Neste momento - formulada explicitamente ou albergada nas mentes - paira em Angola a pergunta: para onde estamos a ir?

A perplexidade é tanto maior quanto foi grande a expectativa criada por João Lourenço, há quatro anos, ao substituir José Eduardo dos Santos na chefia do País.

Convém recordar que era má a situação económica e social de Angola, em 2017, quando o novo presidente tomou posse. A situação agravara-se a partir de 2015, após a continuada baixa da cotação do barril de petróleo, que representava mais de dois terços das receitas do Estado. O petróleo que durante décadas fora a quase única exportação e a quase totalidade das receitas estatais! Esse produto que poderia ter sido o motor do desenvolvimento de Angola e do bem-estar da sua população e se tornou em instrumento de miséria...

De facto, desde a Independência, as enormes receitas obtidas com a exportação do crude tinham sido canalizadas para fundos secretos da governação e para o despudorado enriquecimento da elite dirigente do MPLA, deixando as Finanças Públicas sem fundos para o investimento estatal em sectores fundamentais como a saúde, o ensino, a protecção social e as infra-estruturas de toda a ordem. Assim, centenas de milhares de milhões de dólares foram desviados do Estado para os bolsos de numerosos indivíduos de vários escalões da elite dirigente enquanto a enorme maioria da população foi ficando sem escolas suficientes, nem ensino adequado; sem hospitais e centros de saúde providos de equipamento, pessoal e medicamentos; sem possibilidade de emprego para o crescimento galopante da população. Daí a subnutrição e fome, a doença, a mortalidade infantil, que se foram generalizando, a ponto de Angola ocupar os lugares mais baixos nas tabelas internacionais que medem o desenvolvimento humano e o bem-estar da população.

A situação económica e social em que se encontrava o país em 2017 requeria medidas de fundo e urgentes: acabar com uma economia rendeira baseada na exportação do petróleo; criar uma economia diversificada; combater a corrupção; reorganizar o aparelho do Estado e moralizar a vida pública; democratizar o país; dar poder à sociedade civil para que seja peça fundamental na construção do estado democrático.

No discurso de tomada de posse e noutros, também em actos políticos e governativos, João Lourenço dava indicação de que iria inflectir o rumo do seu antecessor.

O léxico presidencial enriqueceu-se com palavras e conceitos a que não estávamos habituados: "Angola tem de ser um país verdadeiramente democrático; é necessária a participação de todos os angolanos; é importante a sociedade civil; o combate à corrupção não distingue ninguém". Também foram solicitadas personalidades marginalizadas para determinados órgãos: Conselho da República e, mais tarde, o novo Conselho Económico e Social. Entretanto, realizavam-se sucessivas exonerações e nomeações de responsáveis de todos os escalões do Estado e também das Forças Armadas.

A postura do novo presidente anunciando o combate implacável à corrupção e mostrando uma abertura que contrariava o fechamento político do seu antecessor criou em largos sectores da população angolana a esperança de que o MPLA e os seus dirigentes tinham virado uma página duma governação com numerosos aspectos sombrios.

Quatro anos após a investidura de João Lourenço são muitas as interrogações sobre o futuro económico, social e político de Angola. Porquê?

A primeira razão reside nas condições de vida da população, em geral. A uma expectativa de melhoria sucedeu a desilusão trazida pelo agravamento do penoso quotidiano. É certo que as cotações do petróleo se mantiveram baixas até finais do ano passado e houve a pandemia do covid 19, o que teve reflexos na economia e nas finanças públicas. Mas também é verdade que não foram tomadas medidas estruturais no campo económico que resultariam em necessários aumentos da produção e de emprego, melhoria dos circuitos de distribuição; também não houve medidas pertinentes no campo social, o que resultou em agravamento das carências.

A segunda razão é que - para lá de alguns mediáticos julgamentos de figuras públicas - continuam a registar-se gigantescos casos de corrupção atingindo notórias figuras do regime ou instituições e há outros de menor amplitude, mas numerosos, ocorridos na execução de programas governamentais (PIIM, etc.). Também persistem velhos hábitos de falta de transparência na governação: por exemplo, a adjudicação directa de grandes obras, prescindindo-se do concurso público.

Uma outra razão está no facto de a anunciada abertura à sociedade civil ser tímida ou mais formal que efectiva. Certas personalidades, de saber e probas, foram nomeadas para o Conselho da República e Conselho Económico e Social, mas esses órgãos consultivos não tiveram ocasião de produzir algo. Por outro lado, o Executivo não ausculta associações empresariais, sindicatos, associações culturais, ONGs sobre os problemas sectoriais que representam e os problemas nacionais que a todos afectam.

Mais uma razão, a quarta, é constituída pelo súbito fechamento político, contrariando o que sucedia desde 2017. A comunicação social estatal voltou a ser apenas a porta-voz do poder instaurado (governo e MPLA). A escolha de alvos, temas, comentadores e a linguagem usada fazem recordar, com tristeza, tempos que julgávamos já serem definitivamente do passado. A intimidação da oposição e a falta de transparência é recorrente quer no discurso, quer em manobras legislativas.

A quinta razão prende-se com os sinais contraditórios dados pela presidência de que são maior expressão as inúmeras exonerações e nomeações de responsáveis de vários escalões ocorridas ao longo destes quatro anos. Elas são percebidas pela opinião pública como resultado de escolhas pessoais erradas ou escolhas que são fruto de maus aconselhamentos dos próximos colaboradores do Presidente.

Em suma, está profundamente desgastado o capital de confiança e de esperança que João Lourenço soube inculcar no início do seu mandato. É certo que o Presidente tem encontrado numerosos obstáculos para concretizar o que prometeu e é de admitir que queira um rumo diferente deste que está perante os nossos olhos. Na verdade, em Angola, todo e qualquer governante terá pela frente as condicionantes ditadas pelo monopólio da vida política, económica, social e cultural exercido pelo MPLA no País, desde a Independência, quando, então, instaurou uma férrea ditadura de triste memória.

A estrutura do Estado e a acção governativa continuam fundamentadas no conceito de Partido-Estado. O recrutamento para cargos e exercício das várias funções do aparelho estatal é feito num restrito círculo partidário. É tentacular a presença do MPLA em todos os sectores da vida nacional e em todos os escalões hierárquicos. O longo exercício do poder tem sido baseado na intimidação e diferentes tipos de coacção e na exigência de incondicional fidelidade partidária. Todos estes modos de ser e de estar do partido governante desde a Independência promoveram uma generalizada postura acrítica e servil nas suas fileiras, favorecendo assim a ascensão da mediocridade nos vários escalões directivos do País. Preso destas concepções, métodos e práticas, o MPLA tem hoje limitadas possibilidades para se renovar ou acompanhar líderes que queiram a mudança.

Isso foi visível, anteriormente, na cumplicidade com os erros cometidos por José Eduardo dos Santos. É evidenciado agora pelas tensões internas existentes no decorrer deste mandato de João Lourenço. A elite dirigente do MPLA está cada vez mais cega e surda perante a realidade. E nem desperta com os sensatos e acutilantes avisos de intelectuais da sua área política: Ismael Mateus, Marcolino Moco, Fernando Pacheco, Gustavo Costa, por exemplo.

O país precisa de sinais fortes de mudança. Para a realizar é necessário coragem, coerência, patriotismo. Todos o sabemos. Todos esperamos melhores dias para Angola e os angolanos. Por isso, precisamos de saber para onde estamos a ir!

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