Em Angola, tem-se vindo a agravar o fosso. É claro que a ausência de informação estatística fiável nos deixa na desconfortável situação de se ter de recorrer ao que sentimos quando andamos na rua, ou contactamos as pessoas, em vez de podermos argumentar com base em dados mais fiáveis. Mas poucos discordarão do facto de se estar a atravessar um período em que o desânimo no semblante daqueles com quem cruzamos é mais frequente do que até aqui tínhamos experimentado, o que nos leva a preocuparmo-nos com o futuro imediato do País.
Se, por um lado, vemos aparecer mais produção nacional, particularmente na área alimentar e de produtos de grande consumo, por outro, vemos cada vez mais gente fora dos grandes supermercados pedirem ajuda, ou mães comercializarem a imagem dos filhos, na esperança da perniciosa caridade, pelas ruas da cidade.
O "kwenda" parece um passo na direcção certa e, estou convencido, pode desempenhar um importante papel no combate à pobreza, em particular nas áreas rurais, onde quem o recebe tem tendência para fazer dele um uso produtivo, multiplicando colheitas e rebanhos, alavancando rendimentos que podem fazer a diferença. Nas cidades, a situação é mais complicada, e a população tem menos opções, e mais dependentes estão do funcionamento geral da economia, que deveria gerar os empregos de que necessitam, e que não têm crescido sequer a taxas equivalentes à do crescimento da população.
Os jovens passam mal. Mesmo os que se esforçam - quase sempre severamente amputados por um deficiente sistema de educação -, têm de, na sua maioria, recorrer ao informal para subsistir. As taxas de desemprego são assustadoras nesse grupo da população, sempre consideravelmente superiores à taxa geral, que, segundo o INE, para o II trimestre de 2024, é de 32.30%. É uma permanente espada de Dâmocles!
Na visita a uma instituição bancária, num edifício muito "in" da cidade, cruzámo-nos com um membro da segurança. Impecavelmente uniformizado, expressão serena, mantinha a sua espingarda - já não uma velha AKM, mas uma dessas novas, de cano largo, escuras, de alguma forma mais ameaçadoras -, na correcta posição de descanso. Era uma figura que transmitia confiança. Não tão jovem, era fácil adivinhar as suas responsabilidades familiares: em casa, havia certamente filhos para alimentar e mandar para a escola.
Seguindo o hábito, cumprimentámos e fizemos a pergunta sacramental:
- Então, está tudo bem?
A resposta veio em voz pausada, caldeada pelas agruras da vida, e não se fez esperar:
- O problema é a fome.