comunidade. Não podemos esquecer que, para haver a tão ansiada mudança, é necessário ter os meios para isso. Felizmente, e ao que parece, nós, angolanos, estamos preparados para esta mudança. Que venham os meios! n

*Economista e especialista em Energia e Meio Ambiente